Por David Roberto R. Soares da Silva e Ana Bárbara Zillo
Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) flexibilizou o conceito de bem de família e aceitou a penhora e alienação de bem imóvel considerado suntuoso, desde que se reservasse valor para a compra de outro imóvel de menor valor.
No caso em questão, se demandava o reconhecimento de imóvel de alto valor como bem de família e, por conseguinte, a sua proteção contra penhora aplicável ao bem familiar.
O entendimento foi da 12º Câmara de Direito Privado do TJSP, que divergiu da interpretação dada pelo magistrado de 1º grau, que havia reconhecido a proteção do bem de família a imóvel de alto valor. Para o magistrado de 1º grau, o imóvel deveria ser preservado, independentemente do seu valor de mercado, dado ser este o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1351571/SP). Assim, a penhora não poderia ocorrer dada a interpretação literal e restritiva da Lei nº 8.009/90.
O TJSP, todavia, entendeu que imóvel suntuoso (de alto valor), ainda que reconhecido como bem de família, pode ser penhorado e alienado, desde que seja reservada quantia do valor arrecadado com a alienação para que a família adquira outro imóvel de menor valor para sua residência. Para o tribunal, não se pode permitir que a proteção do bem de família, instituída pela Lei nº 8.009/1990, seja deturpada, para assegurar que imóveis de elevadíssimo valor permaneçam intocáveis, servindo de blindagem de grandes patrimônios, em prejuízo ao credor.
Vale transcrever a ementa da decisão:
“O imóvel de alto valor, ainda que reconhecido como bem de família, pode ser penhorado e alienado, desde que com a garantia de reserva, ao devedor ou ao terceiro meeiro, de parte suficiente do valor alcançado, para que possa adquirir outro imóvel que propicie à família moradia talvez não tão luxuosa, mas tão digna quando a proporcionada pelo bem constrito”. (Apelação nº 1094244-02.2017.8.26.0100, Relator: Castro Figliolia, Julgamento: 02/09/20, 12º Câmara de Direito Privado do TJSP).
Em seu voto, assim se manifestou o relator:
“Diante desse quadro, a alienação do bem de família certamente propiciará reserva de valor mais do que suficiente para aquisição de moradia apta a garantir padrão de conforto equivalente àquele que a apelada dispõe no imóvel penhorado talvez, mas não certamente, um pouco mais modesto”.
O instituto do bem de família é uma medida de garantia da dignidade de uma família, protegendo e resguardando a sua moradia. Refere-se a um bem imóvel, cuja a família instala domicílio, tornando esse imóvel, impenhorável e inalienável, assegurando um lar à entidade familiar. Dessa maneira, o bem de família garante à pessoa do devedor um patrimônio mínimo, retirando-o órbita da executoriedade, sem afetar assim, o direito material do crédito.
E é com base nessa concepção, que o Estado considerou a residência familiar como um bem impenhorável, sempre observando os direitos fundamentais do ser humano.
Há duas modalidades de bem de família.
A primeira foi instituída pela Lei nº 8.009/90, denominada bem de família legal, ou obrigatório, e se configura pelo simples fato do imóvel ser moradia da entidade familiar, e nesse caso não depende de registro. Em outras palavras, independe de ato formal, para que o imóvel seja considerado bem de família.
A segunda modalidade é o bem de família voluntário ou convencional, e está previsto no Código Civil nos arts. 1.711 a 1.722. Nesse caso, a proteção decorre da iniciativa do proprietário, que escolherá um bem e, por meio de escritura pública, designá-lo como bem de família.
No caso decidido pelo TJSP, as referências à Lei nº 8.009/1990 deixa claro que se tratava de bem de família legal, ou seja, o proprietário não havia instituído o imóvel como bem de família por meio de escritura pública. Talvez se houvesse feito tal instituição voluntária, o desfecho da ação seria outro.
O que se pode notar do caso em tela, é que houve uma flexibilização da interpretação da legislação vigente, especialmente daquela que trata do bem de família legal, que não exige providências do proprietário.
Salienta-se, por isso, a importância da instituição formal do bem de família por meio de escritura pública. É, sem dúvida, mais custoso, mas nos parece ser mais eficaz em termos de proteção.
De qualquer forma, a decisão do TJSP é muito relevante, vez que a interpretação adotada flexibiliza conceito que até então se considerava consolidado na jurisprudência de nossos Tribunais.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
Ana Bárbara Zillo é advogada júnior do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
Olá, como vai ?
Interessante sua publicação. Vc acha pertinente colocar no meu site?
Um grande abraço.