Por David Roberto R. Soares da Silva e Ricardo Almeida Blanco
Não vedadas em lei, as quotas preferenciais em sociedades limitadas são pouco conhecidas e, menos ainda, aplicadas no dia a dia das empresas. Quando se fala em planejamento sucessório, elas podem se tornar um instrumento poderoso, especialmente quando há herdeiros com necessidades especiais.
Introdução
Por muitas décadas, as sociedades limitadas contemplaram apenas quotas de capital com direito a voto, o que limitava a utilização desse tipo societário em alguns planejamentos sucessórios. Para cada quota, um voto.
A situação começou a mudar em 2017, quando a Instrução Normativa nº 38 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) passou a admitir, pela primeira vez, a possibilidade de quotas preferenciais. A mudança, radical à época, passou despercebida e nunca foi muito utilizada. Quotas preferenciais são aquelas que conferem ao seu detentor certas vantagens ou benefícios não conferidos às demais quotas ditas ordinárias.
No mundo da Bolsa de Valores, ações (não quotas) preferenciais são utilizadas para conferir dividendo especial ao acionista tendo como contrapartida a retirada do seu direito de voto. Mas a lei não exige que quotas ou ações preferenciais não possuam direito de voto; exige apenas que seja conferido um ou mais direitos não extensíveis às quotas ou ações ordinárias (essas, sim, sempre com direito de voto)
Mais recentemente, a Instrução Normativa DREI nº 81 atualizou os procedimentos de registro aplicáveis das sociedades limitadas e foi mais enfática na questão relacionada às quotas preferenciais. A IN admitiu que o contrato social defina condições específicas para quotas preferenciais atribuindo “a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.”
Em outras palavras, a IN 81 passou a permitir expressamente a retirada do direito de voto para quotas preferenciais, impondo como condição a aplicação subsidiária da Lei das Sociedades por Ações (Lei das S/A’s).
O normativo vai ainda mais longe ao estabelecer que, para fins dos quóruns de deliberação no âmbito da limitada, as quotas preferenciais sem direito a voto não serão computadas.
Estudo de caso
Recentemente, fomos procurados com uma demanda de planejamento patrimonial e sucessório que exigia certo cuidado.
Um casal idoso possuía cinco filhos e desejava implantar um planejamento sucessório para seus bens, a maioria deles constituídos por imóveis. O caso tinha uma peculiaridade: um dos filhos do casal, já maior de idade, sofrera percalços ao nascer e era absolutamente incapaz, exigindo cuidados médicos permanentes.
Se os pais viessem a falecer sem qualquer planejamento, esse filho incapaz herdaria um quinto do patrimônio total (embora fosse possível a redução da legitima por meio de testamento).
Por mais que se pudesse, por testamento, atribuir a quota na herança do filho incapaz a um número limitado de imóveis, esse seria titular dos bens, o que certamente criaria problemas na sua administração e eventual venda, exigindo a intervenção do Poder Judiciário e do Ministério Público. A situação poderia ser ainda mais complicada se outro filho do casal herdasse algum bem em condomínio com o incapaz.
A preocupação da família era evidente…
Foi nesse cenário que a limitada com quotas preferenciais se tornou uma ferramenta poderosa, sem prejudicar a herança do filho com incapacidade permanente.
Os bens do casal foram conferidos a uma sociedade limitada, sendo seu capital social dividido em 80% de quotas ordinárias com direito a voto e 20% de quotas preferenciais sem direito a voto. Às quotas preferenciais, a serem posteriormente doadas ao filho incapaz, foi atribuído dividendo fixo no valor suficiente para o custeio de seus cuidados médicos e de sua subsistência, sendo previsto, ainda, reajuste periódico para fazer frente a eventuais aumentos do custo de vida.
Todas as quotas – ordinárias e preferenciais – foram doadas aos cinco filhos com reserva de usufruto vitalício aos pais dos direitos políticos e econômicos.
Essas medidas garantiam uma série de vantagens à família, tais como:
- O patrimônio doado respeitou a legítima de cada herdeiro;
- Com o usufruto, os pais continuavam no controle e gestão do patrimônio, auferindo os rendimentos gerados pela sociedade, e garantindo com seu dinheiro o bem estar do filho incapaz;
- Com a morte dos pais, o herdeiro incapaz herdaria sua parcela na herança sem prejudicar a gestão do patrimônio familiar dentro da limitada.
- O imposto de doação foi reduzido dado que as doações de quotas foram feitas pelo seu valor histórico, conforme constava da declaração de IR dos pais. Essa vantagem tributária não era o cerne do planejamento, mas evitou que eventual alteração da base de cálculo do ITCMD em São Paulo em 2021 aumentasse o custo da sucessão
Vale dizer, ainda, que outros documentos foram elaborados para atender a outras tantas necessidades sucessórias da família, tais como acordo de quotista e acordo de família.
Antes das quotas preferenciais, um planejamento sucessório dessa natureza exigiria a constituição de uma sociedade por ações (S/A) com subscrição de ações ordinárias e preferenciais. O custo de manutenção da S/A, a depender do patrimônio, pode ser muito alto, além da necessidade de publicação de documentos societários e demonstrações financeiros no Diário Oficial e jornal de circulação, aumentando ainda mais os custos da estrutura. Isso sem falar que os procedimentos de constituição e alteração de contrato social de limitada são muito mais simples e rápidos por não se sujeitaram ao sistema colegiado para registro de atos das Juntas Comerciais, tal como ocorre com as S/As.
A sociedade limitada com quotas preferenciais preza pela simplicidade e custo reduzido e se torna uma ferramenta poderosa em diversos cenários de planejamento patrimonial e sucessório, embora sua utilização seja possível para outras finalidades.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, e Tributação da Economia Digital no Brasil. todos publicados pela Editora B18.
Ricardo Almeida Blanco é advogado especialista em planejamento patrimonial e sucessório e associado do Battella, Lasmar & Silva Advogados, em São Paulo.
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