Nas minhas atividades de consultoria para o agronegócio, não raro ouço “Veja só, eu tenho muitas terras (patrimônio), mas estou sem dinheiro. Como pode ver, eu tenho condições de honrar meus compromissos financeiros…”.
O problema é que, em realidade, quem diz coisas assim está enrolado financeiramente. É sobre isso que vamos tratar neste artigo: relação entre patrimônio e liquidez do produtor rural.
Em primeiro lugar, vale a pergunta: mas, quais são os ativos líquidos do produtor rural?
Em ordem do maior para o menor grau de liquidez, temos o dinheiro em caixa, com disponibilidade imediata. Seja ele na conta corrente ou aplicação financeira com resgate imediato.
Em seguida vêm os estoques, sejam eles os grãos armazenados para serem vendidos no melhor momento ou produtos já acabados prontos para consumo. Plantações, animais para engorda podem ser convertidos em dinheiro quando já estiverem prontos para colheita e entrega. Ainda há as contas a receber, basicamente através de recebimento futuro de produtos já entregues, ou negociações diversas feitas para recebimento a prazo.
No âmbito dos ativos de menor liquidez temos os equipamentos de uso na atividade rural, instalações e imóveis. Convertê-los em dinheiro leva certo tempo. E pode ser que não seja no prazo necessário da liquidez, obrigando o produtor a vendê-los abaixo do preço de mercado, para chamar atrair possíveis compradores mais rapidamente. Muitas pessoas buscam oportunidades de compra de bens por certa “pechincha”, tirando proveito das dificuldades financeiras do produtor rural.
Na economia comportamental, temos o que chamamos de viés da confiança excessiva, ou seja, o sentimento de que tudo dará certo do jeito que se conduz os negócios. O perigo desse viés para o produtor rural é o risco de acreditar demais em sua própria capacidade, subestimando o papel do acaso, das oscilações do mercado e de outros fatores para o seu bom desempenho e sucesso do que sua própria aptidão para administrar o negócio rural.
Vejam o cenário atual dos preços das commodities no agronegócio: preço da soja, milho, boi e suíno. Juntos com o dólar, estão hoje nas suas máximas históricas. Por exemplo, quem trabalha apenas com a produção de grãos pode estar rindo à toa. Mas, pode estar enganado, pois o dólar é utilizado como indexador de muitos insumos rurais que usam itens importados ou que acompanham os preços dos grãos, como é o caso das sementes.
No caso do produtor de proteína animal, soja e milho são componentes básicos na formulação de rações, o que aumenta o custo de aquisição desses insumos. Já os medicamentos, alguns insumos e equipamentos agropecuários são importados e o dólar nas alturas encarece o preço desses materiais.
Portanto, quem não tem liquidez para suportar momentos de grande volatilidade pode passar por sérias dificuldades financeiras.
O simples fato de não receber pelo produto que vendeu no prazo combinado pode desencadear uma série de problemas, os quais, se não resolvidos tempestivamente, pode complicar ainda mais a delicada situação financeira do lado do produtor.
Ah, mas o produtor pode dizer: vou pegar dinheiro no banco, pois eu tenho crédito pré-aprovado.
OK, mas nem sempre dá para contar com isso. A concessão de crédito é dinâmica dentro das instituições: um dia, há recursos disponíveis, principalmente aqueles que fazem parte do Plano Safra para o agronegócio; em outro dia, o crédito pode não mais estar disponível ou o produtor não consegue atender todas as exigências para fazer o financiamento. Isso tudo sem considerar o risco de pegar uma linha de crédito mais cara, o tempo que pode levar até o recurso ser liberado ou, no pior cenário, o crédito ser negado.
O extremo é quando chega ao ponto de não cumprir as obrigações, chegando a perder parte dos seus bens para os credores. Já conheci produtores que atentaram contra suas próprias vidas motivados pelo excesso de dívidas e pela incapacidade de resolver a situação.
O produtor rural precisa ter em mente a sua realidade operacional e financeira e ajustar o seu nível de liquidez às necessidades de seu negócio. Não dá para ficar contando com a sorte sempre. O mercado é dinâmico e está muito volátil. A gestão no detalhe é condição necessária para sobrevivência e manutenção do seu negócio, visando sua perenidade e o bem estar da sua família.
José Luís Bassani é economista, professor universitário e planejador financeiro pessoal com foco em planejamento patrimonial e sucessório para produtores rurais.
Parabéns pelo artigo
É a realidade das propriedades rurais hoje
Cuidar da gestão emocional ajudará muito.