Longe dos holofotes dos impostos de maior arrecadação, o ITCMD, apesar de desconsiderado pela maioria das pessoas, é gerador de muitos assuntos de grande relevância, e que muito influenciam nas dinâmicas cotidianas. Basicamente, o ITCMD, incide sobre dois eventos: a morte – como diria Luiz XIV, o Rei Sol, e guardado o contexto: “Estou indo embora, mas o Estado sempre permanecerá”; e, as doações, objeto desse ensaio.
De competência dos Estados, cabe ao ente político responsável estabelecer as alíquotas e limites mínimo e máximo para sua cobrança quando o assunto é doação. Sem adentrar em todas as hipóteses em que seria devido, pois seriam ao todo 27 critérios diferentes (26 Estados e o Distrito Federal), o que se pode dizer é que, bens destinados à doação são passíveis de cobrança do ITCMD.
Mas, quando que o imposto é devido? Da doação? Da aceitação? Seguindo o regramento do Estado de São Paulo, por exemplo, a regra geral é o recolhimento do imposto antes da celebração do ato ou contrato correspondente, ou seja, antes mesmo de formalizado o negócio jurídico referente à doação.
E, caso o contribuinte assim não proceda, quanto tempo teria a Fazenda para efetivamente avaliar o negócio jurídico celebrado, e realizar o lançamento do tributo devido? Um adendo: esse período compreendido entre a ocorrência do fato gerador do tributo e a extinção do direito de constituir o crédito tributário é denominado decadência e, uma vez decorrido, extingue o tributo.
Voltando ao tema, o problema que gera dúvidas, e que foi levado à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial nº 1841798, seria em que momento o início desse prazo para a constituição do crédito tributário, que é de 5 anos, seria contado: a) da ciência pela Fazenda do fato gerador; ou b) da efetiva ocorrência da doação. É falar, o debate a ser tratado pelo STJ é referente à forma de contagem do prazo decadencial para a Fazenda efetuar o lançamento do ITCMD na hipótese em que o contribuinte deixa de declarar e recolher o imposto.
Ora, submete-se o ITCMD sobre doação à modalidade de lançamento por homologação, em que o contribuinte se antecipa à atuação da Fazenda, declara e recolhe o imposto devido, para posteriormente a autoridade fiscal, no prazo de 5 anos, possa confirmar a correição do ato. E, caso não haja a declaração e o correlato recolhimento, tem o Fisco o dever de realizar o lançamento de ofício, no prazo também de 5 anos, contados a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento deveria ter sido efetuado.
Exemplificando: doação ocorrida em meados de 2007, sem recolhimento do tributo, teria a Fazenda como início do prazo decadencial a data de 01/01/2008, o que terminaria em 31/12/2012, quando ocorreria a extinção do crédito tributário.
Mas para a Fazenda, esse entendimento não prospera, e a razão é bem simples: somente com as declarações prestadas pelo contribuinte é que o Fisco passa a ter condições de efetuar qualquer lançamento, já que sem a ciência do fato gerador não tem como constituir qualquer crédito tributário. Ademais, havendo uma obrigação legal – de informar às autoridades fazendárias as transações que envolvem doação – não seria justo que as operações, ocultadas pelo contribuinte que agiu à margem da legalidade, se beneficiasse da sua própria torpeza. Daí a defesa de seu argumento que o prazo decadencial teria início a partir da ciência do fato gerador.
Atento a essas questões, alguns Tribunais estaduais já se posicionaram favoravelmente ao Fisco, conforme o seguinte julgado: (…) 2. Omitida da autoridade fiscal a realização de doações de numerários, o prazo decadencial de cinco anos conta-se a partir do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que se verificam os elementos indispensáveis à efetivação do lançamento. (TJMG, Apelação Cível 1.0024.14.233826-8/001 2338268- 19.2014.8.13.0024).
A questão agora repousa sob a apreciação do STJ, cuja matéria será em breve analisada sob o rito dos recursos repetitivos. Adiantando, nos parece que a Corte ficará inclinada aos argumentos fazendários. Negligenciar o direito do Estado, que até então desconhecia qualquer fato que fosse objeto de tributação, e sobrelevar a legalidade estrita, considerando que o prazo de 5 anos para a constituição do crédito é a partir do 1º dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento deveria ter sido efetuado, sem levar em consideração a ocultação da operação, é prestigiar a sonegação fiscal.
Há uma tese firmada em sede doutrinária que afirma não haver hierarquia entre as leis, com exceção da Constituição Federal, claro. Assim, o CTN, que dita as regras decadenciais, não seria “superior” a todas as outras leis estaduais que impõem ao contribuinte o dever de declarar e recolher o ITCMD nos casos de doação.
Portanto, antes de concretizar qualquer ato de doação de bens, sobretudo os que envolvem planejamento patrimonial, procure um profissional gabaritado, e tenha em mente que não existe o famoso “depois eu resolvo”. Os poderes federal, estadual e municipal há muito tempo trocam informações entre si, e um apontamento declarado no Imposto de Renda facilmente pode ser objeto de questionamento pela Fazenda estadual ou municipal.
Artur Francisco da Silva, é advogado do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados e coautor do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, da Editora B18.