Por Roger Correa
A fluidez dos relacionamentos, o foco na carreira, o individualismo do século XXI, a quebra do tabu da família “normal”, são alguns dos fatores que parecem contribuir para um número cada vez maior de casais sem filhos. Isso já é uma realidade no Brasil.
Por outro lado, outra realidade é que todos nós vamos um dia morrer. Mas como como fica a sucessão de um casal sem filhos? Quem tem direito à herança? É possível não deixar a herança para ninguém?
A ideia deste texto é trazer essa discussão e apresentar algumas possibilidades previstas no Código Civil Brasileiro.
Conforme destacamos, cada vez mais tem se tornado comum casais chegarem ao fim de suas vidas sem terem filhos. Neste caso, é importante ressaltar que a lei brasileira elenca como herdeiros necessários o cônjuge sobrevivente, os descendentes e os ascendentes. O mesmo Código Civil determina aos herdeiros necessários a transmissão de metade do patrimônio do falecido e o cônjuge participa dessa sucessão, nas mesmas condições dos demais herdeiros.
Caso faltem descendentes – os filhos – são chamados à sucessão os ascendentes (pais ou avós), em concorrência com o cônjuge sobrevivente.
Partindo da ideia de que o cônjuge falecido não deixou testamento e ainda possui pais vivos, o Código Civil prevê que a divisão seja feita tendo como base os regimes de bens previstos na legislação. Em todos os regimes de bens, não havendo descendentes e ascendentes, o cônjuge sobrevivente é o único herdeiro de todos os bens deixados, beneficiando-se integralmente da herança.
Mas, e depois disso? Ou seja, vindo o cônjuge sobrevivente a herdar todo o patrimônio do casal, o que acontece quando esse mesmo cônjuge vem a falecer sem filhos, pais vivos ou outro companheiro(a)?
Herança jacente e herança vacante
Falemos sobre as diferenças entre as heranças jacente e vacante.
A herança jacente ocorre quando uma pessoa morre e não é deixado nenhum herdeiro e nenhum testamento é feito, tornando-a assim uma herança sem nenhuma destinação prevista.
Segundo o art. 1.819 do Código Civil “falecendo alguém sem deixar testamento nem herdeiro legítimo notoriamente conhecido, os bens da herança, depois de arrecadados, ficarão sob a guarda e administração de um curador, até a sua entrega ao sucessor devidamente habilitado ou à declaração de sua vacância”.
Neste caso, o pedido de declaração da herança jacente deverá ser elaborado pela Fazenda Pública, Ministério Público ou interessado por meio de advogado, instruído com a certidão de óbito.
Prosseguindo neste processo, o juiz por intermédio de decisão simples declarará a herança jacente, diante do não comparecimento de herdeiros e nomeará um curador, que ficará encarregado de tomar conta dos bens, tendo a missão de administrá-los, cuidá-los e guardá-los.
Depois de realizada a arrecadação de todos os bens do falecido, o juiz mandará publicar editais três vezes com intervalos de trinta dias para cada um, no órgão oficial e na imprensa da comarca. E caso apareça alguém que seja um verdadeiro sucessor, esta será convertida em inventário.
Caso não compareça nenhum herdeiro pedindo habilitação no processo, ou se aparecer e for julgado improcedente, depois de passado um ano da publicação do primeiro edital a herança será declarada vacante e decorrido o prazo de cinco anos após a declaração da vacância resolúvel, e sem habilitação de herdeiro ou interessado durante tal prazo, a herança será declarada definitivamente como vacante e os bens ali constantes integrarão o patrimônio público.
Já a herança jacente é um patrimônio autônomo que não possui nenhum sujeito e que não possui personalidade jurídica. Esse tipo de sucessão pode fazer com que a herança se torne vacante.
A transitoriedade é a principal característica da herança jacente, justamente porque que os bens dessa herança serão entregues aos herdeiros que se habilitarem. Na hipótese de isso não acontecer, será declarada a herança vacante onde, diferentemente, haverá uma certeza jurídica, o que a torna definitiva.
De acordo com o art. 1.820 do Código Civil “praticadas as diligências de arrecadação e ultimado o inventário, serão expedidos editais na forma da lei processual, e, decorrido um ano de sua primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado, ou penda habilitação, será a herança declarada vacante”.
Depois de declarada a vacância, se ainda existir algum herdeiro colateral (ex., irmãos, primos), estes ficam excluídos, sem direito à sucessão referida. Os outros herdeiros, que são os ascendentes e descendentes, têm o prazo de cinco anos contados da abertura da sucessão para dar início a ação de petição de herança.
Os casos de sucessão patrimonial sem filhos podem ocorrer em maior número nos próximos anos, já que existe uma tendência de os casais terem menos filhos ou mesmo optarem por não terem descendentes.
Justamente por isso é importante sempre analisar as ferramentas de sucessão patrimonial.
O testamento é o ponto de partida para isso e, a partir dele, abre-se as portas para todos os passos seguintes. Uma pessoa não casada (e sem união estável), sem filhos e pais vivos, pode dispor sobre a totalidade do seu patrimônio da forma que desejar, mas isso exigirá que faça um testamento para não correr o risco de seu patrimônio se tornar uma herança vacante que, por fim, será deixada ao Poder Público.
Roger Correa, economista e consultor financeiro, sócio e CEO RC Sucessão Patrimonial e Planejamento de Herança, em Fort Lauderdale, Flórida, EUA.
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