Por Vanessa Scuro
Pode parecer roteiro de novela, mas a estória a ser contada a seguir não é impossível de acontecer na vida real. Vamos ao enredo.
Duas pessoas, casadas pelo regime da comunhão universal de bens, eram proprietárias, dentre outros bens, de um imóvel residencial de valor expressivo e, portanto, também com um relevante custo de manutenção.
O marido faleceu precocemente, deixando a esposa e dois filhos homens maiores de idade, ainda solteiros. Ele não deixou testamento. Assim, no inventário dos bens dele, decidiu-se que o referido imóvel, assim como todos os demais bens da herança, seriam partilhados conforme determina a lei, ou seja, a meação sendo atribuída à esposa e uma quarta parte para cada filho.
Ambos os filhos se casaram algum tempo depois, ainda na vigência do Código Civil de 1916. Os dois optaram pelo regime da comunhão parcial de bens, que é aquele onde os bens adquiridos antes do casamento e por força de doação e de herança não integram o patrimônio comum do casal. Com isso, ficou preservada a propriedade particular dos filhos sobre os bens recebidos pela herança do pai.
Depois do casamento dos filhos, a mãe permaneceu morando no imóvel, onde costumeiramente recebia seus filhos, noras e netos. Os filhos nunca exigiram dela que lhes pagasse aluguel da parte deles no imóvel e ela, por sua vez, custeava sozinha todas as despesas do imóvel, quer de impostos, quer de manutenção.
Algum tempo depois, a viúva, já mais velha, decidiu que seria hora de se mudar para um imóvel menor. Já não fazia sentido morar sozinha em um imóvel grande e com elevado custo de manutenção, o qual começou a se tornar relevante dentro do contexto econômico da família.
Contudo, antes que a venda se concretizasse, um infarte vitimou o filho mais velho. Ele deixou a esposa e um filho ainda menor de idade e, tal como seu pai, não deixou testamento. O falecimento ocorreu já na vigência do Código Civil de 2002, pelo qual os cônjuges foram alçados à categoria de herdeiros necessários, e, dessa forma, participando da herança em concorrência com os filhos. No caso do regime da comunhão parcial de bens, a concorrência dá-se nos bens particulares, que são, justamente, aqueles que não integram o patrimônio comum do casal. Assim, a quarta parte do imóvel que pertencia ao filho foi partilhada à nora e ao neto, em igual proporção, ou seja, um oitavo para cada um.
Como uma parte do imóvel passou a ser titulada por um menor de idade, os planos de venda tiveram de ser interrompidos, eis que a lei determina que a alienação de bens imóveis de menores “quando houver manifesta vantagem” ao menor e somente “mediante prévia avaliação judicial e aprovação do juiz”. O neto e a nora mantiveram o combinado que existia e não cobraram aluguel da sogra/avó que ali continuou morando e, com bastante sacrifício, pagando as despesas do imóvel.
Quando o neto se aproximava da maioridade, os planos de venda do imóvel foram retomados. A venda viria em bom momento, seja do ponto de vista financeiro, seja porque a sogra e a nora haviam rompido o relacionamento, em razão desta ter se casado novamente.
Antes, porém, de a venda se concretizar, mais uma tragédia na família: a nora faleceu em um acidente de carro. Como ela havia se casado novamente pelo regime da separação de bens, o atual marido dela tornou-se seu herdeiro em concorrência com o filho. Ou seja, a oitava parte do imóvel que ela titulava foi partilhada em iguais partes entre o filho e o segundo marido da nora, sendo um dezesseis avos para cada um.
O imóvel, nesse momento, passou a pertencer 50% à viúva, 25% ao segundo filho, 18,75% ao neto e 6,25% ao segundo marido da nora, que não pertencia ao tronco familiar original.
A família, então, tentou negociar a aquisição para si da fração ideal do segundo marido da nora, de forma a que o imóvel passasse novamente a pertencer exclusivamente à família de origem. Ele, contudo, não aceitou o valor ofertado, recusando-se a vender, e, ao mesmo tempo, passou a exigir que a viúva lhe pagasse o aluguel correspondente à sua quota-parte, em decorrência do uso exclusivo do imóvel por ela.
O segundo marido da nora também se recusou a vender para outros diversos interessados, sempre discordando novamente do valor do negócio e insistindo na cobrança do aluguel da viúva.
Diante desse cenário, a única opção para a família foi o ajuizamento de uma ação de extinção de condomínio, visando à alienação forçada do imóvel. A viúva, contudo, faleceu antes do desfecho da ação e ainda morando no imóvel, o qual só pode ser vendido após o desfecho dessa ação, anos depois.
A estória aqui relatada é fictícia e pode parecer exagerada, mas, na verdade, situações parecidas acontecem e muito. Daí a importância da realização de um prévio planejamento sucessório. Há diversas ferramentas que visam prevenir litígios sucessórios, iniciando-se pela escolha do regime de bens dos casamentos ou uniões estáveis, eis que a opção feita impacta diretamente na ordem sucessória.
Se não for feito um planejamento sucessório, uma das opções é a realização, no momento da partilha nos inventários, de uma divisão cômoda dos bens, principalmente dos imóveis, evitando-se a formação dos condomínios imobiliários que, como visto, são fontes de potenciais litígios.
A vida não é uma novela e o importante é buscar o final mais feliz possível, com a utilização das ferramentas jurídicas adequadas para cada situação, de forma a prevenir ou minimizar os litígios que possam decorrer com as heranças, principalmente naquelas em que os condomínios imobiliários não são evitados. Caso contrário, um filme de terror será inevitável…
Vanessa Scuro é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, pós-graduada em Direito Notarial e Registrário Imobiliário, e sócia do Dias Carneiro Advogados, em São Paulo, em São Paulo.
Pode ser fictícia mas se parece muito com a situação de um imóvel da minha família. Só solucionou com a ação de extinção de condomínio.
quanto a cobrança do aluguel da viuva a questão é “bola morta” …
Segundo o entendimento do STJ, o direito real de habitação tem caráter gratuito, razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração do companheiro sobrevivente pelo uso do imóvel aos herdeiros não é autorizado exigir a extinção do condomínio e a alienação do bem imóvel comum enquanto perdurar o direito real de habitação.
o direito real de habitação reconhecido ao cônjuge ou companheiro sobrevivente decorre de imposição legal e possui natureza vitalícia e personalíssima.