Em recente decisão, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJ/RS) proferiu decisão no sentido de que, os filhos, ora herdeiros, não respondem por dívidas do pai falecido, quando esses cederem seus direitos hereditários a um dos coerdeiros.
Analisando o caso, a herança do falecido foi distribuída entre seus herdeiros necessários – três filhos e esposa – e, logo após o aceite da herança, seus descendentes cederam gratuitamente os seus direitos hereditários à mãe, que se tornou única herdeira.
Paralelamente, na ação de execução que tramitava em face do falecido – que era devedor – foi decidido pelo juiz de primeiro grau que os herdeiros deveriam permanecer na execução, bem como, teriam que arcar com as dívidas do pai falecido, até o limite de seus quinhões hereditários, já que aceitaram tacitamente a herança e, só depois, cederam à mãe.
Inconformados, os filhos apresentaram agravo de instrumento, argumentando que não são responsáveis pelas dívidas contraídas pelo falecido pai, tendo em vista que a cessão gratuita realizada equivale à renúncia da herança.
Segundo o relator Aymoré Roque Pottes de Mello, responsável pelo recurso, a cessão gratuita dos direitos hereditários em favor da coerdeira se equipara à renúncia. Sendo assim, os filhos não podem responder pelas dívidas do falecido pai, pois nada receberam a título de herança.
Vale transcrever trecho do acordão:
“Portanto, diante da disposição de que a cessão gratuita, pura e simples, da herança em favor de co-herdeiro, não implica em aceitação, inclusive porque, segundo o jurista SÍLVIO DE SALVO VENOSA, “quem cede gratuitamente a herança nunca teve realmente a intenção de ser herdeiro; essa é a ideia que centraliza o dispositivo”, tem-se que, de fato, a cessão gratuita dos direitos hereditários em favor de co-herdeiro equipara-se à renúncia”. (TJ-RS – AI: 70084619576 RS, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, Data de Julgamento: 16/11/2020, Décima Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 18/11/2020).
Sendo assim, ainda que o art. 1.997 do Código Civil diga que, uma vez feita a partilha, os herdeiros respondem pelas dívidas do falecido, na proporção que couber a cada um na herança, o art. 1.805 do mesmo Código também prevê que quem renuncia à condição de herdeiro não tem esta obrigação.
Vejamos:
“Art. 1.997. A herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube”.
“Art. 1.805. A aceitação da herança, quando expressa, faz-se por declaração escrita; quando tácita, há de resultar tão-somente de atos próprios da qualidade de herdeiro.
(…) § 2º Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros”.
Portanto, a cessão gratuita da herança se equipara à renúncia, que é um ato jurídico unilateral, onde o herdeiro declara, de maneira expressa, que não aceita o acervo hereditário do qual faz jus. Portanto, nenhum direito ou obrigação são criados ao renunciante, pois é considerado como se nunca tivesse herdado.
A decisão parece justa dado que a cessão gratuita de direitos hereditários a um dos coerdeiros produz os mesmos efeitos da renúncia fazendo com que os bens do falecido não ingressem no patrimônio dos renunciantes. Dessa forma, o mesmo raciocínio deve ser aplicado quando se trata das dívidas advindas do falecido, às quais também não devem ser transmitidas aos herdeiros que renunciam ao acervo hereditário, ainda que realizada por meio de cessão gratuita dos direitos hereditários a um dos coerdeiros.
Note-se, por fim, que caso a cessão – ainda que gratuita – tivesse ocorrido em favor de um terceiro não-herdeiro, a conclusão do julgado seria outra, pois não produziria os mesmos efeitos da renúncia à herança. Com isso, os herdeiros cedentes poderiam, sim, ser responsabilizados pelas dívidas do pai falecido, ainda que os bens do falecido não fossem de sua propriedade. Legalmente, a cessão de direitos hereditários a um terceiro, ainda que simultaneamente à aceitação da herança, faz com que o herdeiro venha a receber a herança e, como consequência, passa a responder pelas dívidas do falecido.
Por esta razão, em casos de dívidas vultosas contra o falecido, devem os herdeiros considerarem todos os efeitos da renúncia e cessão de direitos hereditários a fim de evitar dissabores.
Ana Bárbara Zillo é advogada do departamento de wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados.
alguns aspectos muito importantes ficam “esquecidos” volta e meia nas decisões judiciais…convalidando um erro conceitual que os congressistas cometeram na confecção do CCB/2002(sabe-se lá qual interesse existia por trás disso).
usa-se conceitos como benefício do inventário e direito potestativo para se tentar adequar a “intenção” do artigo 1805 ao devido emprego dos institutos renúncia/cessão.
nesta ação em si alguns fatores contribuíram para o escopo da sentença não passar como errôneo..mas infelizmente o é! vamos lá…
renúncia não pode ser tácita – em suma, necessita ser expressa(por instrumento público ou termo judicial) + sem designação de beneficiário! Essa renúncia é a renúncia “raiz”- ABDICATIVA.
no caso em si houve aceitação(pelo menos ficou evidenciado no texto) – por isso citei a convalidação de erro conceitual do 1805 – ocorreu-se uma renúncia “nutela”- TRANSLATIVA -, do herdeiro/cedente para o cessionário, com destinação clara de destinatário!
A cessão gratuita e simples, com destinatário determinável, é uma doação. Não enxergar isso é uma forçação de barra tremenda, demonstrando falta de cuidado com a essência escorreita dos conceitos – renúncia e cessão.
é desmerecer a diferença jurídica da causa mortis em si(correlacionado a renúncia) de um ato inter vivos (correlacionado a cessão)
Imagine vc se existisse um testamento com clausula de inalienabilidade – a intenção de cessão gratuita pura e simples não poderia se efetivar! em suma, cairia por terra a intenção dos herdeiros de favorecer a mãe! mesmo existindo uma cláusula de inalienabilidade a renúncia abdicativa ( raiz ) se efetivaria.
é por isso que é certo pagar ITCMD na aceitação do quinhão de cada um…e depois pagar novamente ITCMD decorrente da cessão de direito à titulo gratuito do quinhão cedido. Do contrário, estaríamos diante de uma RENÚNCIA ABDICATIVA TRAVESTIDA DE CESSÃO DE CRÉDITO OU RENÚNCIA TRANSLATIVA, ACARRETANDO UMA NOVA MODALIDADE DE SONEGAÇÃO FISCAL, EM FACE DA IDENTIFICAÇÃO DO CESSIONÁRIO OU BENEFICIÁRIO.
um bom artigo como sugestão complementar a minha exposição resumida está no link: https://anape.org.br/site/wp-content/uploads/2014/01/TESE-69-AUTOR-Deraldo-Dias-de-Moraes-Neto.pdf
Bom dia, ótima discussão, parabéns! Minha dúvida consiste em saber se um herdeiro legítimo (filho) que renuncia à herança do pai falecido, em favor dos demais herdeiros (três irmãos e mãe) fica desobrigado de arcar com a divisão de gastos em relação aos cuidados médicos e presenciais do falecido? Não achei nenhuma cláusula no artigo referente a herança que trate deste problema legal. Então, mesmo renunciando a herança, a obrigação de filho anterior à esta renúncia fica pendente e passível de cobrança judicial pelos herdeiros restantes? Agradeço seus comentários