Por Acácio J. Santos
Com a queda das taxas de juros no Brasil nos últimos anos, fazendo-os chegar a serem negativos, é natural que investidores procurem alternativas que não se limitem à renda fixa no mercado local. Dentre as alternativas possiveis, o investimento no exterior tem ocupado cada vez mais a mídia local, destacando o tamanho do mercado internacional quando comparado ao mercado de capitais brasileiros.
Há algumas maneiras de se investir no exterior, sendo uma delas o investimento feito por meio de empresa offshore. Nesta modalidade, o investidor brasileiro, de forma absolutamente legal, constitui uma empresa num determinado país e envia recursos do Brasil a essa empresa, para então investir mundo afora.
O ponto central desse artigo não é discorrer sobre as vantagens, desvantagens, custos de se investir por meio de empresa offshore, mas sim sobre como controlar esses investimentos de forma adequada, incluindo a possibilidade de evitar dissabores tributários.
E esse controle se dá por meio da contabilidade da empresa.
De início, vale destacar que a lei brasileira não exige que investidores pessoas físicas residentes no Brasil mantenham contabilidade de suas empresas offshore. Em 2013, houve uma tentativa de se criar essa obrigação com a edição da Medida Provisória nº 627/2013 – posteriormente convertida em Lei nº 12.973/2014 -, mas os trechos da norma que se referiam às pessoas físicas detentoras de empresas no exterior não foram aprovados pelo Congresso Nacional. Assim, a desobrigação de contabilidade e balanço continua.
Nem mesmo para fins da Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (CBE), o Banco Central exige que pessoas físicas detentoras de investimentos diretos no exterior mantenham contabilidade de suas empresas. Entre 2013 e 2017, o Manual de Preenchimento da CBE apenas exigia que o detentor do investimento informasse o valor do patrimônio líquido. Seu 2.4.2.6.2 do Manual, dizia:
“Patrimônio líquido: informar, na moeda original do investimento, selecionada no campo “Moeda do investimento”, o valor total do patrimônio líquido da empresa investida (o “PL” integral da investida) na data-base da declaração. O valor de Patrimônio Líquido (PL) deve ser preenchido independentemente de a empresa ter ou não a publicação de um balanço no seu país. O conceito de PL utilizado segue os International Financial Reporting Standards (IFRS). Resumidamente, o PL é composto dos ativos menos os passivos de terceiros”[1]
Depois das modificações do sistema da CBE em 2018, o Banco Central manteve a orientação de que não há necessidade de contabilidade ou balanço para investimentos no exterior por meio de empresas offshore. No seu Perguntas & Respostas sobre a CBE, o órgão regulador esclarece[2]:
“15 – A empresa no exterior não tem balanço. Como declaro os calores de ativo, passivo e patrimômio líquido?
– Declare conforme a sua melhor estimativa utilizando um dos métodos de valoração disponíveis no sistema.”
No sistema da CBE posterior a 2018, os métodos de avaliação de participações nas quais a pessoa física detém poder de voto de 10% ou mais são os seguintes: “Avaliação por especialista”, “Cotação em bolsa”, “Fluxo de caixa descontado”, “Negociação recente de parcela do capital” e “Valor total do patrimônio líquido”.
Quando a empresa offshore não possui balanço, pode-se utilizar o valor do patrimônio líquido, assim entendido os ativos da empresa menos os seus passivos.
Pois bem, mesmo não sendo obrigatória no Brasil, algumas jurisdições já exigem a manutenção de contabilidade, como é o caso do Panamá, cuja contabilidade deve ser preparada por contador panamenho. Nesse caso, não há como escapar da contabilidade.
Mas mesmo onde a contabilidade não é exigida no país de registro da offshore, ela é de grande valia para o investidor brasileiro, pois é a única maneira de garantir o tratamento tributário adequado dos recursos aportados, mantidos ou retirados da offshore.
A isso se acrescente a insegurança jurídica trazida pela Consulta COSIT nº 678/2017, da Receita Federal, que determinou que, na liquidação de empresa no exterior, o montante devolvido ao acionista que excede o valor originalmente declarado no IR será tratado como lucro, tributado de acordo com a tabela progressiva (até 27,5%), e não como ganho de capital.
É possivel que parte desse valor excedente seja lucro, devendo, então, ser tributado como tal. Mas poderá existir, também, parcela relativa à variação cambial desse capital, cujo tratamento deve ser aquele determinado pela Instrução Normativa nº 118/2000. A contabilidade da empresa será de grande importância para determinar qual o capital original da empresa e, a partir daí, a variação cambial que possa ter ocorrido a partir de então.
Mas, mesmo em casos onde não há liquidação total da empresa, a contabilidade tem por finalidade registrar adequadamente os ganhos e perdas realizados, aqueles ainda não realizados, bem como as diversas contas que podem compor o patrimônio líquido, tais como o capital registrado, reservas de capital, lucros (prejuízos) acumulados etc.
Tão importante como o registro das operações e das contas e subcontas, a contabilidade será essencial quando ocorrerem retiradas de recursos para determinar a sua natureza adequada. Ora, sem uma contabilidade, o investidor que retira recursos da offshore para usá-los numa viagem, por exemplo, não terá como comprovar a natureza dessa retirada, e, portanto, a Receita Federal poderá simplemente tratar essa retirada como dividendos ou renda de outra natureza, ainda que a empresa tenha tido prejuízo em seus investimentos. Ora, somente a contabilidade poderá demonstrar a eventual inexistência de lucros e a retirada na forma de redução de capital ou reserva de capital.
Vale lembrar, ainda, que desde 2018 o Brasil recebe automaticamente informações bancárias de pessoas físicas e empresas estrangeiras detidas por brasileiros no âmbito do Common Reporting Standard (CRS), desenvolvido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em termos práticos, os recursos retirados da empresa offshore e depositados numa conta do seu acionista também no exterior, serão eventualmente reportados à Receita Federal por meio do CRS, ainda que os mesmos sejam consumidos imediatamente (ex., viagem). Algo similar, mas mais limitado, também ocorre com contas bancárias detidas por brasileiros no Estados Unidos.
Portanto, a contabilidade de empresa offshore se torna aliado importante e fator de segurança e adequação tributária dos recursos nela investidos, mantidos e retirados por seus acionistas, quando residentes no Brasil.
Por outro lado, à exceção dos países que exigem que a contabilidade seja preparada por contador local (ex., Panamá), nada impede que seja feita por contador habilitado no Brasil, sendo essencial que sejam observados os padrões internacionalmente de contabilidade (International Financial Reporting Standards – IFRS), plenamente incorporados no Brasil desde 2010.
São várias as vantagens da contabilidade feita no Brasil. Dentre elas, podemos citar a proximidade do contador com o acionista e a possibilidade de se ter uma contabilidade feita em português, permitindo a sua correta compreensão, acompanhamento dos principais custos de se manter uma conta no exterior ( taxas/tarifas custos das operações e etc.) e apoio ao jurídico dando suporte nas operações de aumento e redução de capital . Não raro, contadores estrangeiros não se atentam sobre peculiaridades da legislação brasileira, o que pode vir a causar dissabores quando recursos são trazidos de volta ao Brasil ou utilizados pelo acionista.
Além disso, contadores no exterior são quase impossiveis de serem contatados quando se verificam erros nos lançamentos. Normalmente, é preciso contatar o agente fiduciário que cuida da offshore no exterior, explicar as incorreções, que então serão repassadas a um contador que sequer é conhecido pelo cliente. Tudo isso sem contar as barreiras da língua e o tempo para solução do problema.
A proximidade física entre contabilista brasileiro e o investidor, ambos falando a mesma língua, facilita a interação, a troca de informações, o envio de documentos, o que agiliza os trabalhos e eventuais correções.
De qualquer forma, o que importa ao final do dia é que o investidor mantenha contabilidade adequada de sua offshore para suportar suas operações e refletir adequadamente seus efeitos tributários.
Acácio J. Santos é contador registrado no CRC/SP, especialista em contabilidade de empresas offshore, e sócio-proprietário da AJVS Contábil.
[1] Disponível em https://www.bcb.gov.br/content/estabilidadefinanceira/cambiocapitais/Manuais_CBE/Manual%20CBE%20(2013%20a%202017).pdf
[2] Disponível em https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/perguntasfrequentes-respostas/faq_cbe