Por David Roberto R. Soares da Silva
No final do mês de junho, muitos investidores foram surpreendidos com a proposta de reforma tributária, enviada pelo Governo Federal à Câmara dos Deputados, especialmente, no que diz respeito aos investimentos financeiros no País e no exterior.
O Projeto de Lei nº 2337/2021 (PL 2337) produz uma série de mudanças no sistema tributário brasileiro, tanto para empresas como para pessoas físicas. De modo que várias são as propostas para alterar a forma de tributação dos investimentos financeiros, dentre as quais a eliminação da alíquota regressiva (de 22,5% para 15%) e sua substituição por alíquota fixa de 15%, o fim da isenção tributária para diversos instrumentos de investimento etc.
Neste artigo, trataremos, especificamente, de duas dessas propostas: a tributação dos fundos fechados (exclusivos ou restritos) e a das estruturas no exterior (ex., offshore).
Fundos fechados
Os fundos exclusivos (estrutura com um único cotista) e restritos (os quais aceitam apenas um grupo específico de investidores) têm, como objetivo principal, constituir uma estrutura que conte com as mesmas vantagens dos fundos tradicionais abertos ao público geral, mas com uma carteira de investimentos personalizada para o investidor, de acordo com seu perfil de risco.
Esses fundos podem ser abertos, isto é, aqueles que aceitam aportes e resgates livremente, ou fechados, os quais tenham um prazo de vencimento e comportam apenas resgates pré-programados. As principais diferenças entre os dois tipos de fundos são a liquidez e a tributação (pelo menos, até agora). Enquanto os fundos abertos contam com maior liquidez e são atingidos pelo IR come-cotas semestral nos meses de maio e novembro, os fundos fechados escapam do come-cotas (com tributação somente no resgate). A longo prazo, a inexistência do come-cotas e a tributação no resgate aumentam, significativamente, o retorno do investimento.
Em sua versão enviada ao Congresso, o art. 36º do PL 2337 propõe que a extensão do come-cotas aos fundos fechados ocorra a partir de 1º de janeiro de 2022, determinando a retenção de IR Fonte à alíquota de 15% uma vez ao ano no mês de novembro. Mas não é só. O projeto ainda prevê que todos os rendimentos, acumulados nesses fundos até 31 de dezembro de 2021, sejam considerados pagos ou creditados aos cotistas em 1º de janeiro de 2022 e tributados em 15%, devendo o imposto ser pago até maio de 2022. A alíquota será reduzida a 10% se o imposto for pago até 13 de janeiro de 2022 (3º dia útil do decêndio subsequente a 1º de janeiro de 2022).
Diz o art. 36º do PL 2337:
“Seção II – Das aplicações em fundos de investimento fechados
Art. 36. Para fins de incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte, consideram-se pagos ou creditados a cotistas de fundos de investimento ou de fundos de investimento em cotas, quando constituídos sob a forma de condomínio fechado, os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 1º de janeiro de 2022, incluídos os rendimentos apropriados a cada cotista, e o custo de aquisição ajustado pelas amortizações ocorridas.
§ 1º Para fins do disposto no caput, consideram-se fundos de investimento constituídos sob a forma de condomínio fechado aqueles em que as cotas são resgatáveis apenas no término do prazo de duração do fundo, sem prejuízo da distribuição, durante a existência do fundo, de valores aos cotistas a título de amortização de cotas ou de rendimentos advindos de ativos financeiros que integrem a sua carteira.
§ 2º Os rendimentos a que se refere o caput serão considerados pagos ou creditados em 1º de janeiro de 2022 e tributados pelo Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de quinze por cento.
§ 3º O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza a que se refere o § 2º deverá ser retido pelo administrador do fundo de investimento e recolhido em cota única até 31 de maio de 2022.
§ 4º Para fundos de investimento cujas cotas sejam gravadas com usufruto, o Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza na fonte deverá ser retido do beneficiário do rendimento, ainda que este não seja o titular das cotas do fundo.
§ 5º As perdas apuradas no resgate de cotas poderão ser compensadas com ganhos auferidos em resgates ou incidências posteriores, no mesmo fundo de investimento, de acordo com procedimento a ser estabelecido pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia.
§ 6º A alíquota a que se refere o § 2º será reduzida para dez por cento se o contribuinte pagá-la em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência do fato gerador.”
No último dia 13 de julho, o Deputado Celso Sabino, relator do PL 2337, apresentou uma versão preliminar do seu substitutivo ao projeto, promovendo alguns ajustes no que se refere aos fundos fechados. Em contrapartida, tais ajustes são pequenos e somente promovem certo alívio na forma de pagamento do IR desses fundos.
Na prática, a tributação sobre o estoque e os rendimentos futuros permanece.
Entretanto, para o estoque, o substitutivo propõe a redução do IR para 10% se for pago em quota única até 31 de maio de 2022 ou parcelado em 12 meses a partir de janeiro de 2022, incidindo juros SELIC sobre as parcelas. Alternativamente, o IR sobre o estoque pode ser pago em quota única até 30 de novembro de 2020 à alíquota de 15%. É, sem dúvida, um alívio para o estoque de rendimentos. Ainda assim, para o futuro, as vantagens tributárias não mais existirão para os fundos fechados, mantendo intactas, no entanto, as vantagens sucessórias e de gestão, que esse tipo de investimento oferece.
Investimentos no exterior
Para a pessoa física, que investe no exterior, a criação de uma estrutura, ou empresa offshore – totalmente legal se devidamente declarada –, traz uma vantagem tributária similar aos fundos fechados, dado que a atual legislação permite diferir a tributação dos lucros e rendimentos, apurados no exterior, para o momento quando são transferidos para o acionista pessoa física na forma de distribuição de lucros.
Buscando evitar que as pessoas físicas represem rendimentos em offshores, a versão original do PL 2337 criava um regime de tributação automática sobre os lucros auferidos por controladas de pessoas físicas, desde que estejam localizadas em país ou dependência favorecida (paraísos fiscais), ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado.
Nos termos do art. 6º do PL 2337, os lucros de empresas offshore serão:
1. considerados para fins de tributação do Imposto de Renda para a pessoa física controladora residente no Brasil na proporção da sua participação no capital da offshore;
2. apurados no balanço ou nos balanços levantados pela empresa no exterior no curso do ano-calendário; e
3. convertidos em reais pela taxa de câmbio para venda, estabelecida pelo Banco Central do Brasil, referente ao dia das demonstrações financeiras em que tenham sido apurados pela controlada no exterior.
Ou seja, a versão original do PL 2337 previa que os lucros, apurados no exterior, seriam tributados no Brasil, na pessoa de seu sócio ou acionista, no momento do levantamento de suas demonstrações. Na prática, o projeto determinava que os lucros das empresas, controladas no exterior, estariam sujeitos à tributação mensal da pessoa física (carnê-leão) na forma de antecipação ao imposto devido na declaração anual. De maneira que o imposto deveria ser pago até o último dia útil do mês subsequente à disponibilização. Isto é, se o balanço fosse levantado em 31 de dezembro, o IR deveria ser pago de acordo com a tabela progressiva mensal até o último dia útil de janeiro.
O PL ainda criava uma dificuldade adicional ao estabelecer que esse tratamento tributário se aplicaria aos controladores residentes no Brasil da empresa no exterior, dispondo, inclusive, sobre os diversos modos que representariam esse controle. O art. 7º do PL, assim, caracterizava pessoa vinculada ao acionista de empresa no exterior a fim de determinar o seu controle:
“Art. 7º O disposto no art. 6º aplica-se às pessoas físicas residentes na República Federativa do Brasil que, em conjunto com outras pessoas físicas ou jurídicas, residentes e domiciliadas no País ou no exterior, consideradas vinculadas, detenham participação superior a cinquenta por cento do capital votante da pessoa jurídica controlada domiciliada no exterior.
§ 1º Para fins do disposto no caput, será considerada vinculada à pessoa física residente na República Federativa do Brasil:
I – a pessoa física que seja cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, da pessoa física residente no País;
II – a pessoa jurídica cujos diretores ou administradores sejam cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, da pessoa física residente no País;
III – a pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista;
IV – a pessoa física que seja sócia, conselheira ou administradora da pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista; e
V – a pessoa física ou jurídica, residente ou domiciliada no País ou no exterior, que seja associada a qualquer pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista, na forma de consórcio ou condomínio, conforme definido na legislação brasileira, em qualquer empreendimento.”
A prevalecer essa redação, os investimentos, por meio de estruturas no exterior, tornariam essa modalidade de aplicação, praticamente, proibitiva em razão do seu alto custo tributário e de questões de liquidez. De fato, o PL não esclarecia se lucros e ganhos, ainda não realizados, deveriam ser considerados disponibilizados no Brasil para fins de incidência de IR. Em caso positivo, investidores poderiam ter problemas de liquidez, pois exigiria que tivessem recursos suficientes no Brasil para fazer frente ao IR devido.
A “boa notícia”, por ora
A boa notícia, ao menos, por ora, é que a versão preliminar do substitutivo do PL 2337, apresentada pelo Deputado Celso Sabino em 13 de julho último, retira completamente as regras de tributação relativas aos investimentos no exterior. De maneira que, ao excluir os art. 6º e 7º da versão original do PL 2337, o substitutivo mantém as regras atuais aplicáveis às empresas offshore e estruturas no exterior, permitindo o seu diferimento até receber, efetivamente, os lucros.
Se a notícia é boa para aqueles que investem no exterior, o mesmo, como visto, não se aplica aos cotistas de fundos fechados.
Se o substitutivo for aprovado e convertido em lei, a indústria de fundos fechados, no Brasil, deverá sofrer um grande impacto.
Não seria de se surpreender que cotistas desses fundos optassem por liquidar seus fundos fechados brasileiros no alvorecer de 2022, de modo a aproveitar o benefício da redução de alíquota de IR para 10%, e enviassem esses recursos ao exterior para investimento em empresas offshore ou estruturas similares. Isso permitiria que se mantivesse o diferimento dos lucros futuros indefinidamente. Nesse caso, a tributação seria maior (tabela progressiva até 27,5%), mas apenas na medida do recebimento efetivo dos lucros.
Vale, ainda, ressaltar que os custos de manutenção das estruturas offshore podem vir a ser mais baratos do que aqueles cobrados nos fundos fechados no Brasil. Essas estruturas offshore permitem, além disso, flexibilidade com relação à gestão dos recursos e diversas opções de planejamento sucessório, incluindo mini trusts, trusts tradicionais, fundações privadas etc.
Num exercício mental ainda mais longínquo, a se manter a inexistência de lei complementar, que autorize a cobrança de ITCMD sobre heranças no exterior, o investimento por meio de estrutura offshore, no exterior, ainda permitiria que, no falecimento do acionista, seus herdeiros não tivessem de pagar o ITCMD sobre o patrimônio no exterior (que pode chegar a 8%), devido à decisão recente do STF impossibilitando essa cobrança. Note-se que, hoje, o ITCMD incide na sucessão de cotas de fundos fechados.
Por tudo isso, gestores, bancos e investidores devem ficar alertas à tramitação do PL 2337, dado que suas mudanças podem ter reflexos profundos na maneira como pessoas físicas de alta renda investem seus recursos financeiros. Se a porta dos fundos fechados for “fechada”, mas deixarem “aberta” a porta das offshore, é de se prever um movimento significativo de recursos para o exterior.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
QUER SABE TUDO SOBRE TRIBUTAÇÃO DE INVESTIMENTOS NO EXTERIOR? CONHEÇA NOSSO BEST-SELLER “PLANEJAMENTO PATRIMONIAL”. MAIS INFORMAÇÃO ABAIXO.