Por Vanessa Scuro
O art. 1.829 do Código Civil de 2002 dispõe que “a sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais”.
Vê-se, assim, que, quando em concorrência com os descendentes, o cônjuge nada herdará apenas se o regime de bens vigente no casamento for o da comunhão universal de bens [em que o cônjuge já tem a metade (meação) dos bens] e no regime da separação obrigatória de bens (aquele obrigatório nas hipóteses enumeradas pelo Código Civil, dentre elas o casamento de maiores de 70 anos).
E se a concorrência se der apenas com os ascendentes, o cônjuge participa da herança do pré-morto, qualquer que seja o regime de bens, concorrendo com os pais do falecido por cabeça.
Mas, se o falecido não deixar nem descendentes, nem ascendentes, a herança legítima caberá integralmente ao cônjuge, independentemente do regime de bens que vigia no casamento. É o que dispõe o art. 1.838 do Código Civil), senão vejamos:
“Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.”
Nesse sentido, o ex-ministro do STF Cezar Peluso explica que “o cônjuge sobrevivente, figurando em terceiro lugar na ordem preferencial da vocação hereditária, recebe a integralidade da herança se não houver descendentes e ascendentes. Não importa qual seja o regime de bens. Ainda que casado, por exemplo, pela separação total de bens, convencional ou legal, recebe toda a herança”[1].
Assim, os colaterais (irmãos e na falta deles os sobrinhos, por direito de representação) só herdarão se o falecido não deixar descendentes, nem ascendentes e nem cônjuge.
E pior: diferentemente dos descendentes, dos ascendentes e dos cônjuges[2], como os colaterais não constam do rol dos herdeiros necessários estabelecido pelo art. 1.845[3] do Código Civil, eles podem ser afastados da herança por via testamentária, pois o art. 1.846[4] combinado com o art. 1.789[5] do Código Civil, estabelece que apenas se houver herdeiros necessários é que a herança legítima deve ser respeitada.
Ou seja, se uma pessoa não tiver filhos, pais ou cônjuge ela não é obrigada a deixar herança aos irmãos, podendo, por testamento dispor da integralidade de seus bens em favor de terceiros. Os colaterais estão, assim, no final da fila da herança e ainda sujeitos a nem conseguir entrar nela.
Vanessa Scuro é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, pós-graduada em Direito Notarial e Registrário Imobiliário, e sócia do Dias Carneiro Advogados, em São Paulo.
[1] Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência, 9ª Ed. São Paulo: Editora Manole, 2015. Pág. 2.119.
[2] Há controvérsia se os companheiros são herdeiros necessários, ainda que esteja equiparada a ordem sucessória a dos cônjuges.
[3] “Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”
[4] “Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”
[5] “Art. 1789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”
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Sendo 4 irmãos todos com filhos, dois irmãos morrem. Qd o terceiro morrer os herdeiros dos irmãos mortos tem direito a herança desse tio juntamente com o único irmão vivo dos 4 irmãos?
Isso vai depender se o 3º irmão morto tiver filhos, cônjuge ou pais vivos. Esses têm preferência sobre irmãos e sobrinhos. Ou seja, se esse irmão morre e era casado (e sem filhos ou pais vivos) é bem provável que o cônjuge herde tudo. Se ele quiser deixar algo aos irmãos ou sobrinhos, deverá fazer um testamento.
Havendo um testamento em que alguns bens não tenham sido destinados não havendo herdeiros necessários, apenas colaterais (um irmão vivo e sobrinhos, filhos de outros irmãos), como se resolve a partilha desses bens não mencionados no testamento?
Moro junto com um rapaz. Meu imóvel foi adquirido por doação de meus pais. Não tenho filhos. Meu companheiro têm 01 filho. Eu gostaria de deixar meu imóvel para minha sobrinha. E também tenho desejo de futuramente casar com meu companheiro. Há uma maneira, caso venha falecer, que garanta que meu imóvel fique para minha sobrinha?
Obrigada.
Se o seu relacionamento hoje não for considerado uma união estável, você poderia fazer um testamento deixando o imóvel apenas para a sua sobrinha. Mas se for uma união estável, ou se vc vier a ser casar no futuro com o seu namorado/companheiro, e se não houver outros bens, então o seu companheiro poderá vir a ter algum direito hereditário sobre o imóvel. Por meio de um testamento, você pode ajustar a parte que deixará para a sua sobrinha, mas será necessário avaliar o seu patrimônio como um todo e o tipo de relacionamento em que você se encontra. Procure assessoria especializada antes de tomar alguma decisão.