Por Felipe Pereira Louzada e David Roberto R. Soares da Silva
Em um mundo cada vez mais globalizado, o Brasil prova que a mobilização global de trabalhadores é uma realidade também em países emergentes. No entanto, expatriados trabalhando no Brasil nem sempre se dão conta dos riscos que correm caso não declarem corretamente, no Brasil, os bens e rendimentos que mantêm ou recebem no exterior.
De acordo com o Resumo Executivo 2020 do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), órgão ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública do Brasil, o número de trabalhadores imigrantes no mercado de trabalho formal brasileiro ficou próximo de 115.000 no ano de 2019. Dentre os 115.000 trabalhadores imigrantes devidamente registrados, destacam-se aqueles que chegam ao País com o status de expatriados, profissionais que são designados por suas empresas para assumirem posições estratégicas em filiais pelo mundo.
De acordo com o citado Resumo Executivo 2020, no ano de 2019 foram emitidos 19% mais vistos para os cargos de gerência e direção do que em 2018 e 22% mais vistos para os cargos técnicos (engenheiros, profissionais de TI, contadores e outros).
É importante mencionar que os dados preliminares de 2020 demonstram que a pandemia afetou em parte o crescimento do número de expatriados no Brasil. Nada que demonstre uma queda de confiança das empresas estrangeiras no potencial emergente da economia brasileira, mas mais um claro sinal de que as empresas estrangeiras buscaram repatriar seus funcionários durante a pandemia para que estes pudessem estar próximos de suas famílias durante este período.
Embora o Brasil figure como um dos principais destinos de expatriados entre os países de economia emergente, seus números ainda estão longe das maiores economias do mundo. Constantemente, as pesquisas com expatriados demonstram que a violência urbana retratada no exterior, a rígida legislação trabalhista, o alto grau burocrático do país e o complexo sistema tributário são motivos que afastam estes trabalhadores do Brasil.
Sobre a complexidade do sistema tributário brasileiro, as pesquisas realizadas com expatriados pelas maiores consultorias globais (E&Y, KPMG, PwC, Deloitte e Andersen) demonstram que nos últimos 10 anos a preocupação do trabalhador expatriado não mudou. As respostas são todas no sentido de não estar muito claro como e quando estão pagando impostos, como e por que devem declarar renda e ativos mantidos fora do Brasil e expressam um certo receio quanto à confidencialidade dos dados.
Para além de seus medos, é notório que a globalização criou oportunidades para aqueles trabalhadores com atuação transnacional que viviam à margem da lei e se utilizavam, de forma abusiva, dos sistemas tributários de diferentes países para fins de redução ou supressão de suas cargas tributárias e para blindagem patrimonial.
Embora o planejamento tributário abusivo de pessoas físicas não seja o fator predominante das discussões sobre um Tratado Internacional de Troca de Informações em Matéria Tributária, diversos países, principalmente os desenvolvidos, passaram a se sentir prejudicados por essas práticas, principalmente após a crise de 2008.
Considerando a relevância das receitas tributárias para o custeio do Estado social e todo o seu conjunto de políticas públicas, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com o G20, conduziu a iniciativa do Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), plano de ação composto de quinze diretrizes a serem implementadas pelos países, tendentes a harmonizar e trazer transparência às práticas tributárias e evitar o deslocamento artificial de bases tributáveis.
Antecipando-se às discussões levantadas durante as Convenções Internacionais, em 2014, os Estados Unidos anunciaram ao mundo o Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA), o primeiro tratado internacional de troca de informações em matéria tributária em escala global da história.
Pelos termos do FATCA, todos os países que abrigam cidadãos norte-americanos são obrigados a fornecer informações bancárias relevantes dessas pessoas, informações saldos, rendimentos e transações, além de informações societárias das empresas em que esses cidadãos possuam participação acionária, sob a pena de fim das relações comerciais.
No Brasil, a troca de informações no âmbito do do FATCA entrou em vigor setembro de 2015. De acordo com o relatório da Receita Federal do Brasil daquele ano, foram identificados rendimentos associados a 25.280 brasileiros, sendo 22.736 pessoas físicas e 2.544 pessoas jurídicas, cuja soma ultrapassava R$ 1 bilhão de reais.
Na primeira fase do processamento desses dados pela Receita Federal do Brasil foram selecionados 915 contribuintes de maior relevância para aprofundamento da análise de regularidade fiscal. Constatou-se que, dos 915 contribuintes selecionados, apenas 277 (ou 30,2%) declararam manter ativos ou rendimentos nos Estados Unidos. Os demais 638 contribuintes foram intimados pela Receita Federal do Brasil para esclarecer os motivos de não terem incluído os ativos mantidos nos Estados Unidos em suas Declarações de Imposto de Renda.
Embora não tenha sido expressamente prevista no BEPS, no final de 2015 a OCDE divulgou o Common Reporting Standard (CRS), seu modelo de relatório que facilitaria a troca multilateral de informações bancárias, em linha com os objetivos do BEPS.
Dentre as 110 jurisdições signatárias da Convenção da OCDE estão alguns países com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados, dos quais podemos citar Andorra, Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Cayman, Liechtenstein e Panamá.
A troca de informações nos termos do CRS é automática e padronizada. No Brasil, a troca de informações sob o CRS entrou em operação em setembro de 2018. Com a internalização da convenção internacional no sistema legal brasileiro, o Brasil passou a receber informações sobre movimentações bancárias realizadas no exterior por pessoas domiciliadas fiscalmente no Brasil, independentemente de sua nacionalidade ou visto.
As informações recebidas incluem identificação completa do titular, saldos existentes e valores creditados (juros, dividendos e outros créditos) em contas bancárias mantidas no exterior, ainda que por meio de empresas, offshores ou estruturas fiduciárias.
A legislação brasileira prevê que a omissão ou a declaração incorreta de ativos e rendimentos provenientes do exterior à Receita Federal ou ao Banco Central do Brasil podem resultar na cobrança de imposto de renda, multas e juros, além de consequências na esfera criminal. A omissão na declaração de ativos e rendimentos do exterior pode resultar na exigência de imposto de até 27,5%, multas fiscais de até 150%, multas civis em percentual do valor dos ativos no exterior, e denúncia por crime de sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Outra consequência adversa inclui o impedimento de o expatriado atuar como administrador ou diretor da empresa brasileira, em caso de condenação criminal.
Esse novo cenário de transparência e troca automática de informações em nível global adiciona mais complexidade às práticas de compliance tributário das pessoas físicas que recebem rendimentos ou mantêm ativos no exterior, em especial os expatriados. Exige-se, pois, cuidado e atenção adequados nas declarações anuais obrigatórias a fim de evitar consequências fiscais, trabalhistas e criminais adversas aos expatriados residentes no Brasil.
A Receita Federal possui um dos mais avançados sistemas de monitoramento fiscal do mundo, o que lhe permite cruzar eletronicamente informações de diversas fontes como bancos, previdência social, administradoras de cartão de crédito, operadoras de planos de saúde, cartórios, corretores de imóveis etc. E, agora, há também o CRS para cruzar informações financeiras no exterior.
Empresas multinacionais operando no Brasil não podem ficar alheias a essas mudanças e devem revisar suas políticas de conformidade tributária para garantir que seus expatriados cumpram rigorosamente as leis locais e evitar exposições e riscos desnecessários. Declarações inadequadas ou incorretas à Receita Federal podem resultar num risco que não vale a pena correr.
Felipe Pereira Louzada é tributarista especializado em tributação de pessoa física, associado do Battella, Lasmar & Silva Advogados em São Paulo, e coautor do livro Renda Variável e do e-book Saída Definitiva do País – Guia Prática das Obrigações Tributárias, publicados pela Editora B18.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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