Por Daniela Ispirian Mir Gelamo, CFP®
A dicotomia entre viver o presente e se preocupar com o futuro me fez reiniciar este artigo por muitas vezes. Por isso, antes de ir direto ao tema de hoje, quero esclarecer que acredito que viver o presente é tão importante quanto planejar o futuro.
O equilíbrio também é necessário e primordial quando falamos em viver a vida. Charlie Brown e Snoopy retrataram isso de forma emblemática no seguinte diálogo:
– Algum dia iremos morrer, Snoopy.
– Verdade, mas todos os outros dias vamos viver.
Para viver uma vida abundante todos os outros dias, desde o nascimento até a velhice, precisamos viver o hoje e planejar o amanhã. E mesmo concordando que precisamos viver intensamente o presente, hoje vou escrever sobre a importância de também pensar no futuro. Planejar a tão desejada aposentadoria!
Há vários termos para descrever este futuro: melhor idade, velhice, longevidade, independência financeira e até aposentadoria. E a boa notícia é que podemos escolher o nome que quisermos chamar e principalmente decidir quando e como este futuro será. Porém, a má notícia não se abstém ao tema. Ainda temos uma escassez de educação financeira no Brasil que nos desvia do foco e da motivação para trazer essa decisão para nossas mãos.
Existem inúmeros estudos que demonstram o que esperar deste futuro. Uma pesquisa realizada pela Anbima[1] apontou que 9 dentre 10 aposentados gastam o mesmo ou mais do que antes de se aposentarem. Outro dado, um dos mais chocantes, aponta que cerca de 99% da população brasileira precisará trabalhar até o fim da vida, ou dependerá da família ou de caridade para viver.
Em um primeiro momento, isso pode até não parecer tão assustador, pois trabalhar até o fim da vida é algo que muitos dizem estarem dispostos a fazer, já que não querem se sentir sem utilidade dentro de casa – e não devem. Da mesma forma, alguns veem como benção um filho retribuir todo o investimento que os pais dedicaram a ele por meio do custeio de despesas médicas como retorno, por exemplo.
Não há nenhum desabono em viver a velhice com disposição para trabalhar ou, ainda, viver com o suporte dos filhos que prosperam e ajudam com prazer. Pelo contrário, tudo isso é muito valioso.
Mas, faça uma simples reflexão: olhe para seus pais, tios, avós. Observe e converse com todos aqueles que hoje já estão desfrutando da melhor idade. Eles estão como gostariam de estar? Gostariam de trabalhar menos para curtir mais os netos? Quantos empréstimos eles precisaram contrair neste período? Quantos ainda trabalham só pelo dinheiro, ou ainda dormem mal, com dores por um trabalho inapropriado?
É difícil acreditar que apenas 1% da população viva bem e satisfeita com a renda que recebe do INSS, ou com rendas passivas (como aluguéis), ou ainda com o patrimônio financeiro acumulado.
Conheci algumas famílias que se aposentaram cedo e ainda conseguiram se manter (aparentemente) somente com a renda da previdência social. Mas, em contrapartida, observei que são pessoas que nunca tiveram um smartphone de última geração e não fazem questão de tê-lo. Nunca fizeram uma viagem internacional, e ficam felizes em limitar suas férias a passeios de alguns dias na casa dos filhos. Ou seja, não criaram o padrão de consumo que a maioria dos brasileiros tem ou busca ter.
Hoje os mais velhos vivem mais, os mais novos começam a trabalhar mais tarde, ou trabalham informalmente, sem contribuir para a previdência social. Reformas mudaram os cálculos dessas contribuições. Essas e outras mudanças impactaram diretamente na renda que o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) oferece e oferecerá aos aposentados no futuro.
Até mesmo as previdências privadas e os juros dos investimentos no Brasil não poderão fazer o milagre da multiplicação se não houver um montante adequado, mesmo com o efeito dos juros compostos.
A realidade nos mostra que os aposentados do futuro receberão do INSS muito menos do que precisam para viver. Ou seja, Isso Nunca Será Suficiente!
E será que sua previdência privada (se existir) será? Ou você terá acumulado patrimônio suficiente para se sustentar?
Antes de identificar o quanto será suficiente, precisamos descobrir como queremos viver o nosso futuro, a nossa longevidade. Precisamos nos preparar para custear uma velhice cheia de vida, seja com ou sem um smartphone de última geração, viagens nacionais ou internacionais, varanda gourmet ou cadeira na calçada.
Nosso corpo precisará de mais cuidados e provavelmente de menos trabalho. Devemos determinar o patrimônio financeiro suficiente para ter um bom plano de saúde, família e amigos por perto e, quem sabe, até dinheirinho extra para comprar muitos presentes para mimar os netos.
Não tenho dúvidas de que buscaremos viver de forma intensa, segura, confortável e prazerosa.
Mas, isso só será possível se tivermos o cuidado com o nosso futuro da mesma forma que vivemos o nosso presente. Ou seja, se você precisa pagar os boletos para consumir inúmeros produtos e serviços que o fazem viver bem hoje, também precisará reservar um dinheiro para pagar o boleto que o fará viver bem no amanhã.
Algumas ações imediatas podem contribuir para o planejamento da jornada até uma aposentadoria saudável:
- comece a guardar hoje: os juros compostos estarão a seu favor;
- gaste menos do que ganha: elimine desperdícios e/ou busque mais renda;
- crie um objetivo: quando e como quero me aposentar;
- identifique o montante total e a parcela mensal para alcançar o objetivo;
- não misture reserva financeira para projetos e reserva para aposentadoria.
Com tudo mapeado e planejado, tenha disciplina e, à medida que a maturidade lhe trouxer novas expectativas para o seu futuro, ajuste e recalcule a rota que foi desenhada para sua jornada de vida.
Daniela Ispirian Mir Gelamo, CFP® é planejadora financeira pessoal em São Paulo/SP.
[1] Anbima: Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. Pesquisa: Raio X do Investidor Brasileiro. Disponível em https://www.anbima.com.br/pt_br/especial/raio-x-do-investidor-2021.htm