Por Bruno Lima e Moura de Souza
Benjamin Franklin, o polímata estadunidense, que estampa a nota de cem dólares, cravou a célebre frase: “Nada é mais certo nesta vida do que a morte e os impostos.” Mas se engana quem supõe que com a morte nos livramos das obrigações tributárias, a inevitabilidade dos impostos pode se estender mesmo após a nossa morte, um exemplo disso é o ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações.
Mas até onde vai o poder do fisco de taxar as operações de doação ou herança? De acordo com a Constituição Federal, compete aos estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre a transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos[1] mas, como se sabe, a sanha arrecadatória do fisco faz com que ele, por vezes, extrapole a sua competência.
Essa sede de arrecadação inclusive já foi retratada em uma das canções dos Beatles. George Harrison, inconformado ao descobrir o quanto os integrantes da banda estavam pagando de impostos, compôs a canção “Taxman” (homem dos impostos), com trechos como:
“Se cinco por cento / Parecer pouco / Fique agradecido/ Por eu não pegar tudo”
… “E o meu conselho / para os que morrem / (Taxman!) / Declarem os centavos”
Pois bem, uma demonstração dessa gana do fisco por arrecadar é a tributação sobre doações e heranças de bens situados no exterior ou cujo falecido ou doador tenha seu domicílio fora do Brasil. Nestes casos, o fisco entedia ser legítima a cobrança do ITCMD sobre tais operações, o que gerou a irresignação dos contribuintes, fazendo-os levar a discussão ao judiciário.
O principal argumento dos contribuintes residiu no fato de que o fisco não teria observado a disposição constitucional de que a competência para a instituição do ITCMD decorre de lei complementar nos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior[2].
Hoje a discussão sobre o tema está no STF, por meio do RE 851.108 (tema 825), interposto pelo estado de São Paulo, no qual os Ministros do Supremo decidiram de forma favorável aos contribuintes, sob o fundamento de que, em que pese a Constituição atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe a lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência, em relação aos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior[3].
Desse modo, fixou-se a tese em repercussão geral no seguinte sentido:
“É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155. § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição de lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”.[4]
No entanto, superada a questão acerca da impossibilidade de o Fisco instituir o ITCMD sem a edição de lei complementar para tal, as partes opuseram Embargos de Declaração, a fim de esclarecer alguns pontos acerca da modulação dos efeitos da decisão, uma vez que foi atribuída eficácia ex nunc, a contar da publicação do acórdão, que se deu em 20/04/2021, ressalvada as ações judiciais pendentes de conclusão até aquele momento, nas quais se discutia a qual estado o contribuinte deveria efetuar o pagamento do ITCMD, considerando a ocorrência de bitributação e a validade da cobrança desse imposto ainda não pago.
Na última quarta-feira, 08/09/2021, foi publicada a decisão do julgamento dos Embargos de Declaração no sentido de que:
- o ITCMD será considerado devido se o estado efetuou a cobrança até o dia 20/04/2021 (data de publicação do acórdão do RE);
- o contribuinte não terá direito à restituição do valor já pago a título de ITCMD incidente sobre doações e heranças de bens situados no exterior ou cujo falecido ou doador tenha seu domicílio fora do Brasil, salvo em caso de bitributação; e
- o estado poderá efetuar a cobrança do ITCMD referente às operações ocrridas até o dia 20/04/2021.
Ou seja, o Supremo chancelou a cobrança do ITCMD ainda que o estado não tenha efetuado o lançamento do imposto referente a fato gerador ocorrido antes da publicação do acórdão, isto é, 20/04/2021. Há de se enfatizar que jamais existiu lei complementar para disciplinar a matéria para viabilizar a cobrança do referido tributo, como estabelece a Constituição Federal.
Assim, com amparo no princípio da legalidade tributária, em momento algum se poderia admitir a exigência do ITCMD sobre doações e heranças de bens situados no exterior ou cujo falecido ou doador tenha seu domicílio fora do país, sob pena de violação ao disposto no art. 155, § 1º, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal.
Embora favorável ao contribuinte, a decisão proferida pelo Supremo não deixa de ser polêmica, quiçá incoerente, uma vez que, se por um lado, reconhece a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD sem a edição de lei complementar, por outro, a modulação dos efeitos da decisão acaba por autorizar a manutenção das cobranças já realizadas pelos estados.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do Battella, Lasmar & Silva Advogados em São Paulo.
[1] Artigo 155, inciso I, da Constituição Federal.
[2] Artigo 155, § 1º, inciso III, alíneas “a” e “b”, da Constituição Federal.
[3] RE 851.108 RG/SP
[4] RE 851.108 RG/SP
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