Na Parte I deste artigo, fiz uma introdução sobre os vieses cognitivos que influenciam na forma como vocês lida com seu dinheiro, com suas finanças pessoais. Os vieses que impactam nos seus hábitos financeiros. São aqueles pensamentos que te fazem tomar atitudes muitas vezes de forma automática e sem pensar, como uma compra por impulso. São decisões irracionais que, muitas vezes, atrapalham o seu processo de construção de Patrimônio.
Falamos sobre a origem desses vieses, que está justamente ligada ao fato de nosso cérebro ter uma tendência a economizar energia, algo que vem dos nossos antepassados, que tinham que poupá-la para caçar e tinham que tomar decisões muito rápidas, pois, vivendo na natureza em contato com animais predadores e outras ameaças, muitos perigos tinham que ser enfrentados para se manterem vivos. Se você ainda não viu a Parte I, volte lá para conferir!
Mas, se os vieses cognitivos são parte de nós e são tão traiçoeiros, podemos nos livrar deles? Infelizmente não. Mas podemos sim aprender a reconhecê-los e buscar meios de dominá-los em vez de sermos totalmente dominados por eles.
O primeiro passo é identificá-los. Para te ajudar nessa missão, que não é impossível, escolhi alguns dos milhares de vieses já descobertos e estudados para descrever um pouco melhor e dar exemplos de cada um na prática. Então vamos a eles?
Teoria da Perspectiva
Também conhecida como Teoria do Prospecto, foi formulada a partir da década de 1970 por Kahneman e Tversky e trata de decisões tomadas sob risco. Uma vez questionado por um repórter da Revista da ESPM sobre como a aversão a perdas compromete o processo de tomada de decisões — ainda mais em tempos de incerteza —, Daniel Kahneman respondeu: “a aversão a perdas influencia quase tudo. Em geral, a aversão a perdas é uma força no sentido da paralisia. As desvantagens de fazer qualquer movimento pesam mais do que as vantagens”.
De acordo com essa teoria, as pessoas tendem a fazer escolhas baseando-se mais em potenciais valores de perda do que de ganhos, ou seja, é mais provável evitar uma perda do que obter um ganho.
Por exemplo, se você oferece duas opções a uma pessoa: opção A é um ganho garantido de R$ 500 e a opção B tem 80% de chance de ganhar R$ 750, mas 20% de chance de ganhar nada, as pessoas tendem a preferir a opção A.
Perceba no seu dia a dia como isso é rotineiro. Por exemplo: algumas pessoas deixam dinheiro na Poupança mesmo rendendo menos do que outros investimentos com a mesma característica, pois têm medo de perder (apesar de já estarem perdendo e muito para a inflação), já que a Poupança proporciona uma rentabilidade conhecida e “garantida”.
A aversão à perda faz com que o investidor se desfaça de suas posições ganhadoras, por exemplo no caso de compra de ações, e mantenha as posições perdedoras, esperando o preço voltar aos patamares anteriores.
Viés da Adesão
O comportamento de manada resume esse viés. E esse especificamente deve ter uma atenção especial, pois é muito trapaceiro: pela perspectiva dos investimentos, sabemos que o grande erro que pode acontecer aqui é você investir em ativos que não conhece, ou cujo tamanho do risco não aceita, somente porque um amigo te falou que ganhou muito com ele.
Atualmente (mas nem tanto assim), temos a grande febre das criptomoedas, que tem levado muitas pessoas a investirem só porque alguém já ganhou muito dinheiro com isso. E, na realidade, essas pessoas, por muitas vezes, nem sabem exatamente o que é e como funciona, mas acompanham o fluxo de investidores amigos e conhecidos que relatam suas experiências vencedoras.
Mas um ponto que quero ressaltar é quando você segue um comportamento de manada nos seus hábitos financeiros: existe aqui uma grande armadilha, que está em querer acompanhar os hábitos financeiros de consumo, compras, enfim, estilo de vida, dos seus amigos e colegas, sob o risco de não ter a mesma situação financeira que eles com relação a renda e patrimônio.
Isso é muito comum, pois a emoção e o senso de pertencimento falam muito mais alto nessas situações, que podem levar inclusive as pessoas à falência, em situações extremas.
Viés da Pró-Escolha
É a tendência em justificar suas escolhas emocionais tentando se apoiar em algum embasamento racional. Esse viés determina que nós, seres humanos, atribuímos mais racionalidade ao nosso processo decisório do que ele realmente possui.
Um exemplo clássico é uma discussão entre duas pessoas apaixonadas por times diferentes: a escolha pelo time é totalmente emocional, mas elas vão procurar algum tipo de lógica para racionalizar essa escolha.
Esse viés aparece nas escolhas financeiras também: fazer compras por impulso, por exemplo, e depois criar motivos para justificar a compra, mesmo sabendo que foi uma escolha com base na emoção do momento, é algo muito corriqueiro.
Esse tipo de comportamento é algo que vivencio em minhas reuniões de planejamento financeiro com clientes. Inclusive, algo que acontece de forma corriqueira é quando o casal vem para a reunião e, respondendo às minhas perguntas sobre hábitos e comportamento financeiro, já adiciona uma justificativa “racional” para suas escolhas. Por exemplo: o marido comenta “ah, ela gasta muito com roupas”, e a mulher responde: “mas eu trabalho demais, eu mereço”. Ou então, a mulher comenta “ele quer comprar uma moto supercara!”, e ele responde: “mas nossas viagens de moto serão muito mais econômicas”. E por aí vai.
Viés de Informação
Já ouviu falar na expressão “andando em looping?” Pois é, o viés de informação é a representação dele. É a tendência humana por buscar mais informações que o necessário na busca por soluções, o que acaba atrapalhando ao invés de ajudar e deixando a pessoa mais indecisa ainda.
Um exemplo é aquela pessoa que fica olhando todas as opções de investimento do mercado, fazendo todos os cursos, consumindo material de finanças, mas, no fim do dia, não começa a investir porque não sabe o que escolher como investimento depois de tanta informação. Muitas vezes os clientes chegam com uma queixa de que o gerente do banco ou o assessor de investimentos envia várias sugestões de produtos e eles não fazem a mínima ideia de qual deles escolher e, então, acabam nem investindo. Deixam o dinheiro na conta corrente mesmo.
Outro exemplo que inclusive já vi acontecer é com financiamento imobiliário. Os bancos oferecem algumas opções de taxas: prefixadas, atreladas a Selic ou IPCA. Algumas pessoas ficam meses pensando antes de tomar uma decisão, correndo o risco até de perder as taxas que já estavam na proposta.
Viés de Positividade
Também conhecido como Síndrome de Poliana, em referência à protagonista do livro escrito por Eleanor H. Porte, Pollyanna, ocorre quando somos muito otimistas ao considerar um fato e nos atentarmos somente para o lado mais positivo.
Por exemplo, nos investimentos, ao avaliar um ativo, o viés da positividade nos faz focar muito mais nos resultados de performance positivos do que nos negativos.
Esse viés, na verdade, poderia ser a marca do brasileiro: somos muito otimistas por natureza. Isso, por muitas vezes, explica o fato de que a maioria da população não se importa tanto com o futuro, ou, melhor dizendo, com seu “eu” no futuro.
Existe uma tendência em achar que vai dar tudo certo, que na verdade não está errada em sua totalidade, mas os riscos também devem ser considerados.
Nas finanças pessoais, esse viés aparece de forma muito acentuada quando se trata de um dos pilares do Planejamento Financeiro, a Gestão de Riscos: as pessoas não querem dar atenção para a necessidade de fazer seguros de vida ou proteger seu patrimônio da deterioração causada por doenças graves ou incapacidade de gerar renda, porque sempre acham que vai dar tudo certo, que nada de ruim vai acontecer com elas.
Para a formação da Reserva de Emergência também acontece algo no mesmo sentido: muita gente não acredita ser necessária.
Ilusão Monetária
Representa a tendência das pessoas a pensar na moeda em termos nominais, ou de uma forma mais simples como a percebemos, em vez de pensarem em termos reais, que seria considerando o impacto da inflação. Ou seja, costumamos confundir o valor numérico (valor nominal) do dinheiro com o valor que efetivamente representa o seu poder de compra (valor real), que considera inflação.
A ilusão monetária também pode influenciar a percepção das pessoas sobre os resultados de suas decisões. Por exemplo, está comprovado, através de pesquisas, que as pessoas atribuem um valor muito mais positivo para um aumento de 2% na sua renda nominal, mesmo que a inflação tenha sido de 4% (ou seja, o dinheiro perdeu 2% de valor e de poder de compra), do que uma redução de 2% na renda nominal sem nenhum impacto no valor real (como se a inflação tivesse sido de 0%), apesar de representarem resultados matematicamente iguais.
Efeito Dunning-Kruger
Esse viés poderia facilmente ser explicado por uma frase bem famosa de Sócrates: “Quanto mais sei que sei, menos sei que sei”. Todos nós tendemos a superestimar nossas habilidades e conhecimentos e, quanto mais conhecemos sobre um assunto, mais percebemos que não conhecemos muito sobre ele. A ignorância nos dá uma falsa sensação de conhecimento.
Por exemplo, quanto mais você entende sobre o assunto investimentos, ao mesmo tempo que seu perfil de investidor tende a ficar mais arrojado, você também “arrisca” menos, por conhecer mais os riscos (perceba que ser um investidor com perfil mais arrojado e tomar muitos riscos são coisas diferentes). Outro exemplo clássico nas finanças pessoais que acontece sem percebermos: quanto menos sabemos o quanto nossas decisões hoje vão afetar nosso futuro, numericamente dizendo, mais tomamos atitudes que vão nos distanciar da construção do nosso Patrimônio e, dessa forma, tomamos muito mais riscos desnecessários.
Agora que você já conheceu alguns dos vieses mais comuns e como eles podem afetar as suas decisões, aceitando que você não pode excluí-los permanentemente de sua vida, o que resta é tentar criar defesas contra eles. E a forma mais eficaz (não a mais simples) é a criação de um processo: se você já sabe que situações que te afastam da racionalidade vão acontecer, e que, quando elas acontecerem, será o momento em que você vai estar mais “irracional”, o ideal é criar o processo antes de elas acontecerem. Cognitivamente não temos condição de decidir em um momento de estresse.
Mas como fazer isso?
Para cada viés você pode criar mecanismos específicos, que também não têm necessariamente uma “receita de bolo”, ou um protocolo universal. Cada um deve ir se ajustando e encontrando suas ferramentas para aplicar contra os vieses.
Vou usar como exemplo um processo bastante conhecido, que tem o intuito de evitar as compras por impulso: antes de comprar você deve se perguntar “Eu quero? Eu Preciso? Eu Posso? Eu devo?”.
Fazer checklists de coisas que precisa ou mesmo tem vontade de comprar ou vivenciar, elencando em uma sequência de prioridades, também ajuda bastante. Inclusive, colocar o preço ajuda a ser mais racional no processo decisório também. Veja um exemplo: a prioridade número 1 é uma viagem para a Europa em 2022 (preço: R$ 50 mil); depois disso, a prioridade número 2 é trocar de carro (preço: R$ 40 mil) e, depois, conhecer aquela vinícola que um amigo comentou que é sensacional (R$ 2 mil). Se você tem essa clareza, fica mais fácil evitar uma “inversão” na ordem.
Vale lembrar que apenas um robô ou uma inteligência artificial consegue ser puramente lógico e racional. E que graça teria se fôssemos assim?
Estela Borgheri, CFP® é formada em administração de empresas e planejadora financeira pessoal certificada pela Planejar.