Por David Roberto R. Soares da Silva
Uma nova tese – com decisões favoráveis do Judiciário – vem permitindo o não pagamento do ITBI na conferência de imóveis ao capital social de empresas imobiliárias, inclusive holdings, oferecendo oportunidade interessante de planejamento tributário.
Até recentemente, era consenso entre tributaristas de que a conferência de imóveis ao capital de uma holding imobiliária estava sujeita ao pagamento do ITBI. A imunidade tributária do ITBI somente se aplicava quando a empresa receptora do imóvel não possuísse atividade imobiliária preponderante (mais de 50% de sua receita decorrente de venda, aluguel ou arrendamento de imóveis). No entanto, uma tese levantada pelo Ministro Alexandre de Moares, do STF, quando da análise de tema também relacionado ao ITBI, tem oferecido a oportunidade de não pagamento do imposto nesse tipo de operação.
No julgamento no Recurso Extraordinário nº 796376, finalizado em agosto de 2020, o STF entendeu que a imunidade de ITBI prevista no art. 156, § 2º, inciso II da Constituição Federal não se aplicava quando o valor dos bens excedia o valor do capital social a ser integralizado e fosse alocado para conta de reserva de capital ou similar.
O art. 156, § 2 da Constituição Federal diz o seguinte:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…) II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
(…) § 2º O imposto previsto no inciso II:
I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil (…).
Ao proferir seu voto no Recurso Extraordinário nº 796376, o Ministro Alexandre de Moraes interpretou a exceção contida na parte final do inciso I (“salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”) como sendo aplicável apenas aos casos de “fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica”.
Dessa interpretação nasceu a tese de que a não incidência do ITBI se aplica a qualquer transmissão de imóveis ao capital social de pessoa jurídica, inclusive para empresa imobiliária, incidindo o imposto, somente, nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica cuja atividade preponderante fosse imobiliária. Como o voto do Ministro Alexandre de Moraes foi vencedor, entendeu-se que o STF validara a tese defendida pelo ministro.
Por essa razão, vislumbrou-se a oportunidade de se questionar judicialmente a incidência do ITBI nas conferências de imóveis ao capital de empresas imobiliárias, inclusive holdings que explorem atividade de compra, venda e locação de bens imóveis.
Analisando um recurso contra decisão de 1ª instância que negara uma liminar de contribuinte que pleiteava o não pagamento do ITBI nesse caso, o Tribunal de Justiça de São Paulo houve por aplicar a tese do ministro Alexandre de Moraes e reverteu a decisão negativa, permitindo ao contribuinte capitalizar empresa imobiliária com imóveis e sem o pagamento do ITBI.
Vale transcrever a ementa da decisão:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – IMUNIDADE – ITBI – Decisão que indeferiu a tutela antecipada que visava ao reconhecimento da imunidade quanto ao ITBI incidente sobre a operação de integralização do capital social da agravante por meio da conferência de bem imóvel – Pleito de reforma da decisão – Cabimento – Imunidade de ITBI sobre a transmissão de bens para fins de integralização de capital social de pessoa jurídica que é incondicionada, nos termos do decidido do RE nº 796.376/SC pelo STF – Inaplicabilidade da exceção à imunidade consistente na configuração de atividade preponderante da agravante de compra e venda de bens imóveis – “Fundamento relevante” verificado – Potencialidade de lançamento de vultosa exação pelo agravado e de mácula à regularidade fiscal da agravante caso não seja concedida a liminar – “Possibilidade da ineficácia da medida” também verificada – Concessão da liminar devida – Decisão reformada – AGRAVO DE INSTRUMENTO provido. (TJSP – AI: 2042850-06.2021.8.26.0000, julgamento em 23.04.2021).
Em setembro de 2021, nova decisão no mesmo sentido pelo TJSP:
TRIBUTÁRIO. ITBI. IMÓVEL DE SÓCIO INCORPORADO PELA PESSOA JURÍDICA NO ATO DE SUA CONSTITUIÇÃO. IRRELEVANTE A ATIVIDADE PREPONDERANTE DA ADQUIRENTE DO BEM DE RAIZ, PARA FINS DE IMUNIDADE. PRECEDENTE DA SUPREMA CORTE. CONCESSÃO DE LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO PARA ESSE FIM. Reconhece-se imunidade tributária, pouco importando a atividade preponderante, quando o bem de raiz é incorporado ao patrimônio de pessoa jurídica no ato de sua constituição (art. 156, § 2º, inc. I, da Constituição Federal). (TJSP – AI: 2140905-89.2021.8.26.0000, julgamento em 10.09.2021)
Já há notícias de decisões similares em Minas Gerais e na Bahia. Com isso, cresce o entendimento de que é possível questionar judicialmente a incidência do ITBI sobre conferência de imóveis em holdings imobiliárias, o que pode representar uma economia substancial na implantação de planejamento patrimonial e sucessório envolvendo empresas que explorem compra, venda e locação de imóveis.
Embora a grande maioria dos municípios brasileiros cobre 2% de ITBI nessas operações, são várias as capitais e grandes municípios nos quais a alíquota aplicável pode chegar a 3% do valor venal ou de referência do imóvel, como é o caso de Belo Horizonte, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, para citar alguns.
Por fim, vale ressaltar que o não pagamento do ITBI nesses casos depende de autorização judicial dado que os cartórios de registro de imóveis não aceitarão registrar a transferência dos imóveis para a pessoa jurídica sem o recolhimento do imposto ou decisão judicial que ampare o não recolhimento.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
1 comments