Por David Roberto R. Soares da Silva
O inventário extrajudicial tem facilitado a vida de muita gente por sua agilidade e redução de custos, evitando longos e morosos processos judiciais. Nos últimos anos, tem-se flexibilizado cada vez mais a interpretação da lei para permitir que situações, antes impedidas de optarem pela via extrajudicial, possam adotá-la.
Desde 2007[1], é possível fazer inventário extrajudicial por meio de escritura pública, perante Tabelião de Notas, sem a necessidade de processo judicial. Isso torna o procedimento mais rápido e mais barato: enquanto um inventário judicial pode levar anos para ser concluído, o extrajudicial pode ser feito em poucos meses, sem a necessidade de pagamento de custas judiciais que podem chegar a 1% do valor do patrimônio.
A alteração promovida em 2007 foi incorporada ao Novo Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), cujo Art. 610 dispõe:
Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial
Pela letra da lei processual civil, o inventário extrajudicial somente é possível se cumpridos alguns requisitos, sem os quais haverá a necessidade de inventário judicial. Os requisitos são:
- inexistência de testamento;
- inexistência de herdeiros menores;
- inexistência de incapazes (exemplo: pessoas interditadas ou sob curatela);
- necessidade de acordo entre os herdeiros com relação à partilha dos bens;
- assistência de advogado.
Desde 2016, o estado de São Paulo já admitia[2] o inventário extrajudicial mesmo nos casos em que havia testamento, desde que se obtivesse autorização judicial nesse sentido. Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça pacificou a matéria em nível nacional, decidindo sobre a possibilidade de inventário extrajudicial mediante autorização judicial, desde que não haja incapazes e estejam os herdeiros de acordo com a partilha.
Com essa decisão do STJ, mesmo existindo testamento, é possível a via extrajudicial para o inventário, restando a obrigação pela via judicial apenas nos casos em que não haja consenso sobre a partilha ou existam menores e incapazes na qualidade de herdeiros.
Mas, em recente, a Justiça Paulista autorizou a abertura de inventário extrajudicial mesmo em situações em que haja menores herdeiros.
A decisão foi proferida em 6 de dezembro de 2021 pela 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Taubaté. O caso analisado[3] se referia ao inventário de uma mulher falecida que deixou cônjuge e filhos menores. A partilha se daria de forma ideal, ou seja, cada um dos herdeiros receberia a fração ideal que lhe caberia em cada um dos bens herdados, não havendo alteração do pagamento dos quinhões de cada um.
Por não existir qualquer risco de prejuízo aos menores envolvidos, o Juízo da 2ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Taubaté autorizou a expedição de alvará judicial para autorizar que o inventário dos bens da falecida pudesse ser processado pela via extrajudicial perante Tabelião de Notas.
A decisão é inédita na Justiça brasileira e se baseia tanto na lei como no bom senso. Segundo o Art. 1.784 do Código Civil, na abertura da sucessão, “a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” Em outras palavras, com o falecimento da pessoa, cada herdeiro já é possuidor de uma fração ideal de um todo ainda indivisível, cabendo essa divisão de bens à partilha por meio do processo de inventário.
No entender do Juízo do caso, se a partilha dos bens atribuir a cada herdeiro a mesma fração ideal que esse já tem por direito desde a abertura da sucessão, não há risco de prejuízo a qualquer herdeiro, mesmo que menores, razão pela qual o procedimento de inventário e partilha poderia se dar de maneira extrajudicial.
Exemplificando o caso, digamos que a falecida fosse casada no regime da separação total de bens e tivesse dois filhos menores. Deixou, como bens particulares, R$ 300 mil em conta bancária e um imóvel no valor de R$ 900 mil. Na abertura da sucessão, cada herdeiro (marido e dois filhos menores) é titular de direitos hereditários de 1/3 de um patrimônio de R$ 1,2 milhão. Pela decisão ora analisada, se cada herdeiro receber 1/3 do saldo bancário e 1/3 do imóvel, não há necessidade de inventário judicial, sendo possível a sua modalidade extrajudicial, pois estar-se-ia replicando a mesma fração ideal do momento da abertura da sucessão.
No entanto, se a divisão não for por fração ideal em cada bem, a inventário deverá ser judicial para que, com a supervisão do Ministério Público, não se prejudique os herdeiros menores. Seria o caso, por exemplo, de o pai pretender herdar os R$ 300 mil de saldo bancário, mais R$ 100 mil no imóvel, atribuindo 100% da herança dos menores (R$ 800 mil) ao imóvel. Isso até poderia ser justificado pela necessidade de o pai sustentar os filhos com os recursos financeiros, mas a verificação da necessidade e conveniência dessa partilha deve passar pelo crivo do Ministério Público, sob a supervisão de um Juiz de Direito, durante um processo de inventário judicial.
A decisão é importante, pois facilita, encurta e barateia o processo de inventário e partilha, mesmo envolvendo menores, se forem respeitadas as frações ideais de cada herdeiro. É de se esperar que outras decisões no mesmo sentido sejam proferidas usando essa sentença como precedente e que, em breve, o tema seja uniformizado pelos tribunais de justiça dos estados e tribunais superiores.
[1] Lei nº 11.441/2007.
[2] Provimento CGJ nº 37/2016, substituído pelo Provimento CGJ nº 197/2020.
[3] Processo Digital nº 1016082-28.2021.8.26.0625.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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