As pessoas desejam mesmo “aprender a investir” para investir melhor ou simplesmente querem “investir melhor”? Se você já investe ou pretende se tornar um investidor, te convido a refletir, se é que ainda não refletiu, sobre essa pergunta. Talvez você até já tenha a resposta.
Investir melhor ou começar a investir é uma das maiores dores de quem procura uma ajuda especializada na área das finanças pessoais: esse desejo está presente em qualquer época, mas certamente nesse momento de início de ano aparece com muito mais força nas listinhas de pedidos e promessas de ano novo (com exceção para alguns povos que comemoram o ano novo em outras datas como hindus, chineses e judeus entre outros).
Nessa época é comum fazer promessas, metas, colocar os objetivos no papel ou simplesmente mentalizar os desejos. É muito forte em povos que comemoram essa data a esperança de um novo ciclo com novas resoluções. Parece que se abre um portal à nossa frente e junto com ele a permissão para que façamos uma nova vida. Psicologicamente, se torna mais fácil virar uma página e encaixar novos hábitos dentro das nossas rotinas. É um ritual.
É claro que devido à proporção que a pandemia de COVID-19 tomou no mundo nos últimos anos, com todo seu impacto econômico, social, cultural, político e até mesmo na dimensão humana, o desejo de que ela acabe certamente está presente e muito provavelmente aparecendo no topo da lista de desejos para 2022. Junto dele, aparecem as resoluções relacionadas ao estilo de vida e saúde, como começar uma dieta (e se manter nela, o que é mais difícil), praticar exercícios físicos regularmente, ler mais e ter mais tempo para si, tentando atingir uma vida mais equilibrada.
Mas invariavelmente as metas e desejos relacionados à vida financeira acabam aparecendo no topo: ganhar mais ou gastar menos, cuidar mais do próprio dinheiro e da saúde financeira, aprender a investir. Inclusive, consultando algumas pesquisas vi que desejos ligados às finanças pessoais aparecem realmente em primeiro lugar. Uma delas foi conduzida pela 7Waves, startup que oferece um aplicativo gratuito desenvolvido para o apoio ao planejamento e conquista de metas. Uma outra pesquisa chamada ‘Pulso Expectativa 2022’ entrevistou mais de 1.800 pessoas e foi realizada pela Hibou (empresa de pesquisa e monitoramento de mercado e consumo) junto à Score Group (empresa de data retail e shopper experience da B&Partners).
E é claro que isso não surpreende, pois esse tema já representava uma dor comum que se intensificou dado todo nosso contexto de incerteza de cenário econômico, político e o caos que a pandemia causou. Muitas pessoas começaram a se interessar muito mais pelo assunto “finanças pessoais e investimentos”, até porque a taxa Selic, nossa taxa básica de juros que é o preço do dinheiro e “taxa livre de risco”, atingiu o menor patamar da história no ano de 2020. O número de brasileiros na Bolsa mais do que duplicou comparado a 2019, antes da pandemia, atingindo a marca de aproximadamente 3,4 milhões de CPFs em novembro de 2021.
Todo esse contexto acabou sendo um incentivo para que dentro da cestinha de desejos relacionados às finanças pessoais estivesse um específico que é justamente o que citei anteriormente: “aprender a investir”. Não é de hoje que muitos dos clientes, amigos e colegas que me procuram para falar sobre suas dores relacionadas ao pilar de finanças pessoais, elencam como uma das principais expectativas justamente “aprender a investir”.
Mas será que quando as pessoas dizem que elas querem “aprender a investir” – elas realmente querem “aprender”?
Vamos partir do significado da palavra aprender. No dicionário, aprender significa “adquirir conhecimento (de), a partir de estudo; instruir-se”. Ou ainda, “adquirir habilidade prática (em)”. Ou seja, significa iniciar um processo e trilhar um caminho, através do qual será necessário dedicar algumas horas para entender a parte teórica e conceitual dos investimentos: as diferenças entre Renda Fixa e Variável, quais são as classes de ativos dentro dessas categorias de investimento, quais os riscos atrelados à cada tipo de ativo, conhecer seu perfil de aversão ao risco e quais ativos fazem mais sentido para seu perfil, atrelar todo esse conceito aos seus objetivos e fase da vida.
É necessário também ter uma base mínima de conhecimento sobre os ciclos de mercado, ou pelo menos ser capaz de conectar as notícias da economia e política ao mercado financeiro. Por exemplo, estamos vivendo um momento de alta da taxa Selic e a expectativa de mais altas para esse ano se mantém. Então, se você compra um ativo de renda fixa prefixada agora por exemplo e a taxa Selic continua subindo, daqui a alguns meses existirão ativos que oferecerão prêmios maiores, ou seja, maiores taxas de rentabilidade. Isso não é exatamente um problema, a não ser que a inflação aumente muito e torne o seu ganho real muito pequeno (aquele que você ganha excluindo a inflação da rentabilidade que obteve no período). Mas não podemos deixar de considerar que existe um “custo de oportunidade”, pois ativos que oferecem melhores taxas poderão estar disponíveis nas “prateleiras” das corretoras. Porém, seu ativo vai trazer um ganho no final do período, conforme contratado.
Perceba que existe uma certa complexidade, que pode ser maior para uns do que para os outros, mas sem dúvida exige de todos uma dedicação de tempo para “aprender’. Não estou nem falando de muitas horas todos os dias, mas é necessário dedicar um tempo, mesmo que seja o mínimo para aprender o básico, estudar, ler, investigar e entender sobre esses fatores. Mesmo com ajuda de um Planejador Financeiro Pessoal ou um Consultor de Investimentos, é preciso ter um tempo de dedicação e mais do que isso, é necessário ter o mínimo de interesse. Assim é o processo de aprendizagem certo? Desde os primórdios.
Para completar esse ciclo de aprendizagem, além do entendimento mais conceitual, a prática também é de extrema importância e vai acontecendo aos poucos, conforme o investidor vai tendo a oportunidade de fazer aportes. E aí é que a insegurança vem de forma mais latente e surgem muitas dúvidas: qual ativo ou ativos escolher? que investimento, ou quais investimentos, serão os escolhidos para aquele aporte especificamente, dentre milhares de opções de ativos diferentes disponíveis nas plataformas, dentro de cada classe de ativos?
Todos os fatores que mencionei acima devem ser levados em consideração para escolher o investimento ideal: qual o objetivo, qual o prazo, valor disponível para aplicação, perfil de risco do investidor, economia e política, ciclo econômico, como está a atual composição da carteira estrutural do investidor. Mas o mais importante: olhar para tudo isso junto, de forma consolidada.
É um processo decisório que exige uma certa dedicação prévia. E tenho percebido ao longo dos anos que: muitos não conseguem priorizar esse aprendizado devido às suas rotinas intensas de trabalho, ou não estão dispostos a dedicar o tempo necessário ou não estão interessados mesmo no assunto. Por isso também muitas vezes postergam e demoram a tomar a decisão de investir.
Com isso, fico sempre me questionando se as pessoas na verdade desejam “aprender a investir”. Cabe lembrar de um conceito antigo da filosofia: “Muitas vezes nós não queremos o que desejamos. O desejo é subconsciente e o querer é consciente”. Trazendo para o mundo dos investimentos, o investidor comum até quer aprender, mas não deseja. No fundo ele não quer se dedicar, aprender, entender todas as nuances para assim fazer melhores escolhas por conta própria e sozinho nesse universo. Isso demanda tempo e as pessoas normalmente estão fazendo outras coisas, se dedicando a seus trabalhos e suas rotinas que já são insanas e cansativas. Elas até querem ter um conhecimento básico de finanças pessoais e investimentos, para dessa forma poder “delegar” e não “delargar” a tarefa de cuidar de seu patrimônio, mas minha percepção é que elas preferem receber as coordenadas de forma mais “mastigada”, direcionada e prática.
Buscando entender melhor sobre isso, resolvi ouvir das próprias pessoas por meio de uma pesquisa sobre investimentos: “aprender a investir” ou “delegar” essa função para terceiros.
A pesquisa é composta por 7 perguntas e obteve 68 respondentes. Algumas informações relevantes:
- 60% dos respondentes têm um conhecimento de nível básico sobre investimentos, 34% intermediário e 6% avançado
- 96% responderam que acreditam que para melhorar sua vida financeira, precisam aprender a investir melhor
Não vou detalhar todas as perguntas aqui, com o intuito de focarmos no mais importante. Então veja o resultado de algumas delas:
Pergunta 1: Quando se trata de investimentos em produtos financeiros, você gostaria de aprender mais sobre eles? Produtos de renda fixa (CDB, LCI, LCA, Debêntures entre outros) e produtos de renda variável (ações, fundos imobiliários, ETF´s, BDR´s entre outros)
Sim | 91% |
Não | 9% |
Pergunta 2: Quando se trata de montar sua estratégia e carteira de investimentos, para assim aumentar o seu patrimônio ao longo da vida, você prefere:
Delegar para uma empresa ou consultoria de confiança que entende melhor tenha experiência de mercado e possa fazer isso por você? | 47% |
Buscar entendimento sobre investimentos, dedicar um tempo para estudar e melhorar seus conhecimentos para, assim, escolher os ativos que vão compor a sua carteira, e também em qual proporção (em que %), por conta própria? | 53% |
Pergunta 3: Você prefere:
Ter um profissional de mercado/empresa que seja experiente e capaz de fazer isso por você, para quem você possa delegar essas funções com base nos seus objetivos que serão discutidos com esse profissional | 51% |
Ter um conhecimento mais avançado sobre investimentos que seja suficiente para poder fazer suas próprias escolher e construir sua estratégia de investimentos, acompanhar a performance e monitorar sua carteira ao longo da vida | 49% |
Perceba que na pergunta 1, mesmo abrindo as classes de ativos em produtos, o que poderia inibir a vontade de aprender, lembrando o respondente que existem realmente várias opções, a grande maioria das pessoas respondeu que gostaria de aprender.
As outras perguntas dizem praticamente a mesma coisa, porém de forma diferente e isso foi proposital, para entender se realmente preferem aprender ou delegar. As respostas ficaram bem parecidas, porém com resultados contrários: em uma, a maioria respondeu que prefere delegar e na outra, aprender.
Isso comprova o fato de que aprender é a resposta racional e talvez, segundo minha teoria descrita nesse artigo, represente um desejo genuíno. Porém, não é o que realmente acontece na prática, como demonstraram as respostas às outras perguntas.
De uma forma ou de outra, o importante é sair da inércia e começar a investir ou buscar investir melhor, pois como diz o ditado: “dinheiro não aceita desaforo”.
Estela Borgheri, CFP® é formada em administração de empresas e planejadora financeira pessoal certificada pela Planejar.