Por David Roberto R. Soares da Silva
Em caso recentemente julgado pela Justiça do Trabalho em Minas Gerais, a herdeira de sócia foi incluída no polo passivo de uma execução reclamação contra a empresa da mãe já falecida. Isso mostra como, mesmo não sendo sócio, uma dívida trabalhista pode afetar o patrimônio de herdeiros.
O caso julgado dizia respeito a uma reclamação trabalhista proposta por empregado contra uma EIRELI, empresa individual de responsabilidade limitada com um único sócio (titular). Infrutíferas as tentativas de execução contra a empresa, foi requerida a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, pretendendo-se, com isso, atingir o patrimônio da titular.
No curso do redirecionamento da execução trabalhista contra a titular da EIRELI, sua a filha informou sobre o falecimento da mãe, dizendo, ainda, que não havia em curso qualquer processo de inventário dos seus bens contra os quais pudesse ser satisfeito o crédito trabalhista. Aparentemente, pretendeu a herdeira que a execução se extinguisse dado que não havia bens, nem da empresa, nem da sua titular falecida, para o pagamento da dívida trabalhista.
No entanto, não foi esse o caminho trilhado pela Justiça Trabalhista.
Ao analisar o caso[1], o titular da 2ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro adotou uma teoria própria do Direito do Trabalho, denominada Teoria do Risco da Atividade Econômica. Segundo essa teoria, “quando o empregado ajusta, no contrato individual de trabalho, o recebimento de salário, ele renuncia ao resultado do seu trabalho, ou seja, o salário é o pagamento pela força dispendida, que gera um resultado (lucro) que será “propriedade” do empregador. Sendo o lucro do empreendimento propriedade do empregador, este assume, por consequência, o eventual prejuízo advindo daquele, o que é próprio do sistema capitalista de produção.”
E continuou:
“Assim, no Direito do Trabalho, por força do artigo 2º da CLT, o empregador assume o risco da atividade econômica, não podendo transferi-la ao empregado, esta é a Teoria do Risco da Atividade Econômica”.
Com esse raciocínio, foi autorizada a desconsideração da personalidade jurídica da EIRELI para que a execução trabalhista atingisse o patrimônio da sua titular. Mas, dado o seu falecimento e a ausência de abertura de inventário pela herdeira, a decisão se baseou no art. 568, inciso II do antigo Código de Processo Civil (atual art. 779 do Código de Processo Civil de 2015 – CPC/2015) para redirecionar a execução mais uma vez, mas agora contra a herdeira.
Diz o art. 779 do CPC/2015:
“Art. 779. A execução pode ser promovida contra:
I – o devedor, reconhecido como tal no título executivo;
II – o espólio, os herdeiros ou os sucessores do devedor;
III – o novo devedor que assumiu, com o consentimento do credor, a obrigação resultante do título executivo;
IV – o fiador do débito constante em título extrajudicial;
V – o responsável titular do bem vinculado por garantia real ao pagamento do débito;
VI – o responsável tributário, assim definido em lei.”
A suposta falha da herdeira em abrir o processo de inventário não impediu o redirecionamento da execução trabalhista contra ela. A decisão entendeu que o empregado não poderia correr o risco da atividade empresarial, cabendo esse ônus a quem se beneficiou da atividade econômica, ainda que na qualidade de herdeiro.
Vale transcrever outro trecho da decisão:
“Outrossim, no tocante à inexistência de inventário, o exequente não pode ser penalizado pela incúria ou esperteza dos herdeiros em não promover o inventário dos bens da falecida, o que inviabiliza a formação de espólio. Assim, considerados os termos do art. 568, II, do CPC, cabível a inclusão dos herdeiros no polo passivo da execução, observado o limite da herança, na forma prevista no art. 1792/CC.”
A ressalva do trecho final acima transcrito diz respeito ao montante da responsabilidade patrimonial da herdeira.
Nos termos do art. 1.792 do Código Civil, “o herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados”. Em outras palavras, no caso julgado, a herdeira será responsabilizada por toda a execução trabalhista, salvo se conseguir provar que o montante executado supera o valor dos bens herdados, especialmente na ausência de processo de inventário.
Os fundamentos da decisão não se restringem às execuções trabalhistas ao direito trabalhista, podendo incluir responsabilização de herdeiros por outros tipos de dívidas até o limite do valor herdado. Por essa razão, não apenas o planejamento patrimonial e sucessório deve ser estruturado adequadamente, a fim de preservar herdeiros, como também a própria aceitação da herança.
Em casos em que o valor das dívidas e execuções excedem o valor dos bens a serem herdados, devem os herdeiros avaliar a conveniência e oportunidade de não aceitarem expressamente (isto é, renunciarem) a herança. A falta de abertura de inventário, como visto, não impede o redirecionamento de execuções contra eventuais herdeiros e, por essa razão, situações como essa devem ser cuidadosamente avaliadas, considerando todos os cenários possíveis.
[1] Ação Trabalhista – Rito Ordinário 0100086-91.2018.5.01.0002, julgamento em 10.01.2022.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.