A traição financeira é tão grave quanto à amorosa.
Nossa sociedade é educada para o consumo, para o imediatismo. Veja o sucesso dos novos meios de pagamento como o PIX.
Contudo, os eventos futuros, envolvendo morte, patrimônio e planejamento financeiro são muitas vezes tratados como um tabu; raramente são conversados, considerados e estruturados abertamente entre os casais.
Não obstante a longevidade do relacionamento, muitos parceiros não planejam as suas finanças, não tendo o prévio controle e ciência dos gastos e dívidas do seu consorte. O problema se agrava na hipótese de saldo a descoberto em conta-corrente conjunta, com surgimento de dívidas e, na pior das hipóteses, com inserção do nome nos serviços de proteção ao crédito e enfrentamentos judiciais. Um relacionamento já estremecido pode se romper de vez quando esses “segredos financeiros” venham a prejudicar o(a) parceiro(a) inocente.
Conforme se sabe, a conta-corrente é uma conta de depósito, mantida em uma instituição financeira, que pode ser gratuita ou ter taxas, individual ou conjunta.
Em termos jurídicos, a conta-corrente bancária é um contrato atípico, por meio do qual o banco se obriga a receber valores monetários entregues pelo correntista ou por terceiros e proceder a pagamentos por ordem do mesmo correntista, utilizando esses recursos.
A conta-corrente, como regra, não gera rendimentos. É mais utilizada para despesas do dia a dia, compras comuns e débitos corriqueiros, faturas mensais etc.
Contas bancárias têm burocracia e taxas. Por este motivo, mediante esforços comuns, muitos clientes optam pela conta conjunta para permitir um melhor planejamento do orçamento familiar ou do casal, além de gerar menores taxas e maior movimentação de fundos. Há uma colaboração mútua dos envolvidos.
A conta bancária coletiva ou conjunta pode ainda ser indivisível ou solidária.
Na opção de conta corrente conjunta com titulares solidários, cada titular poderá movimentá-la separada e independentemente dos outros, bem como, dispor do saldo, realizar depósitos, retiradas, frisa-se, sobre a totalidade dos fundos disponíveis isoladamente.
Por outro turno, na modalidade indivisível ou não solidária, a movimentação bancária só poderá ser efetuada com a assinatura de todos os titulares da conta, frisa-se, simultaneamente, ressalvada a outorga de mandato a um ou alguns para fazê-lo.
Compartilhar a conta bancária pode facilitar a administração de gastos em comum, mas demanda muito diálogo, pois pode trazer implicações indesejadas.
A título de ilustração, se um dos titulares da conta conjunta tiver algum débito em uma conta individual, for processado e sofrer uma execução, é possível que os recursos da conta conjunta sejam bloqueados por meio do mecanismo de penhora online.
A penhora de valores contidos em conta bancária conjunta é admitida pelo ordenamento jurídico. Nessa linha, predomina na jurisprudência[1] o entendimento, segundo o qual a penhora sobre numerário existente em conta-corrente conjunta, em razão de débitos exequendos, contraídos por um dos consortes, não pode se dar em proporção maior que o numerário pertencente ao devedor da obrigação.
A penhora deve preservando-se o saldo dos demais cotitulares, aos quais é franqueada a comprovação dos valores que integram o patrimônio de cada um, sendo certo que, na ausência de provas nesse sentido, presume-se a divisão do saldo em partes iguais. (STJ, REsp nº 1.184.584. Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgamento em 22.04.2014).
A abertura de conta corrente, enquanto contrato bancário, deve ser pautada pela intenção de planejamento financeiro e esforços comuns, e não no intuito de fraudar a execução, blindando o patrimônio do devedor, de qualquer efeito expropriatório, por meio de associação com parceiro fictício ou laranja.
O risco judicial acima exposto mostra a necessidade de um planejamento financeiro para o casal, como ferramenta de gestão do controle orçamentário associado a uma reserva de valores, que tem como objetivo garantir maior transparência, responsabilidade e ordem de prioridades a seus pares, especialmente para casos de infortúnios e contingências (desemprego, doenças e etc).
São boas práticas de economia e hábitos saudáveis para melhorar a relação com o dinheiro e por consequência, a qualidade de vida conjugal.
Alexandre Assaf Filho é advogado especializado em direito societário e direito das startups, e sócio do Assaf Advogados, em Ribeirão Preto/SP.
[1] É um tema bastante debatido na doutrina e jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça vai enfrentar a questão para fins de harmonizar a jurisprudência sobre “a possibilidade ou não de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo” (Eg. Superior Tribunal de Justiça. Corte especial. ProAfR no REsp nº 1.610.844. Relator Min. Luis Felipe Salomão. Julgado em 11/05/2021). Neste mesmo recurso, há parecer do Ministério Público Federal, opinando “pela possibilidade de penhora integral de valores depositados em conta bancária conjunta, na hipótese de apenas um dos titulares ser sujeito passivo de processo executivo”.