Por David Roberto R. Soares da Silva
O planejamento patrimonial e sucessório do produtor rural deve levar em conta algumas peculiaridades da atividade rural, especialmente a forma pela qual é tributada a atividade rural desenvolvida pela pessoa física. O conhecimento da tributação da atividade rural do produtor é essencial para evitar surpresas desagradáveis e consequências indesejadas as quais, por vezes, sé se relavam quando o planejamento já está sendo implementado.
Para falar sobre o planejamento patrimonial e sucessório do produtor rural, dividi o assunto em dois artigos distintos. Nesta primeira parte, o foco será a tributação da atividade rural e suas peculiaridades. Na segunda parte, o centro da discussão será a holding rural.
A legislação tributária brasileira estabelece uma série de regras específicas de apuração do resultado tributável da atividade rural exercida por pessoa física. Tais regras se diferenciam daquelas aplicáveis aos rendimentos tributáveis em geral, pois permitem deduções e compensações não disponíveis àqueles que não exercem atividade rural. O resultado da atividade rural apurado conforme essa regulamentação será levado para a Declaração de Ajuste Anual do produtor, para, então, ser tributado com os demais rendimentos.
De início, vale dizer que não é toda atividade exercida no meio rural que se qualifica para a tributação especial da atividade rural. A legislação tributária lista as atividades elegíveis para o tratamento especial de atividade rural, sendo a Instrução Normativa nº 83/2001, da Receita Federal, o ato normativo mais relevante sobre a tributação da atividade rural. Incluem-se como atividade rural, por exemplo, a agricultura, a pecuária, a extração e exploração vegetal e animal, a exploração de atividades zootécnicas (ex., avicultura), captura de pescado.
Tema que merece atenção diz respeito às atividades de transformação de produtos rurais, pois nem todas se qualificam para o tratamento tributário especial como atividade rural. Via de regra, são consideradas como atividade rural, a transformação de produtos que não alterem a composição e características do produto in natura com uso exclusivo de matéria prima produzida na própria propriedade. É o caso, por exemplo, de descasque de arroz, debulha de milho, conserva de frutas, moagem de grãos, produção de mel, atividades com laticínios, produção de adubo etc. O cultivo de florestas também qualifica como atividade rural.
Outras atividades, embora possam estar relacionadas com o campo, não são consideradas rurais e, assim, não podem se beneficiar do tratamento tributário especial. É o caso, por exemplo, da industrialização bebidas alcoólicas, óleos essenciais, arroz beneficiado em máquinas industriais, fabricação de vinho, a comercialização de produtos rurais de terceiros, a industrialização de pescado, o aluguel de máquinas e equipamentos agrícolas, a extração de recursos minerais extraídos de propriedade rural, exploração de turismo rural e de hotel fazenda.
As receitas dessas atividades são tributadas como os demais rendimentos tributáveis, via de regra, por meio da tabela progressiva (Carnê-Leão ou retenção na fonte). No caso de venda de bens, o tratamento adequado será o de ganho de capital, também fora do âmbito da atividade rural.
A receita bruta da atividade rural é formada pelas vendas dos produtos oriundos da atividade rural explorada pelo próprio produtor, sem dedução do ICMS ou Funrural. Nela também se deve incluir outros valores recebidos pelo produtor rural, como auxílios, subvenções, subsídios governamentais.
Quando o produtor vende bens utilizados na exploração da atividade rural, como, por exemplo, máquinas, equipamentos, ferramentas, o valor integral da venda será adicionado como receita bruta da atividade rural e não receberá o tratamento de ganho de capital sobre o “lucro” eventualmente apurado.
Ponto que merece atenção é a transferência de bens da atividade rural a título de conferência de bens ao capital social de uma empresa como, por exemplo, uma holding (rural ou não). Diferentemente dos demais bens não utilizados na atividade rural, os bens da atividade rural, quando conferidos ao capital social de uma empresa, devem ser computados como receita da atividade rural no momento da capitalização. Isso ocorre pois, como veremos adiante, o produtor rural pode, quando da aquisição desses bens, deduzir o seu valor da receita bruta da atividade rural, tal como uma despesa dedutível.
Ora, se deduziu o valor do bem como despesa, deverá reverter essa dedução se quiser usar o mesmo bem como um “ativo” ser integralizado no capital social de uma empresa.
Essa situação exige cuidados especiais ao se pensar na holding rural como possível solução sucessória para o produtor rural. O profissional envolvido no planejamento patrimonial e sucessório deverá fazer uma revisão detalhada do histórico de deduções de bens rurais pelo produtor para mensurar o impacto tributário na eventual reversão dessas no IR a pagar quando da capitalização dos bens na holding. A desatenção a essa providência poderá causar surpresas tributárias muito desagradáveis.
Da receita bruta, o produtor rural pode deduzir despesas de custeio inerentes à atividade rural, assim definidas como aquelas necessárias à percepção da renda e à manutenção da atividade rural[1]. A diferença positiva entre a receita bruta e as despesas dedutíveis é chamada de “resultado da atividade rural” e será a base de incidência do imposto de renda.
Outra característica da atividade rural é que as suas despesas dedutíveis tampouco seguem as regras gerais do IR. Elas possuem um conceito e alcance mais abrangente, permitindo um leque muito variado de deduções. Tais despesas da atividade rural incluem aquelas com máquinas, equipamentos e veículos usados na atividade rural, seu aluguel, peças de reposição, manutenção, combustíveis, lubrificantes, serviços de mecânico e salários.
Também são despesas dedutíveis na atividade rural os investimentos na atividade produtiva, assim entendidas as aplicações de capital para o desenvolvimento da atividade rural, à expansão da produção e à melhoria da produtividade. São exemplos de investimentos dedutíveis as benfeitorias (construção, instalações, reparos etc.), culturas permanentes (florestas e pastagens), a aquisição de tratores, implementos, equipamentos, máquinas, veículos de carga de uso exclusivo na atividade rural, animais de trabalho, de produção e de engorda, serviços técnicos, insumos, reprodutores e matrizes, sementes e mudas, corretivos do solo, fertilizantes, vacinas e defensivos vegetais e animais, e outros tantos.
Investimentos dedutíveis na atividade rural
O pagamento de serviços inerentes à atividade rural também é dedutível como despesa de custeio, incluindo serviços de colheita, debulha, enfardação, sementeira, plantação, secagem, limpeza, trituração, desinfecção e ensilagem de produtos agrícolas, armazenagem de produtos agrícolas, locação, para fins rurais, assistência técnica etc.
O resultado da atividade rural será a diferença entre o valor da receita bruta recebida e o das despesas de custeio e de investimentos pagos no ano-calendário e devidamente escriturados no Livro-Caixa. Vale destacar que a receita bruta e as despesas serão aquelas verificadas em todas as propriedades exploradas pelo produtor rural. Vale dizer que a apuração de resultado é feita globalmente e não por unidade rural explorada.
Outra peculiaridade é que, do resultado positivo da atividade rural do ano, o produtor rural poderá deduzir prejuízos apurados em anos anteriores, sem qualquer limitação, desde que devidamente escriturados em Livro-Caixa e documentados. Permanecendo positivo o resulta, ele então integrará a base de cálculo do imposto de renda.
A atividade rural ainda permite uma sistemática simplificada de resultado presumido, tal como o Lucro Presumido das pessoas jurídicas. O produtor poderá optar por considerar como resultado (tributável) da atividade rural, o equivalente a 20% da receita bruta do ano-calendário, mas nesse caso não poderá compensar prejuízos de anos anteriores.
O que se verifica do exposto acima é que as regras tributárias especiais da atividade rural exigem atenção redobrada daqueles que atuam com planejamento patrimonial do produtor rural. O planejamento demanda conhecimentos específicos, necessita de análises prévias não exigidas em situações “normais” e não pode se limitar apenas à reorganização dos bens.
[1] Instrução Normativa SRF nº 83/2001, Art. 7º.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
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