No atendimento de famílias ligadas ao agronegócio em busca de planejamento patrimonial e sucessório, uma das principais dúvidas diz respeito ao imposto de renda (IR) sobre o ganho de capital na alienação de imóveis rurais. O tema é relevante, pois foge às regras gerais do ganho de capital
A legislação vigente indica que, para fins de apuração do ganho de capital, deve ser abatido do valor de alienação, o valor de aquisição dos bens e direitos objetos da transação. Em outras palavras, o ganho de capital é entendido como a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem e o respectivo custo de aquisição.
A Lei nº 7.713/1988 (art. 16) estabelece que o custo de aquisição será o preço ou valor pago pelo bem ou direito, definindo, ainda, qual será o custo de aquisição quando não for possível definir o preço ou valor pago na aquisição ou quando este for igual a zero.
Trata-se, porém, de regra geral de apuração do ganho de capital para fins de imposto sobre a renda.
Acontece que o legislador brasileiro criou uma regra específica para a alienação de imóveis rurais, contemplada na Lei nº 9.393/1996. Essa lei trouxe relevantes alterações na apuração do ganho de capital na alienação de imóveis rurais a partir de 1º de janeiro de 1997.
Conforme já mencionado, a regra geral determina que o ganho de capital resulta da diferença positiva entre o valor da alienação do bem ou direito e o seu custo de aquisição, ambos determinados com base nos valores reais da transação.
Contudo, tratando-se de imóvel rural, a determinação do ganho de capital é específica, dependendo da sua data de aquisição. Para os imóveis adquiridos após o dia 1º de janeiro de 1997, o ganho de capital resulta da diferença positiva entre o Valor da Terra Nua (VTN) declarado no ano da alienação e o VTN declarado no Documento de Informação e Apuração do ITR (DIAT) no ano da compra, conforme dispõe o Art. 19 da Lei nº 9.393/96.
Mas nada é tão simples quanto parece.
Não há como se apurar o ganho de capital na alienação de imóvel rural sem antes observar que o resultado da atividade rural goza de uma tributação diferenciada, prevista na Lei nº 8.023/1990. O Art. 4º desta Lei considera resultado da atividade rural a diferença entre os valores das receitas recebidas e das despesas pagas no ano-base, sendo esse resultado líquido que deverá ser considerado como base de cálculo do IR a ser apurado sobre a atividade rural.
Os investimentos realizados na atividade rural, assim considerados as aplicações de recursos financeiros tendo como finalidade o desenvolvimento da atividade para expansão da produção ou melhoria da produtividade agrícola, são considerados despesas para fins de apuração da base de cálculo. Contudo, a parcela correspondente ao valor da terra nua não segue essa sistemática, e deve ser tributada como ganho de capital.
Sendo assim, se as benfeitorias existentes no imóvel rural devem ser utilizadas como despesas da atividade rural, por certo que elas não podem ser utilizadas também para apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural. Assim, enquanto as benfeitorias integram as despesas para fins da apuração do IR da atividade rural, o valor da terra nua deve ser tributado em separado, como ganho de capital.
Relativamente aos imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 1997, o ganho de capital deverá ser apurado na nova sistemática, calculando a diferença entre o VTN declarado no ano de venda e o VTN do ano de aquisição. Disso, podemos concluir que se o imóvel for adquirido e alienado ao longo de um mesmo ano, ainda que a alienação se dê por valor superior ao da compra, nenhum ganho de capital será devido.
Contudo, para imóveis adquiridos antes de 1º de janeiro de 1997, o parágrafo único do Art. 19 da Lei nº 9.393/1996 determina que “na apuração de ganho de capital correspondente a imóvel rural adquirido anteriormente à data a que se refere este artigo, será considerado custo de aquisição o valor constante da escritura pública, observado o disposto no art. 17 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995”. Isso nos leva a crer que o custo de aquisição deve ser considerado como o valor constante da escritura pública, ao passo que o custo de alienação será o VTN declarado no ano da alienação.
Isso configura, portanto, forma hibrida de apuração do ganho de capital.
Embora esse seja o nosso entendimento, não podemos dizer o mesmo da Receita Federal que, ao editar a Instrução Normativa SRF nº 84/2001, estabeleceu (Art. 10), uma forma de apuração do ganho de capital distinta daquela estabelecida pelo Art. 19 da Lei nº 9.393/1996, conforme o caso. Dispõe a mencionada IN que:
- se o contribuinte adquirir e vender o imóvel rural antes da entrega do DIAT, o ganho de capital é igual à diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição;
- se o contribuinte adquirir o imóvel rural antes da entrega do DIAT e aliená-lo no mesmo ano, após a sua entrega, não ocorrerá ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor; e,
- se não for apresentado o DIAT relativamente ao ano de aquisição ou de alienação, ou a ambos, considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e alienação.
Verifica-se, portanto, que a Receita Federal condiciona a aplicação do Art. 19 da Lei nº 9.393/1996 à entrega do DIAT.
Ocorre que a entrega do DIAT não foi expressamente definida como critério pela Lei nº 9.393/1996 como condicionante para a apuração do ganho de capital. De fato, a data de entrega do DIAT é insignificante posto que o VTN será único para todo o ano, independente de quando o DIAT é formalizado.
Admitir que a Receita Federal possa definir a base de cálculo do tributo por meio de Instrução Normativa, matéria esta que é de competência exclusiva da Lei, configura violação ao princípio da estrita legalidade tributária, insculpido no art. 150, I da Constituição da República.
Nesse mesmo sentido é o entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) em seu mais recente julgado sobre o assunto:
IRPF. GANHO DE CAPITAL. IMÓVEL RURAL. LEI 9393/96. CUSTO DE AQUISIÇÃO E VALOR DE ALIENAÇÃO. SISTEMÁTICA DE APURAÇÃO. VTN. FALTA DO DIAC OU DO DIAT. APLICAÇÃO DO ART. 14. ANTINOMIA COM A IN SRF 84/2001. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. 1. Quanto aos imóveis rurais, a Lei 9393/96, que dispõe sobre o ITR, também regulamenta a apuração do ganho de capital a partir de 1º de janeiro de 1997, estipulando que se considera custo de aquisição e valor de venda do imóvel rural o VTN declarado, na forma do art. 8º, observado o disposto no art. 14, respectivamente, nos anos de sua aquisição e de sua alienação. 2. A falta de declaração dos VTNs implicará o seu arbitramento de conformidade com o sistema de preço de terras. 3. O § 2º do art. 10 da IN SRF 84/2001, ao prever como custo e valor de alienação os constantes nos respectivos documentos de aquisição e alienação, não se compatibiliza com as normas legais retro mencionadas. 4. O critério jurídico utilizado pela autoridade lançadora está equivocado, de forma que o lançamento deve ser cancelado. (Acórdão. 2402-005.934 – 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária, j. em 08/08/2017).
Neste mesmo sentido já vinha decidindo o Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4:
TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IRPF. VENDA DE IMÓVEL RURAL. GANHO DE CAPITAL. FORMA DE APURAÇÃO. CRITÉRIOS. INSTRUÇÃO NORMATIVA SRF Nº 84/2001. LEI Nº 9.393/96.
1. A regra estabelecida no art. 10º, caput e § 2º, da IN/SRF nº 84/2001, ao restringir as hipóteses em que o valor da terra nua declarado na DIAT possa ser utilizado para fins de apuração do imposto de renda sobre ganho de capital (IR/GCAP) na venda de imóveis rurais adquiridos a partir de 1997, está, em tese, confrontando a previsão legal contida no artigo 19 da Lei nº 9.393/1996, o qual não exige que a DIAT tenha sido apresentada necessariamente pelo adquirente.
2. A Lei nº 9.393/1996 prevê que, mesmo em caso de não apresentação da DIAT, ainda assim não seriam considerados na apuração do IR/GCAP o valor da terra nua registrado das transações imobiliárias, mas sim o valor da terra nua constante do sistema de informações de preços de terras de que dispõe a Receita Federal.
3. Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº XXXXX-94.2015.4.04.7001/PR, 2ª TURMA, RELATOR: DES. OTÁVIO ROBERTO PAMPLONA, j. em 12/04/2016).
Partindo-se para a prática: o que ocorre se o contribuinte não entregar o DIAT?
Qual será a base de cálculo do ganho de capital para fins de incidência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física? Conforme disposto no Art. 14 da Lei nº 9.393/1996, no caso de falta de entrega do DIAT, bem como de subavaliação ou prestação de informações inexatas, incorretas ou fraudulentas, o ganho de capital será determinado considerando informações sobre preços de terras, constante em sistema instituído pela Receita Federal, bem como os dados de área total, área tributável e grau de utilização do imóvel.
Sendo assim, a análise quantitativa do até aqui exposto é pertinente para evidenciar a peculiaridade da apuração da base de cálculo do IR sobre ganho de capital na alienação de imóvel rural, com base no Valor da Terra Nua.
Partimos dos seguintes casos hipotéticos, referentemente à venda de imóvel rural pelo valor de R$ 18 milhões:
- no Caso 1, o contribuinte apura o ganho de capital com base nos valores reais da transação, com base na regra geral, isto é, sem o benefício da Lei nº 9.393/1996; e,
- no Caso 2, o contribuinte apura o ganho de capital com base no Valor da Terra Nua, de acordo com o Art. 19 da Lei nº 9.393/1996.
Neste sentido:
Caso 1 – Apuração do Ganho de Capital pela Regra Básica | |
Diferença positiva entre o Valor de Alienação e o Custo de Aquisição | |
Custo de Aquisição | R$ 4.000.000,00 |
Valor de Alienação | R$ 18.000.000,00 |
Ganho de Capital | R$ 16.000.000,00 |
Caso 2 – Apuração do Ganho de Capital pelo VTN | |
Diferença positiva entre o VTN da Alienação e o VTN da Aquisição | |
VTN da Aquisição | R$ 3.000.000,00 |
VTN da Alienação | R$ 6.500.000,00 |
Ganho de Capital | R$ 3.500.000,00 |
Nota-se claramente que a apuração do ganho de capital, ao menos no exemplo acima, é muito mais vantajosa ao contribuinte quando se utiliza os benefícios da Lei nº 9.393/1996.
Contudo, uma pergunta que dificilmente é respondida pelos artigos que tratam da apuração do ganho de capital na alienação de imóvel rural diz sobre o tratamento tributário da diferença entre o valor de alienação do contrato (R$ milhões) e o VTN da data da alienação (R$ 6,5 milhões).
A resposta é simples e leva em consideração o conceito de terra nua.
Para a Receita Federal, enquadra-se como terra nua o solo com sua superfície, assim como as florestas naturais, as matas nativas e as pastagens naturais que integram o imóvel rural.
Assim, a diferença entre o valor de alienação do contrato (R$ 18 milhões) e o VTN da data da alienação (R$ 6,5 milhões), deverá ser interpretado como tudo que não for solo, floresta natural, mata nativa e pastagem natural e, por consequência, deverá integrar a receita bruta da atividade rural nos termos e condições do Art. 4º da Lei nº 8.023/1990, regulamentada pelo Art. 5º da Instrução Normativa SRF nº 83/2001.
Em outras palavras, aquilo que não for terra nua, não deverá integrar o cálculo do ganho de capital, mas sim o cálculo da atividade rural a ser apurada ao fim do exercício.
Felipe Pereira Louzada é advogado tributarista, associado sênior do BLS Advogados em São Paulo, e coautor do livro Renda Variável e do e-book Saída Definitiva do País – Guia Prática das Obrigações Tributárias, publicados pela Editora B18.
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Feita a apuração do Ganho de Capital pela diferença de VTN, como lançar o valor total da alienação, que é diferente do VTN, na declaração de IR da pessoa física ?? Como Receita Isenta ???