Por Bruno Lima e Moura de Souza
Viajar e conhecer o mundo é um privilégio enorme. Tom Stuker, empresário americano, acumulou mais de 21 milhões de milhas, o que fez dele o passageiro mais frequente do mundo[1]. Com esse número de milhas é possível realizar o sonho de muitos de conhecer o mundo. Mas, o que aconteceria com essas milhas caso o Sr. Stuker fosse brasileiro e viesse a ser “promovido” dessa para a melhor?
É sabido que o Direito das Sucessões é o conjunto das normas que disciplinam a transferência do patrimônio (ativo e passivo – créditos e débitos) de alguém, após sua morte, em virtude de lei ou de testamento[2]. Assim, os herdeiros da pessoa que foi “promovida” herdarão os bens por ela deixados.
No entanto, ao falarmos sobre a transmissão de milhas aos herdeiros, as regras de Direito Sucessório não se aplicam. É o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ).
De forma unânime, a 3ª Turma do STJ decidiu ser válida a cláusula contratual do programa de milhagens da Latam que impossibilita a transmissão das milhas aos herdeiros. Há de se destacar que os programas de fidelidade de outras companhias aéreas também possuem cláusulas impeditivas semelhantes à da Latam.
Em ação civil pública[3] ajuizada pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, a Proteste – como é conhecida a entidade -, pleiteou que fosse declarada a nulidade de cláusula contratual que extingue a pontuação (milhas) do consumidor em caso de morte, e que fosse dado ao consumidor a alternativa de transferir os pontos para outro programa ou o seu ressarcimento em dinheiro.
A alegação principal da Proteste foi a de que os pontos adquiridos com planos de fidelidade, ou planos de milhas, não são brindes, mas sim direitos patrimoniais. De acordo com a Proteste, o programa de fidelidade é uma modalidade de remuneração indireta, ou mediata do bilhete de passagem aérea, ou de qualquer outro bem adquirido com o resultado da cumulação de pontos. Ao pagar o preço da passagem ou utilizar serviços que contam pontuação, o consumidor está pagando em parcelas um produto ou serviço que somente usufruirá quando alcançar determinada pontuação, ou seja, somente se efetivará quando terminar de pagar.
Em que pese as alegações da Proteste, a 3ª Turma do STJ entendeu se tratar de contrato unilateral, em que não existe a possibilidade de o consumidor discutir ou modificar o seu conteúdo. Some-se a isso o fato de que apenas a companhia aérea assume obrigações, além do que o consumidor que pretende aderir ao programa de milhas e dele se beneficiar não precisa desembolsar nenhuma quantia para efetivar essa adesão.
Assim, por se tratar de contrato considerado como de adesão, unilateral e gratuito, as cláusulas devem ser interpretadas de forma restritiva, conforme estabelece o Art. 114 do Código Civil[4], de modo que os herdeiros não fazem jus às milhas deixadas pelo falecido, devendo prevalecer o estabelecido no contrato do programa de milhas.
Assim, quando a pessoa é “promovida” dessa para a melhor as milhas acumuladas em seu nome são poderão ser transmitidas aos seus herdeiros, conforme decidido pelo STJ. No caso hipotético de o Sr. Stuker ser brasileiro, ele perderia todas as 21 milhões de milhas acumuladas, de modo que, neste caso, o melhor a se fazer é utilizar a milhas o quanto antes para que elas não venham a se perder com a “promoção” do contratante.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do BLS Advogados em São Paulo.
[1] Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Empreendedorismo/noticia/2019/08/empreendedor-acumula-21-milhoes-de-milhas-e-se-torna-o-passageiro-mais-frequente-do-mundo.html.
[2] Planejamento patrimonial: família, sucessão e impostos / David Roberto R. Soares da Silva… et al. – 2. ed. rev.atual. ampl. – São Paulo (SP): Editora B18 Ltda, 2022. pp. 59.
[3] REsp nº 1878651 / SP.
[4] “Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente”.
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