Questão recorrente em processos de inventário é sobre a responsabilidade dos herdeiros e sucessores pelas dívidas tributárias da pessoa falecida. Afinal, pode o Estado cobrar dívidas tributárias de falecida pessoa? Como fica uma execução fiscal movida contra o espólio ou herdeiros? Há limites nessa cobrança?
Quando se fala em herança, o primeiro pensamento que vem à mente é quase uníssono: bens ativos. Pensa-se em imóveis, ações, dinheiro, mas quase nunca damos atenção às dívidas. E não estamos falando do ITCMD, o imposto sobre transmissão de bens em razão da morte. As dívidas que nos referimos são as decorrentes da nossa existência parcialmente dedicada ao pagamento de impostos – imposto de renda, IPTU, ISS etc.
Diz a lei que a responsabilidade dos sucessores – herdeiro, meeiro, testamenteiro – ocorre até o momento da partilha, limitada essa mesma responsabilidade, pelos tributos devidos, ao montante da meação ou do quinhão recebido.
É dizer: com a morte de alguém, instantaneamente tem-se a figura do espólio, visto como a massa patrimonial do de cujus, gerido pelo administrador provisório, geralmente o cônjuge ou companheiro sobrevivente. Com a abertura do inventário, começa a individualização deste patrimônio, dando a quem o quê de direito, não sem antes descontar as dívidas deixadas pelo finado, o que inclui, obviamente, os tributos devidos em vida.
Mas atenção: a dívida deixada pelo falecido não pode ultrapassar a meação ou quinhão da partilha.
Por exemplo, o Sr. Noronha deixou aos seus dois herdeiros ativos no valor de R$ 500 mil e uma dívida de imposto de renda de R$ 1 milhão. Cada herdeiro, então, recebe R$ 250 mil em ativos e R$ 500 mil em dívidas tributárias. Com as dívidas superando muito os valores a serem herdados, na prática, os herdeiros nada recebem. Os R$ 500 mil restantes do imposto devido não serão transmitidos aos herdeiros, e a dívida será extinta, pois a responsabilidade tributária não pode ultrapassar o limite da herança.
Esse panorama se refere a dívidas já constituídas quando da ocorrência da morte, o que é bem diferente quando essa mesma dívida é vertida em processo de cobrança, mais especificamente, numa execução fiscal.
A postura da Fazenda Pública, como credora, é ingressar perante Judiciário com uma execução fiscal, amparada por um título executivo chamado certidão de dívida ativa – onde constam nome do devedor, fato gerador, período exigido e valor – com a finalidade de obter a satisfação (pagamento) do seu crédito. Na esmagadora maioria das vezes, assim o faz com a observância somente do nome do contribuinte que consta na CDA, sem se preocupar se ele está vivo ou “passou dessa para melhor”.
Quando a Fazenda se depara com um contribuinte falecido em seu processo de execução fiscal, ela automaticamente requer ao juiz de primeira instância a alteração do polo passivo da demanda, substituindo o falecido pelos seus herdeiros.
Mas isso não vem sendo aceito pelos Tribunais.
De fato, o Judiciário vem limitando as situações nas quais a Fazenda Pública pode exigir o valor devido a título de dívida tributária. E o raciocínio é bem simples: o redirecionamento de uma execução fiscal aos sucessores só pode ocorrer quando houver a citação do devedor ainda em vida.
E mais, também não se admite que a certidão de dívida ativa conste nome de falecida pessoa, sem se ater que ela – por óbvio – não mais responde por eventuais obrigações fiscais, cabendo, sim, a feitura do título executivo em nome do espólio.
Voltando ao exemplo do Sr. Noronha, digamos que seu óbito ocorreu em 10/10/2019, e a Receita Federal apurou seu crédito de R$ 1 milhão, em 05/03/2022. No entendimento dos Tribunais, a constituição do crédito tributário não poderia ser feita em seu nome, e caso fosse, culminaria com um processo viciado, sem condições de prosseguimento por falta de legitimidade, pois deve o órgão fazendário apurar quem de fato é o devedor, que no caso, é o espólio do finado.
Por outro lado, caso houvesse a constituição do crédito tributário antes da morte do Sr. Noronha, e, aparelhada por certidão de dívida ativa em seu nome, ingressasse o órgão federal com uma execução fiscal, realizando a citação depois de 10/10/2019 – data da sua morte – também estaria o processo fadado ao fracasso, pois, novamente, o instrumento que legitima a cobrança do tributo está errado, nulo de pleno direito. Isso porque o Sr. Noronha – independente de credo – atualmente reside em outra morada, não existe mais como sujeito de direitos e obrigações, e como tal, não pode mais responder por dívidas.
E por que ocorre esse fato? Existe um entendimento sumulado (pacificado) pelo Superior Tribunal de Justiça que diz o seguinte: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução”. Meio confuso, mas vamos deixar mais digerível:
A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa… | Prefeituras, Estados e União podem alterar o documento que serve de cobrança de seu crédito… |
…até a prolação de sentença… | …até a decisão do juiz de primeira instância… |
…de embargos… | …em embargos à execução fiscal (meio processual apto a discutir dívida tributária em processo de execução)… |
…quando se tratar de correção de erro material ou formal… | …quando for para corrigir o valor ou o fato gerador do tributo… |
…vedada a modificação do sujeito passivo da execução. | …restando proibida a alteração do nome de quem figura como devedor na ação de execução. |
Uma certidão de dívida ativa, como é constituída unilateralmente pelo credor, deve respeitar os ditames legais, e ponto central em sua formação é a indicação do real devedor/contribuinte. Assim, não pode a Fazenda Pública ingressar com uma execução, sendo que o contribuinte que ela aponta como devedor morreu há 2, 5, 10, 20 anos…
Ordinariamente, ciente do óbito, deve aparelhar seu título executivo em nome do espólio, que no nosso exemplo, seria do falecido Sr. Noronha.
Vejamos o que disse o Superior Tribunal de Justiça no AgRg no Agravo em Recurso Especial nº 324.015-PB: “No que tange à alegação do apelante de que a obrigação inserta na CDA é transmissível aos herdeiros, o STJ entendeu como indispensável a “notificação do espólio, na pessoa do seu representante legal, e a sua indicação diretamente como devedor no ato da inscrição da dívida ativa e, por conseguinte, na certidão de dívida ativa que lhe corresponde”.
E, para arrematar: “Logo, considerando que a certidão de dívida ativa foi emitida vinte anos após o falecimento do contribuinte, observo vício decorrente do próprio título, pois este não incluiu a viúva no lançamento, não teve o lançamento revisado, nem tampouco oportunizou a contribuinte o direito à impugnação. Deste modo, mostra-se impossibilitada a simples emenda da certidão de dívida ativa”.
Todos esses pontos, guardadas as suas particularidades, já passaram pelo crivo do STJ, sendo pacífico seu posicionamento contrário aos interesses fazendários. Sendo assim, podemos afirmar, e pontuar alguns passos que devem ser seguidos, caso haja uma execução fiscal em curso contra pessoa falecida:
- Verifique o nome descrito na certidão de dívida ativa;
- Compare a data do óbito com a data dos fatos geradores dos tributos levados à cobrança; e
- Repare como e quando ocorreu a citação, se em nome do falecido ou dos sucessores.
Mas, o mais importante, jamais deixe de consultar um profissional da área, versado em direito tributário e sucessório, ao se deparar com uma execução fiscal por dívidas tributárias de falecida pessoa. Mais do que sua tranquilidade, está em discussão parcela de um valor que pode lhe pertencer, trazendo conforto e bem-estar.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do BLS Advogados.
LIMITES DA HERANÇA E OUTROS TEMAS DE SUCESSÃO SÃO TRATADOS EM NOSSO ‘BEST-SELLER’ PLANEJAMENTO PATRIMONIAL
O meu sogro faleceu há quase 15 anos. Nesta semana veio uma cobrança de IRPF em malha Ref a 2004/2005, no cpf dele. O patrimônio deixado já foi absolvido pelos herdeiros.
O que fazer???
Neste caso, é importante consultar um tributarista e também o contador responsável pela entrega da Declaração Final de Espólio do seu sogro. A princípio, esse valor estaria prescrito, mas apenas um advogado tributarista poderá analisar o caso concreto e dar as recomendações pertinentes.