Por Roberto Campos
Uma das coisas que as pessoas mais confundem é como funciona o sistema de direitos hereditários nos diversos regimes de casamento. E isso é importante porque, não raro, pensa-se erroneamente que o cônjuge ou companheira(o) não terá nenhum direito ou terá mais direitos do que teria, nos diversos regimes existentes.
A lei brasileira permite que se escolha o regime de bens sob o qual o casal deseja que os bens estejam regidos na constância do casamento (Artigo 1639 do Código Civil). Se não escolher nenhum será adotado o regime da comunhão parcial de bens (Artigo 1640 do Código Civil), que é o mesmo regime adotado no caso de reconhecimento da união estável em que não se escolha outro regime ou nos casos de união estável não formalizada por escrito.
Mas, quem são os herdeiros? A lei estabelece uma ordem de prioridades que pode ser resumida da seguinte forma.
1. Herdeiros necessários: o cônjuge sobrevivente, quando casado em comunhão parcial de bens (no que se refere aos bens particulares da pessoa falecida), os descendentes e os ascendentes têm direito à herança em primeiro lugar, em partes iguais, pela ordem de proximidade do parentesco com o falecido e sem qualquer discriminação quanto à natureza da filiação.
Se o cônjuge também for pai, mãe, avô ou avó dos descendentes do falecido, deve receber pelo menos 25% da herança. Caso os avós morram depois de falecido o pai, os filhos deste (netos) herdam a parte que caberia ao pai falecido, que deve ser dividida igualmente entre eles.
Se, ao falecerem os avós, existirem somente netos, a herança será dividida entre eles em partes iguais.
2. Se não existirem descendentes, os pais e o cônjuge, independente do regime de casamento, herdam em partes iguais. Na falta dos pais, o cônjuge recebe 50% e os avós os outros 50%, em partes iguais para cada linha hereditária. Caso existam três avós, por exemplo, dois paternos e um materno, os paternos receberão 25% e o materno 25%.
3. Na falta de ascendentes ou descendentes, qualquer que seja o regime do casamento, o cônjuge recebe toda a herança.
Ao cônjuge também é assegurado, independentemente do regime do casamento e da sua parte na herança, o direito de morar no imóvel residencial da família, desde que seja o único imóvel com essa destinação do inventário. É o chamado direito real de habitação, que não se confunde com direito à herança ou meação.
O cônjuge separado judicialmente ou divorciado não tem direito à herança.
4. O companheiro(a) será herdeiro(a) dos bens adquiridos na vigência da união, exceto heranças e doações recebidos pelo falecido, nas condições seguintes:
a) se houver filhos comuns, divide com eles em partes iguais;
b) se existirem apenas filhos do falecido, receberá a metade do que couber a cada um deles;
c) não havendo filhos, terá direito a um terço, ficando o restante para os ascendentes;
d) não havendo descendentes ou ascendentes, terá direito à totalidade da herança.
5. Herdeiros facultativos: Não havendo cônjuge, descendentes ou ascendentes, são herdeiros os parentes colaterais, (os de até 4º grau: pela ordem, irmãos, sobrinhos, tios e primos). Os mais próximos excluem os remotos, exceto os sobrinhos, que têm o direito de representar os irmãos do falecido.
6. Caso não haja herdeiros, e na ausência de testamento, a herança vai para o município.
E o que acontece se houver testamento?
Por meio do testamento, uma a pessoa pode dispor de 50% do seu patrimônio como bem entender. Os restantes 50% são obrigatoriamente distribuídos entre os herdeiros necessários.
Resumindo, como fica a herança nos diversos regimes de casamento:
- Regime da Comunhão Parcial de Bens
Neste caso existem duas possíveis situações:
- Bens adquiridos antes do casamento (ou união estável) onde um cônjuge é herdeiro em concorrência com os herdeiros necessários. Isso quer dizer que ele concorre com os filhos ou com os pais, se não houver filhos do cônjuge falecido. Ou ainda herda tudo sozinho, se não houver filhos nem pais. Essa regra também vale para bens recebidos pelo falecido por doação ou herança (bens particulares).
- Bens adquiridos (onerosamente) durante o casamento (ou união estável): o cônjuge é meeiro, tem direito a 50% dos bens comuns do casal se houver herdeiros necessários ou 100% se não houver.
- Regime da Comunhão de Bens (comunhão total)
Esse é o caso mais simples, já que neste caso tudo comunica (bens comuns), é tudo dividido meio a meio, tanto do que já tinham como do que adquiriram na constância da relação.
Um cônjuge é sempre meeiro do outro, ou seja, se houver herdeiros necessários o cônjuge sobrevivente terá direito a 50% dos bens comuns do casal.
Havendo cláusula de incomunicabilidade (e/ou caso haja outros sub-rogados em seu lugar) pode haver alterações nessas condições, seja qual for o regime. São condições especiais, citadas no artigo 1668 do Código Civil, a cláusula de incomunicabilidade, bens gravados de fideicomisso, e dívidas anteriores ao casamento em casos específicos.
- Regime da Separação de Bens (separação total)
A escolha desse regime exige pacto antenupcial, assim como na comunhão total celebrada desde 2003. Normalmente o objetivo é não comunicar os bens para o outro cônjuge em caso de divórcio.
O problema é que as pessoas se esquecem que o cônjuge é herdeiro necessário. Ele concorre com os filhos ou com os pais, se não houver filhos do cônjuge falecido. Ou ainda herda tudo sozinho, se não houver filhos nem pais.
- Regime da Separação de Bens Obrigatório (Artigo 1641 do Código Civil)
A única diferença deste regime para o anterior é que ele não é opcional, é um regime obrigatório por lei. Acontece no caso de pessoas de idade avançada (60 anos) ou naqueles casos em que a lei exigir suprimento judicial para se casar.
Nesse caso sim, a lei retira o direito à herança do cônjuge. Ou seja, este é um caso diferente, uma exceção, onde um cônjuge não herda com a morte do outro.
Existe, ainda, o regime da participação final nos aquestos, mas ele é muito similar ao da separação total, no caso da herança, além disso, é um regime muito difícil de se encontrar no mundo real.
O regime padrão até a promulgação da Lei do Divórcio em 1977 (Lei nº 6.515/77) era o da comunhão universal de bens. A partir dessa lei o regime passou a ser o da comunhão parcial, inclusive nos casos de reconhecimento da união estável.
E por que isso tudo é importante?
Porque as pessoas esquecem, por exemplo, que um casal que tenha adotado o regime da separação total de bens pode se surpreender que com a morte de um dos cônjuges o outro tenha direito a receber parte dos bens do falecido.
Certamente os herdeiros que não sabiam que uma segunda esposa (que não é sua mãe) teria direito a uma parte dessa herança se surpreenderão quando for aberta a sucessão e esse assunto vier a ser pauta da conversa.
Isso é ainda mais importante quando estamos tratando de um patrimônio substancial ou de um patrimônio que vem na família por gerações. Especialmente se for uma empresa familiar com muitos anos de história que pode acabar nas mãos de uma pessoa que não é da família originalmente proprietária do negócio.
Imóveis que estão na família por gerações podem acabar nas mãos de um ramo totalmente diferente, origem de um segundo ou terceiro casamento, que a família não tinha ideia de que isso poderia acontecer.
Por isso, nesse caso, a estruturação de uma holding patrimonial familiar que destine o patrimônio adequadamente pode ser interessante. Mas, veja, é necessário analisar com muito cuidado os direitos, pois um cônjuge sobrevivente pode pedir a anulação da estrutura montada por infração ao seu direito hereditário. Tudo deve ser muito bem estudado para que os gastos incorridos não sejam infrutíferos.
Roberto Campos é contador, analista de investimentos e especialista em imposto de renda pessoa física e holding patrimonial.
Direitos sucessórios, regime de bens, holding imobiliária etc. são temas do nosso best-seller PLANEJAMENTO PATRIMONIAL. Saiba mais: