Uma segurança a mais para os contribuintes que fazem uso do instituto da compensação. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da multa de 50% sobre os valores objeto de pedido de compensação ou ressarcimento feitos à Receita Federal, o que impacta positivamente na vida das pessoas que fazem uso desse expediente. E muito!
Pedidos de compensação e ressarcimento de tributos são meios muito comuns de tornar a vida do contribuinte brasileiro um pouco menos tormentosa. Do encontro entre débito e crédito, tem-se a prerrogativa de requerer ao órgão fazendário que se abata da dívida, valor que se encontra contabilizado em sua escrita fiscal, o famoso crédito tributário.
Exemplo disso é o regime não-cumulativo de PIS/COFINS, em que se tem a apuração de créditos na compra de insumos e matérias-primas para a produção ou comercialização de produtos ou serviços. Uma vez contabilizado esse crédito, parte-se para a habilitação ou compensação com outros débitos devidos ao ente tributante, que no caso é a Receita Federal.
Mas a tranquilidade ainda não repousa ao lado do contribuinte nesse momento. Isso porque, se a Receita Federal não homologar a compensação, ou indeferir o ressarcimento, tem por obrigação imputar uma multa de 50% do valor do crédito pleiteado, sem mais nem menos. Multa por dar cumprimento ao próprio exercício de um direito, sem abuso ou má-fé do contribuinte.
Uma empresa transportadora, do Estado de Santa Catarina, indignada com a situação, ingressou com um mandado de segurança, pleiteando justamente que não se sujeitasse às pesadas multas, caso seus pedidos de compensação não fossem homologados pela Receita. Para se ter uma ideia, a empresa possui em ordem créditos tributários no montante de quase R$ 2,5 milhões, o que sairia, no caso de indeferimento, uma multa de R$ 1,25 milhão.
Julgada procedente a ação em primeira e segunda instância, a questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, que se convolou no Tema de Repercussão Geral nº 736, e, para a alegria da nação pagadora de tributos, a Corte declarou inconstitucional a imposição de multa pelo simples indeferimento de pedidos de compensação ou restituição de tributos. A tese fixada na decisão ficou relatada assim:
“É inconstitucional a multa isolada prevista em lei para incidir diante da mera negativa de homologação de compensação tributária por não consistir em ato ilícito com aptidão para propiciar automática penalidade pecuniária”.
É tão claro o entendimento que dispensa maiores digressões. Quantas e quantas compensações já foram glosadas por um dígito errado, um código equivocado, uma troca de sistema da Receita Federal… Mas para a sanidade mental dos contabilistas e advogados, essa “jabuticaba” foi extirpada da legislação.
Mas cuidado, essa decisão não é um salvo conduto para irregularidades. A fraude, como só poderia ocorrer, ainda é considerada como fato punitivo, e passível de aplicação de multa de 150% sobre o valor do crédito.
Ou seja, o ilícito ainda permanece, caso haja má-fé ou dolo do contribuinte. Creio que somente com processo administrativo, regrado por contraditório e ampla defesa, será possível imputar ao contribuinte essa sanção, posto não se presumir má-fé pelo requerente.
O acórdão ainda não foi publicado, mas resta ainda saber como o STF se pronunciará a respeito dos efeitos da decisão, se para o passado, ou valerá somente para o futuro. Mas a seguir a tendência, provavelmente a Corte se inclinará pelos efeitos somente futuros, ou seja, a partir do julgamento não mais será possível a imposição de multa pela glosa em pedidos de compensação. Caso contrário, o judiciário seria avassalado por uma enxurrada de ações requerendo a devolução de multas, que agora são consideradas inconstitucionais.
Mas proponho aqui um exercício de reflexão: contribuinte que foi sujeito à multa pelo indeferimento de pedido de compensação, questionou a sanção perante o judiciário, e teve seu pedido negado, com decisão transitada em julgado (imutável) de modo desfavorável. Poderia ele, com base na recente decisão do STF, ingressar com uma ação rescisória? Me inclino pela resposta positiva.
A primeira – e principal – objeção, seria a aplicação das Súmulas 343 e 345 do STF, que dizem, respectivamente:
Súmula 343: Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais.
Súmula 345:É incabível ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação pacífica ou, ainda, em jurisprudência consolidada.
É verdade que esse assunto é controverso, e não de hoje, mas não estaria o contribuinte, detentor de uma decisão transitada em julgado, desfavorável à anulação da multa de 50% sobre a glosa de compensação, de posse de uma coisa julgada inconstitucional?
Dizendo de outro modo, se o contribuinte questionou a incidência da multa em situação análoga, perdeu, e agora o STF se pronunciou, dizendo que a imposição da sanção é inconstitucional, não estaria ele com uma decisão que vai contra o entendimento da Corte?
Recentemente, o mesmo STF, numa decisão que causou muito ruído no mundo jurídico, desconsiderou a coisa julgada favorável ao contribuinte, que havia lhe excluído de dada relação jurídico-tributária, pois posteriormente ao trânsito em julgado, a Corte declarou o tributo como devido – Tema de Repercussão Geral nº 885.
Peço licença para usar aqui um jargão popular: “pau que dá em Chico, dá em Francisco”. Ora, se naquela ocasião, o STF não preservou a coisa julgada obtida pelo contribuinte, favorável, não seria razoável prejudicar aquele que não se sagrou vencedor em ação judicial, sobretudo por ser decisão – ainda que transitada em julgado – que contraria o quanto decidido pela Corte no Tema nº 736.
Claro que aqui são apenas reflexões, e, novamente, ainda não temos o conteúdo do acórdão, mas certamente, aos contribuintes que se sentirem prejudicados haverá lastro para o debate, sobretudo se pensarmos nos vultosos valores que tantas empresas já despenderam com essas multas, que agora, definitivamente, são indevidas.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do BLS Advogados, em São Paulo.
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