Por David Roberto R. Soares da Silva
Por meio da Medida Provisória nº 1.171/2023 (MP 1171), publicada em edição extra do Diário Oficial da União de 30.04.2023, o Governo Lula alterou de forma substancial a forma como deverão ser tributados os investimentos financeiros no exterior, incluindo aqueles feitos por meio de empresas offshore e trusts. Se aprovada pelo Congresso Nacional, as novas regras valerão a partir de 1º de janeiro de 2024.
Pode-se dizer que a MP 1171 criou um regime especial de tributação para várias formas de investimentos feitos no exterior por pessoa física, unificando a forma como eles devem ser tributados no Brasil. O seu Art. 1º estabelece que as novas regras valem para a renda auferida por pessoa física residente no Brasil em “aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior”.
Já é possível adiantar que, em termos práticos, o novo regramento acaba com a necessidade de apuração e pagamento mensal do imposto de renda (IR) sobre rendimentos e ganhos auferidos no exterior.
Passemos à análise da MP 1171.
- Alíquotas
Primeiramente, a MP 1171 unifica as alíquotas do imposto de renda sobre os “rendimentos do capital aplicado no exterior, nas modalidades de aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust” auferidos a partir de 1º de janeiro de 2024. Dessa forma, não haverá mais distinção de tributação entre dividendos do exterior, juros, cupons etc. Atualmente, enquanto dividendos de controladas do exterior são tratados como rendimentos sujeitos ao Carnê-Leão e à tabela progressiva do IRPF, juros e outros rendimentos de aplicações financeiras no exterior são tributados como ganhos de capital.
A MP 1171 traz uma inovação importante, que é a desnecessidade de apuração mensal do IR sobre esses rendimentos. A partir de 2024, eles passarão a ser computados apenas na Declaração de Ajuste Anual (DAA) de Imposto de Renda, de forma segregada dos demais rendimentos e ganhos de capital (Art. 2º).
As “aplicações financeiras, lucros e dividendos de entidades controladas e bens e direitos objeto de trust” estarão sujeitas ao IR na DAA às seguintes alíquotas:
Rendimentos anuais sujeitos à MP 1171 | Alíquota |
Até R$ 6.000,00 | Zero |
De R$ 6.000,01 até R$ 50.000,00 | 15% |
Acima de R$ 50.000,00 | 22,5% |
Em outras palavras, a MP 1171 cria uma tabela progressiva, cuja alíquotas incidirão sobre os rendimentos anuais. Assim, por exemplo, um rendimento anual de R$ 60 mil estaria sujeito a uma carga tributária de 14,75% (R$ 8.850,00), podendo ser representada da seguinte forma:
R$ 6.000,00 | Zero | 0 |
R$ 44.000,00 | 15% | R$ 6.600,00 |
R$ 10.000,00 | 22,5% | R$ 2.250,00 |
R$ 60.000,00 | totais | R$ 8.850,00 |
Vale reiterar, por oportuno, que não são todas as aplicações de capital que estão sujeitas à nova regra, mas apenas aquelas consideradas aplicações financeiras nos termos da MP 1171. Assim, por exemplo, rendimentos de aluguéis de imóveis detidos diretamente pela pessoa física continuarão sujeitos à tabela progressiva e Carnê-Leão com apuração mensal. O mesmo vale para investimentos diretos, por exemplo, em startups e outras empresas que não sejam controladas pelo contribuinte residente no Brasil. Os seus lucros poderão ser diferidos até o efetivo recebimento, e as alíquotas aplicáveis serão aquelas da tabela progressiva mensal.
Os ganhos de capital de outros bens e direitos que não sejam considerados aplicações financeiras continuam sujeitos às alíquotas de 15% a 22,5% estabelecidas pelo Art. 24 da Lei nº 8.981/1995, sem a faixa de alíquota zero (Art. 2º, § 2º).
- Aplicações financeiras no exterior
A MP 1171 define o que vem a ser rendimentos em aplicações financeiras no exterior, sujeitas às alíquotas de zero a 22,5%, como visto acima, senão vejamos.
“Aplicações financeiras” incluem, por exemplo, depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, com exceção daqueles tratados como entidades controladas no exterior, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, títulos de renda fixa e de renda variável, derivativos e participações societárias, com exceção daquelas tratadas como entidades controladas no exterior; e
“Rendimentos”, por sua vez, são definidos como a “remuneração produzida pelas aplicações financeiras, incluindo, exemplificativamente, variação cambial da moeda estrangeira frente à moeda nacional, juros, prêmios, comissões, ágio, deságio, participações nos lucros, dividendos e ganhos em negociações no mercado secundário, incluindo ganhos na venda de ações das entidades não controladas em bolsa de valores no exterior”.
Dessa forma, se antes da MP 1171 os dividendos de ações negociadas em bolsa no exterior se sujeitavam ao Carnê-Leão mensal (até 27,5%), mas a venda dessas ações era tratada como ganho de capital (15% a 22,5%), a partir de 2024, ambas as operações serão (1) tratadas como rendimentos da MP 1171, (2) tributadas somente na DAA e (3) pelas novas alíquotas de zero a 22,5%, com a faixa de “isenção” de até R$ 6.000,00 anuais.
- Entidades controladas no exterior
A MP 1171 traz uma nova definição de entidades controladas no exterior, sujeitas às novas regras tributárias a partir de 2024, incluindo diversas formas de veículos de investimento (Art. 4º).
Serão consideradas entidades controladas no exterior as sociedades e as demais entidades, personificadas ou não, incluindo fundos de investimento e fundações, em que a pessoa física:
- detiver, de forma direta ou indireta, isoladamente ou em conjunto com outras partes, inclusive em função da existência de acordos de votos, direitos que lhe assegurem preponderância nas deliberações sociais ou poder de eleger ou destituir a maioria dos seus administradores; ou
- possuir, direta ou indiretamente, isoladamente ou em conjunto com pessoas vinculadas, mais de 50% de participação no capital social, ou equivalente, ou nos direitos à percepção de seus lucros, ou ao recebimento de seus ativos na hipótese de sua liquidação.
A definição de pessoa vinculada ao contribuinte também é dada pela MP 1171 (Art. 4º, § 2º), para incluir:
- o cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, até o terceiro grau, do contribuinte residente no Brasil;
- a pessoa jurídica cujos diretores ou administradores forem cônjuges, companheiros ou parentes, consanguíneos ou afins, até o terceiro grau, da pessoa física residente no País;
- a pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País for sócia, titular ou cotista; ou
- a pessoa física que for sócia da pessoa jurídica da qual a pessoa física residente no País seja sócia, titular ou cotista.
Uma questão que fica aberta, por ora, é se três amigos ou três primos que não sejam sócios em outras sociedades configurariam pessoas vinculadas, mas isso será tema de outra análise posteriormente.
Mas não são todas as empresas controladas no exterior atingidas pela nova regra tributária. O novo regime somente se aplica se a controlada em questão se enquadrar em uma das seguintes situações:
- estejam localizadas em país ou dependência com tributação favorecida ou sejam beneficiárias de regime fiscal privilegiado; ou
- apurem renda ativa própria inferior a 80% da renda total.
O item “a” inclui todas as empresas localizadas em paraísos fiscais l ou sujeitas a regime fiscal privilegiado, desde que listados expressamente em normativo da Receita Federal, no caso, a Instrução Normativa nº 1.037/2010, com suas alterações posteriores.
Para o item “b”, a MP 1171 define renda ativa como aquela obtida mediante a exploração de atividade econômica própria, podendo incluir, por exemplo, as atividades operacionais de startups, empresas de comércio internacional (trading) e até mesmo exploração agrícola. Assim sendo, se uma empresa não estiver em um paraíso fiscal (item “a”) e tiver mais de 80% de sua receita total classificada como renda ativa própria (item “b”), as novas regras da MP 1171 não se aplicam.
Nesse ponto, vale notar que a MP 1171 exclui expressamente como receita de exploração de atividade econômica própria as seguintes atividades geradoras de renda passiva:
- royalties;
- juros;
- dividendos;
- participações societárias;
- aluguéis;
- ganhos de capital, exceto na alienação de participações societárias ou ativos de caráter permanente adquiridos há mais de dois anos;
- aplicações financeiras; e
- intermediação financeira.
Assim, por exemplo, se um contribuinte brasileiro mantiver uma empresa no Uruguai para exploração agropecuária, as novas regras da MP 1171, em princípio, não lhe serão aplicáveis. Todavia, se essa empresa uruguaia tiver receita de aplicação financeira (exemplo, juros, dividendos) superior a 20% da receita total anual, então ela será reclassificada como controlada no exterior sujeita à MP 1171 dado que sua renda ativa própria de atividade rural será inferior a 80%.
Uma vez classificada como empresa controlada para fins da MP 1171, o contribuinte deverá adotar os seguintes procedimentos a partir de 2024:
- apurar os lucros de forma individualizada (por empresa), em balanço anual elaborado com base nos princípios contábeis vigente no Brasil (IFRS);
- converter os lucros pela cotação de fechamento do dólar americano de venda estabelecida pelo Banco Central para o último dia útil do mês de dezembro;
- computar esses lucros, na proporção que lhe couber, na DAA, independentemente de qualquer deliberação sobre a sua efetiva distribuição;
- submetê-los ao IRPF de acordo com a tabela da MP 1171;
- incluir esse lucro tributado na ficha de Bens e Direitos da DDA como custo de aquisição adicional do investimento.
Com relação ao item 5, a MP 1171 permite que esse lucro tributado seja adicionado ao custo do investimento da empresa controlada no exterior, garantido que não será novamente tributado quando da efetiva distribuição (Art. 4, § 6º, IV).
Com relação aos prejuízos apurados pela empresa controlada, a MP é expressa em permitir a sua compensação, mas desde que esses prejuízos sejam apurados a partir da produção de efeitos da MP, ou seja, prejuízos apurados a partir de 1º de janeiro de 2024 (Art. 4º, § 7º). Prejuízos passados, aparentemente, não poderão ser deduzidos de lucros apurados a partir de 2024. À primeira vista, essa limitação faz sentido dado que, como veremos, os lucros apurados até 31.12.2023 não serão atingidos pelas novas regras.
Caso a controlada no exterior detenha participação em empresa brasileira, a MP 1171 ainda permite a exclusão da parcela dos lucros e dividendos atribuíveis a essa empresa brasileira. Assim, por exemplo, se uma empresa offshore apurar um lucro no exterior de R$ 1 milhão, sendo que desse valor R$ 250 mil referem-se a lucros de empresa brasileira que essa offshore controla, o valor do lucro da controlada a ser tributado na DAA do contribuinte será de R$ 750 mil, dado ser permitida a dedução do ‘lucro brasileiro’ (Art. 4º, § 8º)
O contribuinte ainda poderá deduzir do IR brasileiro o valor do imposto sobre a renda pago no exterior pela controlada e suas investidas até o limite do IR devido no Brasil. Trata-se de boa notícia, sem dúvida. Assim, por exemplo, assumamos que um contribuinte brasileiro detenha 100% de uma BVI que, por sua vez, detenha 100% de uma empresa americana sujeita a pagamento de IR nos EUA. Digamos que essa empresa americana pague o equivalente a R$ 300 mil de impostos em um dado ano. Naquele ano, a BVI apura um lucro de R$ 2 milhões, sendo esse o valor que o contribuinte brasileiro deverá informar na sua DAA. Vejamos como seria esse cálculo:
R$ 6.000,00 | Zero | 0 |
R$ 44.000,00 | 15% | R$ 6.600,00 |
R$ 1.950.000,00 | 22,5% | R$ 438.750,00 |
R$ 2.000.000,00 | IR devido no Brasil = | R$ 445.350,00 |
IR americano a deduzir | (R$ 300.000,00) | |
IR a pagar no Brasil = | R$ 145.350,00 |
Na letra fria da lei, a ideia é maravilhosa. Isso porque a lei não exige qualquer formalidade ou impõe qualquer limitação ao aproveitamento de impostos pagos no exterior pela controlada ou por suas investidas. Mas é possível apostar que a Receita Federal fará de tudo para limitar o uso desse imposto pago no exterior. A ver.
- Regras especiais das controladas no exterior
Para os lucros de controladas no exterior apurados até 31.12.2023, continuam valendo as mesmas regras ora vigentes, ou seja, esses lucros somente serão tributados, de acordo com a tabela progressiva (Carnê-Leão mensal) no momento da sua disponibilização ao contribuinte residente no Brasil (Art. 5º).
A mesma regra se aplica às controladas no exterior que não se enquadrem na nova regra, como foi o exemplo da empresa agrícola uruguaia (sem receita financeira), que vimos logo acima.
O que a MP 1171 faz é definir o que deverá ser considerado lucro efetivamente disponibilizado ao contribuinte (Art. 5º, parágrafo único). Nesse caso, será o momento do:
- pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa dos lucros, o que ocorrer primeiro; ou
- quaisquer operações de crédito realizadas com a pessoa física, ou com pessoa a ela vinculada, se a credora (controlada no exterior) possuir lucros ou reservas de lucros.
Por fim, a MP 1171 esclarece que a variação cambial do investimento nas controladas no exterior, em qualquer situação, será tratado como ganho de capital, a ser tributado no momento da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive em casos de devolução de capital.
Nesse caso, há que se fazer uma ressalva com o disposto na Instrução Normativa nº 118/2000, que faz uma distinção com relação à variação cambial quando a origem do ativo se deu em reais ou em moeda estrangeira. No caso dessa última, a IN 118/2000 estabelece que a variação cambial é um rendimento isento e não ganho de capital. Ainda é cedo para dizer se a nova regra da MP 1171 está revogando a isenção até então prevista na IN 118/2000.
- Trusts no exterior
Pela primeira vez, a legislação passa a regular a forma como trusts no exterior serão tratados para fins tributários no Brasil. Em linhas gerais, a MP 1171 desconsidera a existência do trust exigindo que o contribuinte declare os bens detidos pelo trust, tributando-se de acordo com as novas regras.
A MP determina (Art. 7º) que os bens e direitos detidos por trusts no exterior serão considerados como:
- permanecendo sob titularidade do instituidor após a instituição do trust; e
- passando à titularidade do beneficiário no momento da distribuição pelo trust para o beneficiário ou do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.
Ou seja, mesmo não descendo a detalhes com relação à revogabilidade de um trust, a MP 1171 estabelece que os bens em um trust serão considerados como sendo de propriedade de seu instituidor. Há duas exceções, no entanto, para as quais a MP 1171 considera o beneficiário como titular dos bens e direitos de um trust: quando da efetiva distribuição de um bem ou direito pelo trust ao beneficiário ou quando do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro.
A partir de 2024, os rendimentos e ganhos de capital relativos aos bens e direitos detidos por um trust no exterior serão tributados na pessoa do seu titular (instituidor ou beneficiário, conforme o caso), nos moldes estabelecidos pela MP 1171.
Assim sendo, se o trust detiver aplicações financeiras diretamente, os juros, dividendos e ganhos auferidos durante o ano deverão ser computados pelo instituidor (ou beneficiário, conforme o caso) na sua DAA e tributados de acordo com a nova tabela progressiva criada pela MP 1171.
Por outro lado, se o trust mantiver investimentos por meio de uma empresa offshore, então o seu titular (instituidor ou beneficiário) deverá desconsiderar a existência do trust e tributar os lucros da controlada de acordo com as regras da MP 1171 aplicável às controladas no exterior na proporção da sua participação.
Ponto relevante na MP 1171 com relação aos trusts diz respeito às distribuições feitas por esses veículos aos beneficiários. A partir de 2024, a MP dispõe que essas distribuições possuirão “natureza jurídica de transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário, consistindo em doação, se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis, se decorrente do falecimento do instituidor”.
Em outras palavras, na morte do instituidor, o beneficiário deverá informar o valor original dos bens do trust na ficha de rendimentos isentos e não tributárias (doações), tendo como contrapartida a inclusão dos bens do trust na sua Declaração de Bens e Direitos da DAA. A partir daí, deverá passar a tributar esses bens (investimentos, offshore etc.) de acordo com as regras estabelecidas pela MP 1171.
O mesmo deve ocorrer em caso de uma distribuição de um bem ou direito pelo trust ao beneficiário, ainda que o instituidor esteja vivo. Esse beneficiário deverá informar o bem ou direito recebido como uma doação e passar a tributar os ganhos e rendimentos desse bem ou direito de acordo com as novas regras.
Embora a MP 1171 não trate do ITCMD, já é possível vislumbrar que estados irão pressionar o Congresso Nacional – ou na sua inanição, os próprios contribuintes, para exigir a cobrança do imposto estadual.
Outra regra da MP 1171 com relação aos trust é a obrigatoriedade, a partir de 2024, de os contribuintes passarem a declarar os bens e direitos dos trusts na sua Declaração Bens e Direitos e não mais o trust em si. Para os contribuintes que já declaravam os trusts e não os seus bens de forma individualizada, a partir de 2024 o trust deverá ser substituído pela declaração dos bens e direitos subjacentes, alocando o custo de aquisição entre eles.
- Atualização do valor dos bens no exterior
A MP 1171 permite a atualização do valor dos bens e direitos no exterior mediante o pagamento de uma alíquota excepcional de IR de 10%, mas esse tema será tratado em outro artigo.
Considerações finais
À primeira vista, a MP 1171 é arrojada e bem elaborada. Por mais que não se goste de pagar impostos, o seu texto foi estruturado de uma forma que minimize as possibilidades de discussão judicial. Entre os seus méritos estão:
- A simplificação e unificação das alíquotas para as aplicações financeiras no exterior;
- O fim da apuração mensal do IR sobre rendimentos e ganhos no exterior, dando tempo que os contribuintes se planejem para o pagamento no final do ano;
- A não retroatividade, mantendo os lucros pré-2024 de empresas controladas sujeitos às regras existentes quando da apuração desses lucros;
- A possibilidade de aproveitamento do imposto pago no exterior por controladas e suas investidas;
- A confirmação de que distribuições de trusts são consideradas doações ou transmissões causa mortis, trazendo mais segurança jurídica;
Um ponto merece destaque: as fundações privadas estrangeiras, mencionadas uma única vez no Art. 4º da MP. Embora sejam uma estrutura fiduciária como um trust, dele se distancia por ter, via de regra, personalidade jurídica própria, razão pela qual a MP 1171 houve por equipará-las às empresas controladas e não aos trusts.
Com ponto obscuro e que poderia ser melhorado está a questão dos trusts e fundações irrevogáveis. Há situações em que um trust ou fundação irrevogável possui um beneficiário residente no Brasil, mas esse não tem qualquer controle ou poder de mando sobre o quê, o quanto e o quando receber distribuições. O texto da MP 1171 é silente quanto a esse aspecto e isso poderia trazer potenciais problemas a beneficiários que deixem de declarar bens e direitos de trusts, ou sua condição de beneficiário de fundação estrangeira, por mero desconhecimento dessa condição ou falta de informações.
Ainda é cedo para dizer se as regras serão validadas pelo Congresso Nacional. Não nos esqueçamos que duas já foram as tentativas de se tributar empresas offshore, em 2013 e 2017, ambas sem sucesso. Nessas duas tentativas, vale lembrar, havia um Parlamento menos hostil ao Governo de turno e, mesmo assim, as propostas não foram aprovadas. Vamos ver o que se sucederá em 2023 com um Congresso mais arisco ao Governo e com alta polarização.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2020), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.
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O único ponto bizarro, diria até ilegal, é cobrar imposto de variação cambial. Isto é absurdo. Penso que seria até legitimo apurar anualmente o lucro obtido nos investimentos, na moeda estrangeira, converter este lucro em real e pagar o imposto. Funcionaria como um “come-cotas” anual. Mas cobrar imposto sobre variação cambial pura e simples vai criar situações estranhas. Por exemplo, suponha que a pessoa compre um ativo pelo valor de 10US e este ativo desvalorize para 7.5US, mas no período o dólar passe de 5BRL para 10 BRL. A pessoa vai pagar imposto em cima de uma situação de prejuízo.
Outro ponto controverso nesta medida é o marketing que estão fazendo, o de que não se paga imposto em investimentos no exterior. Paga sim, qualquer operação tem que ser apurado o lucro e pago o carne-leão no mês subsequente.
– Como compatibilizar a ideia de que os valores serão oferecidos a tributação apenas na declaração de ajuste anual – DDA com o § 2º do art. 3, quando fala que os rendimentos serão submetidos a incidência quando efetivamente percebidos pela PF? Parece dar ideia de que teremos que controlar tudo o que for recebido a titulo de aplicação financeira e, a partir do mês que atingir 6k, já começar a recolher o IR.
” Os rendimentos de que trata o caput serão computados na DAA e submetidos à incidência do IRPF no período de apuração em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, no resgate, na amortização, na alienação, no vencimento ou na liquidação das aplicações financeiras.
– E se há compensação do IR sobre dividendos recebidos nos EUA, não fica claro se este imposto compensado no Br (não e isenção), devera somar a base de calculo da tabela progressiva para apurar o IR (já que agora apura-se tudo junto, inclusive dividendo e ganho de capital).
Olá Luciana. Vamos lá.
1) Há perfeita compatibilização, dado que o período de apuração a que se refere o § 2º do art. 3 é o período anual, dado que a DAA é anual. Na prática, você deixa de apurar carnê-leão mensalmente e faz a apuração somente no final do ano com todos os ganhos e rendimentos recebidos no ano (daí a ideia da MP de unificar a alíquota de IR para todos os rendimentos/ganhos financeiros).
2) Como a apuração é anual, ao final do ano você soma todos os rendimentos e ganhos sobre aplicações financeiras no exterior e aplica a tabela de uma vez sobre todos os rendimentos. Assim, se você teve R$ 10.000 de rendimentos no ano todo, os primeiros R4 6.000 serão isentos e os R$ 4.000 restantes serão tributados a 15%, perfazendo um IR total de R$ 600,00.
3) Sobre compensação do IR pago no exterior, na minha opinião, há um problema com a MP. Ela só fala na compensação de IR na parte que trata das controladas e não das pessoas físicas. Na controlada fica fácil, pois você consolida tudo na controlada diretamente pelo contribuinte. Mas na PF isso fica impossível. Se você pagou IR sobre o dividendo americano, na prática, esse IR americano somente poderia ser compensado com o IR BR sobre esse mesmo dividendo. Mas a MP não fala em segregação dos rendimentos e coloca tudo num saco só. Precisamos ver como a Receita Federal vai desatar esse nó.
No caso de trading no exterior, como funciona? No caso: tenho o ganho com a compra ou a venda, parte é taxa de administração da corretora ou plataforma que está usando.
Nesse caso o imposto é em cima do ganho de cada operação sem descontar a taxa de administração da plataforma, ou apenas do saque para conta Brasileira.
Nesse caso, você irá precisar ter uma contabilidade confiável que lhe diga qual o lucro da trading no exterior ao final de cada ano, para então tributá-lo no Brasil.