Por Ivone Zeger
De príncipe a sapo, o ex-marido se transforma em algo repugnante aos olhos da ex-esposa. Ela continua princesa e também é a mãe zelosa, cujo filho passará a ouvir tantas vezes o quão asqueroso é o pai que chegará um dia a afirmar: meu pai é um sapo asqueroso. A situação também pode ser inversa: o pai – um anjo – metamorfoseia a ex-esposa em bruxa sanguinária, e o filho será a próxima vítima a ser jogada no caldeirão de líquido fervente. O pai convence o filho desse perigo, e este passa, então, a fugir da bruxa como o diabo foge da cruz.
Existem atitudes tão insólitas que só mesmo os contos de fadas podem ajudar a explicá-las.
Para a lei, historinhas assim configuram algo definido como alienação parental, situação na qual um dos pais de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor. Esse contexto gera sofrimento para todos os envolvidos, especialmente para a criança, o lado sempre mais frágil.
A Lei nº 12.318/2010, tipifica e oferece providências cabíveis, mas sua aplicação exige uma compreensão bastante apurada dos fatos e a a observação de múltiplos aspectos e relatos. Essa complexidade deu à alienação parental o caráter de síndrome: a SAP ou Síndrome de Alienação Parental, assim denominada pelo psiquiatra norte-americano Richard Gardner, em 1985.
Nesses casos, no âmbito da aplicação da lei, apenas por meio de uma equipe multidisciplinar é possível retirar os véus que encobrem a verdade. Essa síndrome tem os estágios iniciais e estágios mais avançados; possivelmente, muitas pessoas que se separam tangenciam esses estágios iniciais com comportamentos inadequados, sem nem mesmo percebê-lo.
Conheça as facetas dessa síndrome e como é possível identificá-la e, mais importante ainda, evitá-la.
O que é a Síndrome de Alienação Parental e em qual contexto ela aparece?
O Art. 2º da Lei nº 12.318 especifica que “considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
O contexto é aquele após a separação, no qual um dos genitores alimenta um sentimento muito forte de vingança e usa a criança com esse intento. Esse quadro doentio, suas causas e sintomas foram sistematicamente estudados pelo psiquiatra Richard Gardner, que em 1985 denominou essa trágica situação de Síndrome de Alienação Parental. Com a expansão desses estudos, foi possível detectar os comportamentos dos alienadores.
Como agem o pai ou a mãe alienador?
Um exemplo concreto: a mãe ou o pai detém a guarda, reside com a criança, e por razões emocionais – como frustração ou por sentir humilhação e desejo de vingança – começa a ter determinadas atitudes com o objetivo de afastar seu filho do ex-cônjuge.
Para isso, distorce fatos passados, exagera fraquezas e deficiências do outro genitor, podendo até mesmo a inventar mentiras – muitas vezes calúnias sérias. Isso faz com que a criança se afaste do pai ou da mãe, não espere mais com alegria os dias de visita, ou mesmo passe a não querer mais os dias de visita e de convívio. No estágio mais avançado, a criança reproduz a fala do alienador, também caluniando o outro genitor.
Quais outras atitudes podem ser consideradas como parte integrante da síndrome da alienação parental?
No início, podem ser atitudes sutis, como não compartilhar aspectos importantes e cotidianos da vida do filho. Por exemplo, não envolver o outro genitor em comemorações de aniversário, não dar informações sobre a escola, não colaborar com os horários de visita previamente acordados, mostrar impaciência diante da afeição da criança, desvalorizando a sua presença.
Existem casos em que o alienador simplesmente se muda para endereço desconhecido do outro genitor, sem nem mesmo avisá-lo.
O alienador é sempre aquele que detém a guarda?
Não. É até comum o alienador que, não detendo a guarda, aproveita os horários de visita ou os finais de semana para deliberadamente destruir a imagem do genitor que todos os dias educa e cuida.
Os familiares, como avós e tios, padrastos e madrastas têm participação na evolução dessa síndrome?
Sim. Participam na evolução da síndrome ou podem ser eles mesmos os que a provocam diretamente. Tanto os avós e familiares que convivem todo dia quanto os parentes que só veem a criança aos finais de semana. Insinuações, ironias, críticas diretas e agressões verbais ao genitor ausente são consideradas práticas de alienação parental.
Como a criança reage a isso?
A reação da criança ajuda a caracterizar a síndrome. Quando ela fala abertamente contra um dos genitores, quando já tem um discurso pronto e agressivo, e faz coro aos exageros do alienador, fabricando mentiras e histórias contra ele, é o indício mais contundente da síndrome.
Normalmente, uma conversa com o genitor alienado – aquele que sofre a alienação – prova que os relatos da criança ou adolescente não condizem com a realidade. Mas essa capacidade de inventar as crianças menores não têm, embora sejam influenciáveis. Adolescentes se tornam revoltados e pesquisas apontam relação desta situação com o alcoolismo e uso de drogas entre os jovens.
Em qualquer idade, a alienação parental gera danos psicológicos.
O que o pai ou mãe que é vítima dessa situação pode fazer?
A princípio, pais que estão sofrendo a alienação devem empreender um esforço no sentido de neutralizar a raiva do outro genitor, comparecendo aos compromissos assumidos e se fazendo presente na vida da criança.
Se a influência chegar a um ponto que não é mais possível driblar essas atitudes, poderá mover ação judicial de revisão de guarda. Nela, a partir dos argumentos do genitor alienado e com a atuação de advogado, psicólogo e assistente social, será possível provar a existência da síndrome. Ficando provada a ocorrência da alienação parental, o genitor alienador pode perder definitivamente a guarda da criança. Aliás, na atualidade, a Justiça tem privilegiado como detentor da guarda aquele que demonstrar capacidade para facilitar e promover o contato entre seu filho e o outro genitor, portanto, que entenda a importância da manutenção dos laços de afeto.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e Sucessão. Doutoranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidad de Buenos Aires – UBA. É autora dos livros “Herança: Perguntas e Respostas”, “Família: Perguntas e Respostas” e “Direito LGBTI: Perguntas e Respostas.
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