Por Guilherme P. de Figueiredo
Depois de (quase) acabar com o programa do Golden Visa, o governo português parece agora querer acabar com o regime tributário especial do Residente Não Habitual (RNH).
Na passada Segunda-feira, 2 de outubro, no decurso de uma entrevista televisiva, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, afirmou que manter o regime do RNH seria “prolongar uma medida de injustiça fiscal que não se justifica”, e que aquele regime irá terminar em 2024.
Importa recordar que, ao abrigo do regime do RNH, as pessoas físicas fiscalmente residentes em Portugal podem, durante um período de 10 anos, beneficiar de isenções ou alíquotas mais favoráveis de tributação sobre alguns tipos de rendimento de fonte estrangeira, bem como sobre alguns tipos de rendimento de fonte portuguesa (ao contrário do regime geral de tributação, ao abrigo do qual as alíquotas de imposto são bem mais elevadas e não estão previstas quaisquer isenções).
No entanto, ao anunciar o eventual fim do regime do RNH, mas sem dar mais detalhes ou explicações, ficou a dúvida: o regime do RNH vai ser integralmente abolido em 2024? Ou será “apenas” substancialmente reformulado? E será no início de 2024, em meados de 2024 ou no final de 2024? Uma coisa parece ser certa: quem atualmente já beneficia do estatuto de RNH não deverá ser afetado pelo eventual fim do regime.
Face a esta indefinição, é possível pensar em vários cenários, sendo que o mais pessimista (e, quem sabe, o mais provável) passa por o governo aproveitar a Lei do Orçamento do Estado para 2024 (cuja proposta deverá ser apresentada pelo governo nos próximos dias) para alterar as regras do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares e impedir novos pedidos de acesso ao estatuto de RNH a partir de 1 de janeiro de 2024.
Caso este cenário se verifique, na prática isso vai significar que:
– por um lado, quem quiser ainda solicitar e beneficiar do estatuto de RNH deverá tornar-se residente fiscal em Portugal até 31 de dezembro de 2023.
– por outro lado, a tomada de residência fiscal em Portugal implica uma autorização de residência em Portugal (que é dispensada no caso dos cidadãos de um país da União Europeia). Assim sendo, quem não for cidadão de um país da União Europeia, e quiser obter um visto e autorização de residência em Portugal, dificilmente o conseguirá a tempo de ser tornar residente fiscal em Portugal antes do final de 2023.
– por fim, quem se tornar residente fiscal em Portugal após 1 de janeiro de 2024 (ou, eventualmente, antes do final de 2023 mas não tenha solicitado o estatuto de RNH), corre o risco de não poder aceder ao estatuto de RNH, ficando abrangido pelo regime geral de tributação, com alíquotas progressivas até 53% sobre o rendimento do trabalho e alíquotas de 25% ou 28% sobre os demais rendimentos e ganhos auferidos em Portugal e no estrangeiro.
Será preciso esperar algumas semanas mais para ter mais visibilidade sobre o futuro do regime do RNH, sendo que as perspectivas estão longe de ser as melhores.
Guilherme P. de Figueiredo é advogado português com mais de 18 anos de experiência em planejamento patrimonial e sucessório e tributação internacional, tendo atuado no Reino Unido, Suíça e Portugal. É sócio fundador do Leal Figueiredo & Associados, com sede em Lisboa, Portugal.
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