O Tribunal de Justiça de São Paulo, recentemente, proferiu importante decisão a favor dos contribuintes, no tocante a operações societárias. O tribunal bandeirante entendeu que não há a incidência de ITBI em integralização de capital social em razão da incorporação de uma outra sociedade empresarial cujo capital era constituído, também, por imóveis, ainda que a empresa adquirente tenha por objeto social a compra, venda e locação de bens imóveis.
Vamos por partes: uma sociedade anônima incorporou outra sociedade empresarial operacional, sucedendo-a em todos os direitos e obrigações. Com isso, têm-se as figuras da incorporadora e incorporada, fundindo-se numa só companhia.
Todo o patrimônio da incorporada, constituído inclusive por bens imóveis, foi utilizado para a integralização do capital social da incorporadora, o que gerou a seguinte dúvida ao contribuinte: devo ou não recolher imposto sobre a transmissão de bens imóveis? Estou agregando ao capital da empresa bens imóveis ou a totalidade de bens e direitos de uma outra empresa?
Pois bem, o imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI) é tributo pago em decorrência da transmissão onerosa de bens imóveis, por ato realizado entre pessoas vivas, em síntese, e para o que importa ao artigo.
Em uma de suas hipóteses de imunidade, a Constituição Federal elenca como não passível de exigência do ITBI a transmissão de bens imóveis ou direitos quando houver incorporação ao patrimônio de determinada pessoa jurídica em realização de capital social. É o que vem sendo tratado pelo meio jurídico como “imunidade incondicionada”, posto não haver contrapartida do contribuinte para a fruição da benesse, independentemente da atividade desenvolvida pela empresa. Lembrando que o que exceder do valor aportado, ingressando em reserva de capital, servirá como base de cálculo do ITBI.
Em outra hipótese de imunidade, também não se exige o ITBI em relação à transmissão de bens imóveis ou direitos como resultado das operações societárias de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, desde que a atividade preponderante do adquirente não seja a compra e venda de bens imóveis, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Por conseguinte, vem sendo chamada de imunidade condicionada, por razões óbvias.
Voltando ao caso em análise, à incorporadora não houve a transmissão individualizada de bens imóveis, pois estes faziam parte de uma universalidade de bens e direitos agregados à incorporada. O aumento de capital social ocorreu não em função da integralização de bens imóveis, e sim de um conjunto de bens e direitos, inclusive, bens imóveis.
Judicializada a questão, posto que a prefeitura do município de Barueri exigia o pagamento do ITBI sobre os imóveis que faziam parte do capital social da incorporada, restou decidido que, ainda que a atividade preponderante da incorporadora seja a compra, venda e locação de bens imóveis, a transmissão destes mesmos bens não ocorreu de modo oneroso, face à incorporação integral de outra pessoa jurídica.
A título exemplificativo: XPTO S/A., empresa voltada à atuação no mercado imobiliário – compra, venda e aluguel de imóveis – possui capital social de R$ 100.000,00, e pretende aumentá-lo mediante a aquisição da XYZ Ltda., cujo capital social é parcialmente constituído de imóveis comerciais, totalizando entre bens e direitos, R$ 400.000,00. Com a incorporação da XYZ pela XPTO, passará ela a deter um capital social de R$ 500.000,00, não em decorrência dos bens imóveis integralizados na XYZ, e sim em função do patrimônio da empresa incorporada. Logo, não houve a realização do fato gerador do ITBI, pois carente da onerosidade na transmissão.
Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença, enfatizando que não houve transmissão onerosa de bens que desse ensejo à cobrança do ITBI. A ementa do julgado foi relatada nos seguintes termos:
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO – Município de Barueri – Mandado de Segurança – ITBI – Imóveis transferidos em razão da incorporação integral da sociedade empresária – Descaracterização do ato oneroso – Finalidade da concretização de negócios, ou seja, reestruturação societária – Art. 37, § 4º do CTN que está em consonância com o art. 156, § 2º, I da CF – Precedentes desta c. Câmara– Sentença mantida – Recursos oficial e voluntário não providos[1].
A questão ainda não está finalizada, pois cabe recurso ao Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, ficando a cargo deste último a palavra final sobre a constitucionalidade ou não da exigência do ITBI em caso de incorporação de uma empresa por outra, quando envolver a aquisição de bens imóveis no bojo da operação.
De qualquer modo, é mais um passo significativo para que o Supremo Tribunal Federal venha a delimitar o que vem sendo tratado no meio tributário como imunidade incondicionada em relação ao ITBI. Ademais, a operação aqui trazida traz uma importante ferramenta para o planejamento patrimonial e sucessório. Não raro, temos a figura da holding familiar e holding patrimonial, em sociedades empresariais distintas, claro. E a depender do caso e necessidades do detentor do patrimônio, a unificação das empresas em uma só figura societária, sabendo-se de antemão da economia em relação ao ITBI, é um forte incentivo à incorporação de empresas.
[1] TJSP; Apelação nº 1062225-11.2022.8.26.0053; julgamento em 03.10.2023.
Artur Francisco da Silva é advogado do departamento de wealth planning e tax do BLS Advogados, em São Paulo.
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