Por Arthur de Paula Lopes Almeida
Quem mora em condomínio certamente sabe que o inadimplente não tem direito de votar nas assembleias condominiais. Embora menos conhecida, há regra semelhante para as sociedades anônimas – com importância fundamental no Contencioso Societário: trata-se do art. 120 da Lei das S.A., que versa sobre a suspensão dos direitos do acionista.
Esse artigo estabelece que a assembleia geral de acionistas “poderá suspender o exercício dos direitos do acionista que deixar de cumprir obrigação imposta pela lei ou pelo estatuto, cessando a suspensão logo que cumprida a obrigação”. Aqui, já podemos extrair três premissas relevantes:
1. A assembleia geral é o único órgão competente para deliberar sobre a suspensão dos direitos do acionista;
2. A obrigação incumprida deve ser estabelecida na lei ou no estatuto; e
3. A obrigação deverá ser passível de cura, cessando-se a suspensão tão logo haja o seu cumprimento.
A obrigação mais elementar de um acionista é integralizar as ações que subscreveu. Em bom português: o acionista deve pagar por aquilo que se comprometeu. Uma vez verificada a mora, o acionista vira remisso; nesse cenário, a companhia pode promover processo de execução ou mandar vender as ações em bolsa, por conta e risco do acionista. É um processo moroso e nem sempre efetivo.
Nessa hipótese, o art. 120 entra em campo como interessante aliado da assembleia geral: enquanto o acionista permanecer remisso, pode se tornar alvo da suspensão do exercício de direitos – especialmente o direito de voto. Semelhante ao exemplo do condomínio, o acionista inadimplente não poderia votar nas assembleias. Essa sanção interna pode servir a um duplo propósito: estímulo para que o acionista cumpra sua obrigação com brevidade e reconhecimento de que a assembleia não pode ser refém dos descumprimentos de certo acionista.
O terreno para aplicabilidade do art. 120 é fértil – e pode ser estendido a depender da redação do estatuto social. Para ficarmos em poucos exemplos hipotéticos, citamos (a) evidente abuso do direito de voto; (b) descumprimentos de obrigação de non-compete; (c) indicação e eleição de administrador evidentemente inapto; (d) contratação com a companhia em condições de favorecimento ou não equitativas.
Por ser uma medida de caráter sancionador, a suspensão do direito de voto deve ser tratada com cautela máxima. A documentação de suporte submetida à assembleia deve discriminar, precisamente, quais foram as obrigações descumpridas, e de que forma o descumprimento ocorreu. Alegações genéricas e superficiais de descumprimentos não parecem atender a essa premissa.
Vale notar que a suspensão do exercício de direitos não significa a perda de status de acionista. Aquele que tem os direitos suspensos continua sendo acionista – podendo, inclusive, gozar dos direitos essenciais estabelecidos na Lei das S.A. (ou seja, participar dos lucros; participar do acervo, em caso de liquidação; fiscalizar, na forma prevista na Lei das S.A., a gestão dos negócios; preferência para subscrição das ações e direito de retirada em casos específicos).
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) já se debruçou sobre o tema em algumas oportunidades. Das principais lições que podemos carregar, destacamos: (a) a obrigação descumprida deve ser atribuível ao acionista – não a administradores ou membros do conselho fiscal –, devendo haver uma separação entre os diferentes “chapéus” de governança; e (b) o art. 120 é um mecanismo de coerção, de modo que os seus pressupostos fáticos devem estar devida e claramente reunidos.
O art. 120 da Lei das S.A. é importante remédio disponível à assembleia geral ante descumprimentos da lei ou do estatuto. Naturalmente, como qualquer remédio, deve ser dosado com parcimônia e precisão.
Arthur de Paula Lopes Almeida, é advogado associado e coordenador da área de Disputas Societárias do Candido Martins Advogados.
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