No dia 1.º de novembro de 2023, foi publicado no Diário Oficial da União a Solução COSIT SRF n.º 245/2023[1], na qual a Receita Federal do Brasil exara seu entendimento sobre a tributação na transferência decorrente de sucessão por herança de cotas de fundos fechados de investimento multimercado detidas por de cujus residente ou domiciliado no país.
Não é novidade alguma que, sobre o tema, se têm entendimento uníssono de que a transferência de direito de propriedade por sucessão ou por doação em adiantamento de legítima, é possível que seja feita pelo custo histórico do bem ou direito, ou seja, aquele declarado na DIRPF do de cujus ou do doador.
Nesses termos, pode o herdeiro ou o doador escolher se o bem ou direito será transferido pelo seu custo histórico de declaração ou se preferirá já arcar com o Imposto de Renda sobre o ganho de capital e declarar a valor de mercado (no caso da doação apesar do doador, em tese escolher, quem fica responsável pelo recolhimento é o donatário, se o caso). Notem, este é direito do contribuinte previsto em Lei! A Lei n.º 9.532/97, em seu artigo 23 traz à lume as possibilidades ofertadas ao contribuinte:
“Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
§ 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.”
Sobre a questão, a Lei é clara e o entendimento do espírito da Lei límpido.
Ocorre que, no caso em apreço, os herdeiros “foram surpreendidos com a exigência, por parte do administrador do fundo, de recolhimento de imposto de renda, em nome do espólio, calculado sobreo ganho de capital, que corresponderia à diferença do valor de mercado das referidas quotas e o custo de aquisição registrado pelo espólio em sua declaração de imposto de renda pessoa física”. Segundo o administrador do fundo, a exigência de recolhimento do imposto de renda sobre o ganho de capital seria imponível segundo o entendimento da Receita Federal, “de que, em se tratando de aplicações financeiras, a transferência causa mortis sujeita-se à exigência de imposto de renda, pois deveria ser realizada a valor de mercado”. O administrador do fundo tratou a questão desta maneira, já que o artigo 17 da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015, impõe como seu o dever de recolher o tributo. Agindo de forma “isenta”, os administradores, preferem não ir contra a “vontade da Receita”, sob pena de penalização e responsabilização pelo tributo.
Os herdeiros, validamente, fundamentaram seu questionamento à Receita nos termos do artigo 16 da Instrução Normativa RFB nº 1.585/2015, no fato de não ter havido liquidação, ou seja, o ganho de capital é apenas uma expectativa de direito, fruto da variação e flutuação do mercado, não tendo gerado acréscimo patrimonial algum; somado ao fato de que o artigo 23 da Lei 9.532/97, outorga ao contribuinte o direito de escolher a melhor forma de transmitir o bem ou direito, no caso específico, pretendiam que o fosse a custo histórico.
A Receita Federal, a seu turno, e sob sua “nova” ótica “míope seletiva”, alegou que a posição do administrador foi correta, eis que “no caso sob análise, de transferência decorrente de sucessão por herança de cotas de fundos fechados de investimento multimercado titularizadas por de cujus residente ou domiciliado no país, cabível a apuração de ganho de capital utilizando-se as regras aplicáveis à alienação de bens ou direitos de qualquer natureza (consoante art. 21 da Lei nº 8.981, de 1995 e arts. 16 e 46 da Instrução Normativa nº 1.585, de 2015), afastada, em tal hipótese, a aplicabilidade do teor do art. 23 da Lei nº 9.532, de 1997”.
Míope e seletiva a posição da Receita Federal, já que está a criar nova interpretação sobre o tema, inclusive, diferente daquela discutida no STF e do seu próprio entendimento anterior. O Supremo vem discutindo em suas duas Turmas, com divergência, casos em que o haja a sucessão ou doação com transferência dos bens ou direitos a valor de mercado, sendo imponível ou não a regra do §1.º do artigo 23 da Lei n.º 9.532/97!
Ocorre que a Receita Federal quer impor que não cabe ao contribuinte escolher o modo de avaliação dos bens ou direitos transmitidos, forçando que o seja da forma mais gravosa ao cidadão e mais benéfica a ela. Não é novidade alguma, que a Receita Federal, já há algum tempo, vem trocando “os pés pelas mãos” em alguns assuntos e emitindo posições um tanto quanto controversas.
Para a Receita Federal, simplesmente, e a seu bel critério e julgamento, afasta-se a aplicação da norma do artigo 23, caput da Lei n.º 9.532/97 para que se aplique apenas a sua norma administrativa, prevista nos artigos16 e 46 da Instrução Normativa nº 1.585, de 2015!
Notadamente as normas são conflitantes, em especial o texto do artigo 46 da IN SRF n.º 1585/2015 e do artigo 23 da Lei nº 9.532/97. Ocorre que, numa simples interpretação não se pode sobrepor o teor de uma Instrução Normativa da Receita Federal sobre o texto de uma Lei Ordinária. Porém, como virou costume no país, todos acham que podem legislar e, pior, julgar a seu bel prazer afastando texto de lei em vigor conforme sua própria conveniência.
Outro ponto que salta aos olhos é que recentemente, em 2021, a orientação da Receita Federal era de acordo com a Lei, ou seja, “caso a doação em adiantamento de legítima seja efetuada por valor superior ao valor constante da DIRPF do doador, a diferença positiva entre esses valores configurará ganho, tributado pelo Imposto sobre a Renda à alíquota de 15%, devendo o IR ser retido e recolhido pelo doador, caso seja efetuada pelo valor constante da DIRPF do doador, não haverá IR a pagar, nesse momento”, vide Solução COSIT SRF n.º 98/2021[2]. Infelizmente, o Poder Judiciário e o Poder Executivo, vêm, há algum tempo, sofrendo com a chamada “miopia seletiva”, ou seja, decidem da forma como querem, julgam da forma como bem entendem, extravasando competência, ignorando as leis e a própria Constituição, em franco atentado da segurança jurídica, agindo sempre em benefício de poucos.
Obviamente, a orientação da Receita Federal estampada na Solução COSIT SRF n.º 245/23 é errada e contra legem, aviltando os direitos basilares constitucionais dos contribuintes em favor de seu benefício próprio. Resta ao contribuinte consultar um bom advogado e se armar contra as armadilhas do FISCO!
[1] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=134429
[2] http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=118606
Fabio Lago Meirelles, Advogado formado pela FMU/SP; Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil; LLM em Direito Penal e Processo Penal; Especialista em Planejamento Estratégico pela ADESG/SP – método ESG -; Contabilidade Geral pela FGV e IFRS pela IACAFM / IBEFAC; é head da área de Wealth Planning do Rocca & Zveibil Advogados
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