Em 1º de fevereiro de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) proferiu decisão histórica sobre a aplicação do regime da separação obrigatória de bens envolvendo pessoas com mais de 70 anos.
No julgamento, a Corte decidiu que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade expressa das partes. Tomada por unanimidade, a decisão representa um marco importante na jurisprudência brasileira, reconhecendo o direito de autodeterminação das pessoas idosas em assuntos patrimoniais.
Antes desse julgamento, o Art. 1641, inciso II, do Código Civil determinava a obrigatoriedade da separação de bens para casais nessa faixa etária, com base no argumento de proteção patrimonial. Essa imposição do regime de separação obrigatória visava impedir o compartilhamento patrimonial entre pessoas idosas e pessoas mais jovens que poderiam estar interessadas em obter vantagens econômicas por meio do relacionamento. O objetivo era evitar o que popularmente é conhecido como “golpe do baú”.
O caso que resultou nessa decisão envolveu uma companheira que estabeleceu união estável com um homem que já havia ultrapassado os 70 anos de idade. Essa companheira recorreu da decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que negou a ela o direito de participar do inventário ao aplicar à união estável o regime obrigatório de separação de bens.
O STF rejeitou o recurso e manteve a decisão do TJ-SP. De acordo com o ministro Luís Roberto Barroso, uma vez que não houve expressão prévia sobre o regime de bens, deve ser aplicada ao caso concreto a regra estipulada pelo Código Civil.
O ministro destacou que a solução fornecida pelo STF para a controvérsia só pode ser implementada em casos futuros, caso contrário, haveria o risco de reabertura de processos de sucessão já finalizados, resultando em insegurança jurídica.
Ainda destacou que para casamentos ou uniões estáveis celebradas antes do julgamento do STF, os casais agora têm a possibilidade de expressar ao juiz ou ao cartório o desejo de alteração no regime atual de união, optando, por exemplo, pela comunhão parcial ou total de bens. Nessas situações, contudo, apenas as mudanças terão impacto na divisão do patrimônio a partir do momento da modificação, não afetando o período anterior do relacionamento, quando estava em vigor o regime de separação de bens.
Para tanto, vale ressaltar que a Corte também considerou que o artigo do Código Civil violava os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade, ao criar discriminação baseada na idade e limitar o direito de escolha das pessoas idosas.
Assim, transcrevemos a tese de repercussão geral fixada para Tema 1.236 da repercussão geral:
“Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.
Analisando os desdobramentos da tese de repercussão geral estabelecida pelo STF, é importante destacar alguns cenários para fins práticos:
- Com base nessa decisão, os casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos adotarão automaticamente o regime de separação de bens, a menos que o casal opte por outro regime por meio de escritura pública.
- Para aqueles que foram obrigados a se casar no regime da separação obrigatória de bens (acima de 70 anos), podem, a partir de agora, mudar seu modelo de gestão do patrimônio. No caso de casamentos, será preciso de autorização judicial para a alteração do regime de bens. Para quem tem união estável, a mudança será em cartório. Nos dois casos, os efeitos patrimoniais serão apenas para o futuro.
- A decisão tem a chamada repercussão geral, ou seja, ela é válida para todos e será aplicada em processos que tratam do mesmo tema em instâncias inferiores.
- Para os inventários em processo, o regime de separação de bens previsto para os casamentos e uniões estáveis de maiores de 70 anos será mantido, com todas as suas particularidades previamente mencionadas.
Em resumo, essa flexibilidade concedida pelo STF traz uma liberdade clara para os casais ajustarem seus arranjos patrimoniais conforme suas necessidades e preferências. No entanto, é crucial ressaltar a importância do cuidado no planejamento patrimonial e sucessório dessas pessoas.
Embora a decisão represente um avanço significativo em direção à autonomia e proteção dos direitos individuais, é fundamental que os casais, especialmente os com mais de 70 anos, busquem orientação especializada para garantir que suas escolhas estejam alinhadas com seus objetivos e necessidades específicas.
Vale ressaltar que um planejamento patrimonial e sucessório eficaz, pode prevenir conflitos e assegurar uma transição patrimonial tranquila e justa para as gerações futuras.
Ana Bárbara Zillo é advogada pós-graduanda em planejamento patrimonial e sucessório e associada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo/SP.
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