Já há algum tempo vem se discutindo no Brasil as barreiras que as empresas familiares no setor do Agro têm quando se deparam com a sucessão de gerações. É histórico que o Agro no Brasil é um setor familiar e que busca, em sua grande maioria, a sucessão de pai para filho.
O CENSO Agropecuário do IBGE no Brasil de 2017[1], trouxe a informação de que 77% dos estabelecimentos agrícolas são familiares, sendo que a região Sul e a região Norte do Brasil possuem quase 40% do valor total de sua produção agro advindo de empresas familiares. Outro dado importante é que um quarto dos produtores têm mais de 65 anos, demonstrando que em um período curto de tempo sofrerão com a demanda de transição de gestão para assegurar a continuidade do negócio.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral[2] em 2021, revelou que 82% dos negócios agros estão nas mãos da 1.ª e 2.ª gerações, cabendo apenas 16% à terceira geração e 1% à quarta geração e seguintes e 0% sob controle de um não familiar[3]:
Parece claro que a pesquisa traz dois elementos fundamentais para que sejam entendidos os desafios da sucessão nas empresas familiares do agro, são eles: (i) a queda significativa do número de empresas familiares agro após a segunda geração e; (ii) em virtude desta queda drástica no número de empresas familiares agro pós segunda geração, a falta de profissionalização na gestão destas na busca de continuidade / sobrevivência.
A confirmação destas barreiras é exposta no dado trazido pela mesma pesquisa, em que das 207 famílias do agronegócio pesquisadas, nenhuma delas têm profissionais na sua gestão. Este número revela uma informação implícita muito valiosa e preocupante: com o passar das gerações o número de famílias no agronegócio diminui, chegando a minguar a partir da quarta geração.
Este ponto apenas confirma aquele segundo ponto aventado acima: as famílias do agro não conseguem preparar sucessores, restando pós 2.ª geração apenas herdeiros, que, ao que tudo indica, também possuem barreiras em transferir o negócio para uma gestão profissional.
Conclusão: as famílias do agronegócio passam a ter dificuldades na manutenção de seus negócios ao longo das gerações, uma vez que a cada passagem de bastão de uma geração para outra, formam-se mais herdeiros (ou seja, aqueles que vivem dos proventos do negócio) do que sucessores (aqueles que serão parte do negócio, hands on), dificultando a profissionalização da gestão e a perenização da empresa.
Como bem anotado pela Head de Wealth Planning do Banco BV, Marina Gonçalves, em sua postagem no Linkedin[4], “considerando as empresas familiares, o processo de sucessão apresenta desafios únicos, frequentemente influenciados por dinâmicas familiares complexas que podem afetar as decisões de gestão. Portanto, é imprescindível que o planejamento sucessório seja abordado com rigor e profissionalismo, garantindo uma transição eficiente e preservando a estabilidade do negócio. Um plano sucessório bem elaborado é um componente essencial para assegurar a viabilidade e a longevidade das empresas agrícolas familiares, promovendo a perpetuação dos negócios através das gerações”. É nítido que o Brasil tem, em suas empresas familiares, uma dificuldade considerável no processo de sucessão, seja pela cultura, seja pela dinâmica das próprias famílias, o que se mostra mais acentuado quando falamos no agronegócio.
Normal para o homem do campo brasileiro, que saiu de um pequeno produtor para uma empresa de porte no agronegócio, querer passar seu “bastão” para um dos filhos. Porém, hoje com as gerações que se sucedem, geração “Z” (nascidos de 2000 até 2010) e geração “Alpha” (nascidos de 2011 até 2025), esta passagem se torna cada vez mais difícil. Isto porque a geração “Z”, no direcionamento de estudo da Universidade Federal de Santa Catarina[5], conduziu “que tem esse nome vindo da palavra “zapear”, porque seus representantes já nasceram na era dos controles remotos, das tecnologias digitais, da internet e seus cliques, acostumaram-se às altas velocidades das mudanças, sabem lidar com diferentes estímulos ao mesmo tempo, acessam informações de forma não linear com a mesma facilidade com que se comunicam com outras pessoas, estão sempre online e ‘mudando de canal’, de acordo com seus interesses. Seu habitat é tecnológico e virtual”. Ou seja, a geração que está tomando o comando de empresas familiares agro parece pouco se encaixar no sistema desse setor da economia. Pensando à frente, parece que muito menos será a geração “Alpha”.
Há um nítido sofrimento nos movimentos de sucessão, já que as empresas familiares do agro carecem de sucessores capazes, somado ao fato da dificuldade de profissionalização de sua gestão. O estudo da Fundação Dom Cabral[6] mostra que é expressivo o desinteresse dos herdeiros pela assunção do negócio:
Ou seja, ainda que se fale num universo com um PIB de setor de R$2,6 trilhões no ano de 2023 (setor do Agronegócio), apenas 17% da próxima geração das famílias agro são possíveis sucessores com extremo interesse de entrar no negócio (extremamente interessados); cerca de 57% serão prováveis herdeiros e possivelmente viverão da renda da empresa (pois possuem apenas alguns interessados) e 25% de efetivos herdeiros, que jamais terão qualquer contato com a empresa e tão somente viverão dos proventos do negócio (pouco interesse, indiferentes e não interessados). Os dados mostram que a confluência de alguns fatores como, geração desplugada do mundo agro, cultura fechada das famílias, excessiva centralização de poder e falta de conhecimento ou vontade para buscar saídas profissionais para a sucessão, influenciam na continuidade / perenização dessas empresas familiares do agronegócio.
Como mencionado, outra grande barreira é a profissionalização da gestão destas empresas familiares. Armando Lourenzo Moreira Jr e Adelino De Bortoli Neto[7], em sua obra “Empresa Familiar – Um sonho realizado -”, bem descrevem que “quando existe a aproximação entre posse e gestão, surge a confusão entre os sistemas, ou seja, a empresa pode começar a trabalhar para suprir somente as necessidades da família detentora da sociedade, fazendo com que a gestão fique baseada totalmente na emoção e nos objetivos familiares. A falta de uma clara separação entre esses elementos faz com que a gestão possa ficar submissa ao poder gerado pela propriedade, resultando em um campo fértil para os caprichos da família em relação à administração”. Portanto, é nítida a dificuldade em girar a chave numa empresa familiar do “caseiro para o profissional”.
Parece que como resultado destes fatos e dados apresentados, o estudo da SERASA Experian traga a valiosa informação de que houve um aumento significativo nos pedidos de recuperação judicial no Agronegócio[8], em especial entre produtores rurais pessoa física (com a alteração da Lei n.º 11.101 pela Lei n.º 14.112 julgamento do Tema de Recursos Repetitivos n.º 1.145 pelo STJ, o produtor rural que exerce sua atividade de forma empresarial há mais de dois anos pode requerer recuperação judicial desde que esteja inscrito na Junta Comercial no momento de formalizar o pedido, independentemente do tempo de registro). Pelo estudo, arrendatários e grupos econômicos ou familiares são os que mais demandaram judicialmente os pedidos de recuperação, conforme mostra gráfico:
Percebe-se, assim, da análise cruzada dos dados que, além de fatores climáticos que afetam esse setor em períodos relativamente curtos (via de regra não passa de uma safra), a falta de gestão profissional e a ausência de engajamento das gerações vindouras afetam diretamente na continuidade destas empresas, culminando num alto número de pedidos de recuperação judicial (o que se verifica nos números crescentes alinhados).
Conforme o empacotamento de informações e dados, crê-se fundamental à todas as empresas familiares do agronegócio investir tempo e recurso em dois pilares vitais: (i) planejamento sucessório empresarial e gestão profissional, através do qual haverá a preparação dos herdeiros para alçarem a sucessores e, a geração da cultura de profissionalização da gestão da empresa; (ii) planejamento patrimonial e sucessório familiar, no qual se buscará a segregação e proteção do patrimônio da família dos riscos do negócio, já que latentes.
Todo este esforço ganha fundamento na perenização do business e da própria fonte geradora de riqueza da família.
[1] https://censoagro2017.ibge.gov.br/templates/censo_agro/resultadosagro/pdf/agricultura_familiar.pdf
[2] https://www.fdc.org.br/Documents/Relatorio_de_Pesquisa_Governanca_Familiar_Agronegocio.pdf – Pesquisa: Governança e Gestão de Patrimônio das Famílias do Agronegócio – 2021.
[3] https://www.fdc.org.br/Documents/Relatorio_de_Pesquisa_Governanca_Familiar_Agronegocio.pdf
[4] https://www.linkedin.com/feed/update/urn:li:activity:7158549704182575105/
[5] https://sgmd.nute.ufsc.br/content/especializacao-cultura-digital/gestao/pagina-11.html
[6] https://www.fdc.org.br/Documents/Relatorio_de_Pesquisa_Governanca_Familiar_Agronegocio.pdf
[7] Moreira Junior, Armando Lourenzo. Empresa familiar: um sonho realizado. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 34
[8] https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/agronegocios/produtores-rurais-que-atuam-como-pessoas-fisicas-acumularam-80-pedidos-de-recuperacao-judicial-ate-o-3o-trimestre-de-2023-mostra-serasa-experian/
Fabio Lago Meirelles, Advogado formado pela FMU/SP; Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil; LLM em Direito Penal e Processo Penal; Especialista em Planejamento Estratégico pela ADESG/SP – método ESG -; Contabilidade Geral pela FGV e IFRS pela IACAFM / IBEFAC; é head da área de Wealth Planning do Rocca & Zveibil Advogados
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Gostei bastante da matéria, a pesquisa tem dados coerentes.