Por Vitor Gomes Rodrigues de Mello
Em casos envolvendo investigação patrimonial de grupos econômicos, pode-se encontrar situações em que os pais incluem os menores como sócios para tentar blindar seu patrimônio e fugir de credores. Quais são as consequências de uma situação como esta?
Nestas situações, é comum existirem holdings familiares com sócios menores ingressando no quadro societário, atuando de maneira simplesmente figurativa, de modo que os bens são, na verdade dos pais devedores, em evidente tentativa de simulação e ocultação dos bens contra os credores e até mesmo contra o Fisco.
O Código Civil disciplina a matéria no art. 974, § 3º, que assim dispõe:
“§ 3º O Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais deverá registrar contratos ou alterações contratuais de sociedade que envolva sócio incapaz, desde que atendidos, de forma conjunta, os seguintes pressupostos:
I – o sócio incapaz não pode exercer a administração da sociedade;
II – o capital social deve ser totalmente integralizado;
III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais”
A possibilidade de um menor participar de sociedade por quotas de responsabilidade limitada já era reconhecida pelo STF, mesmo antes da vigência do atual Código Civil, que revogou a primeira parte do Código Comercial. E, da mesma forma, os requisitos eram: que o capital estivesse integralizado; que sócio menor não tivesse poderes de administração e que estivesse representado ou assistido.
Vale transcrever a decisão:
SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. PARTICIPAÇÃO DE MENORES, COM CAPITAL INTEGRALIZADO E SEM PODERES DE GERÊNCIA E ADMINISTRAÇÃO COM COTISTAS. ADMISSIBILIDADE RECONHECIDA, SEM OFENSA AO ART. 1 DO CÓDIGO COMERCIAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 82433 , Relator (a): XAVIER DE ALBUQUERQUE, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/1976, DJ 08-07-1976 PP-05130 EMENT VOL-01027-09 PP-02692 RTJ VOL-00078-02 PP-00608)
A importância da integralização do capital reside no fato de que a responsabilidade do sócio, sem poder de gerência, está limitada ao referido capital, às suas quotas. Desse modo, a autorização legal e a decisão da Suprema Corte estariam preservando o interesse do menor, no sentido de que a sociedade não poderia lhe trazer prejuízos que ultrapassassem o seu investimento pessoal.
Se comprovado que o sócio menor foi incluído na sociedade quando absolutamente incapaz, e, portanto, sem quaisquer poderes de administração, além de ser sócio minoritário, deve-se aplicar, tanto para dividas cíveis e trabalhistas, a teoria maior na desconsideração da personalidade jurídica do devedor, de modo que o credor somente poderia responsabilizá-lo se ficasse comprovado que ele efetivamente participou direta ou indiretamente da fraude.
Em outras palavras, a desconsideração da personalidade jurídica não deve alcançar sócio menor, sem provas, sem demonstração inequívoca, de que foi diretamente beneficiado, em razão de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial,
Noutro giro, se ficar comprovada a simulação do negócio jurídico, o credor pode ingressar com ação autônoma para objetivar a anulação do ato, visto que nulo de pleno direito.
Além disso, caso haja provas que demonstrem o contrário, o credor pode ingressar com o chamado incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) para responsabilizar o sócio menor incapaz. Disciplinado pelos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil, o IDPJ é uma modalidade de intervenção que permite desconsiderar a personalidade jurídica, o que possibilita responsabilizar pessoalmente o integrante da pessoa jurídica, seja ele sócio ou administrador.
Vitor Gomes Rodrigues de Mello é advogado, palestrante e membro efetivo da Comissão de Direito Bancário da OAB/SP, com prática em contencioso cível estratégico e recuperação de créditos.