Por Felipe Louzada
Recente decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) teve importante repercussão sobre a exigibilidade do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre rendimentos acumulados (estoque) de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). A decisão analisou a aplicabilidade retroativa da Lei nº 14.754/2023, que institui o imposto “come-cotas” sobre fundos de investimento fechados, incluindo FIDCs não tratados como entidades de investimento.
A Lei nº 14.754/2023 introduziu modificações significativas na tributação dos fundos de investimento fechados, determinando a retenção semestral do IRRF sobre os seus rendimentos, independentemente da amortização ou liquidação das cotas. Especificamente, o Art. 27 da lei determinou que os rendimentos apurados até 31 de dezembro de 2023, nos fundos que não estavam sujeitos à tributação periódica, seriam apropriados até essa data e ficariam sujeitos à incidência do IRRF pro rata tempore à alíquota de 15%.
No caso analisado pelo TRF3 (Agravo de Instrumento nº 5014051-66.2024.4.03.0000) o contribuinte havia recorrido de decisão de 1ª instância que indeferiu pedido liminar que pretendia suspender a cobrança do IRRF incidente sobre a cota de um FIDC em 31/12/2023, como exigido pelo Art. 27 da Lei nº 14.754/2023.
O contribuinte argumentou que, sendo um fundo fechado, estava sujeito à tributação do IRRF apenas nos casos de amortização de patrimônio líquido ou liquidação do fundo. Além disso, sustentou que a variação positiva do valor patrimonial das cotas não correspondia a um direito novo, mas sim a uma expectativa de direito decorrente de um investimento já incorporado ao patrimônio, visto que as cotas poderiam sofrer variação negativa.
Ao analisar o pedido, o tribunal reconheceu o risco de danos relevantes aos interesses do contribuinte e a probabilidade de provimento do agravo, deferindo parcialmente o efeito suspensivo para determinar a suspensão da exigibilidade do IRRF sobre a variação positiva da cota em 31/12/2023, exclusivamente em relação ao Art. 27 da Lei nº 14.754/2023.
A decisão do tribunal acerta ao ponderar sobre a irretroatividade da lei tributária, um princípio basilar consagrado no Art. 150, III, “a” da Constituição Federal, que impede a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os instituiu ou aumentou. A Lei nº 14.754/2023, ao determinar a tributação retroativa dos rendimentos acumulados até dezembro de 2023, transgrediu claramente esse princípio.
Analogamente ao entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADI 2.588, referente à MP 2.158-35/2001, que discutiu a antecipação do IRPJ e da CSLL sobre lucros no exterior, o tribunal reafirmou que a introdução de tributos ou aumento de alíquotas deve se pautar pela anterioridade e irretroatividade, assegurando previsibilidade e segurança jurídica aos contribuintes.
O Art. 27 da Lei 14.754/2023 afronta diretamente a disposição constitucional e a jurisprudência consolidada do STF ao tentar cobrar tributo sobre rendimentos apurados antes da sua vigência. A decisão de conceder a suspensão da exigibilidade do IRRF, portanto, está em consonância com a proteção dos direitos dos contribuintes contra mudanças legislativas abruptas e retroativas que possam gerar insegurança jurídica e onerosidade não antecipada.
A decisão judicial que suspendeu a exigibilidade do IRRF sobre os rendimentos acumulados até 31 de dezembro de 2023 de um FIDC é um importante precedente para a defesa dos princípios constitucionais da anterioridade e irretroatividade em matéria tributária. Ao impedir a aplicação retroativa de novos tributos, o tribunal protege os contribuintes de alterações legislativas que possam afetar previsões econômicas e comprometer o planejamento financeiro.
Em tempos de constantes alterações legislativas, a Justiça cumpre um papel crucial na manutenção de um sistema tributário justo e previsível, reafirmando a importância dos princípios constitucionais e promovendo a segurança jurídica tão necessária ao desenvolvimento econômico do país. Convém salientar que se trata de uma decisão singular, desprovida de efeito vinculante ou de repercussão geral. Dessa maneira, o entendimento exarado não será necessariamente replicado em outros casos semelhantes. Assim sendo, recomenda-se a prudência em aguardar os desdobramentos deste processo específico e a busca por profissionais especializados para análise de cada caso.
Felipe Pereira Louzada é advogado tributarista, associado sênior do BLS Advogados em São Paulo, e coautor do livro Renda Variável e do e-book Saída Definitiva do País – Guia Prática das Obrigações Tributárias, publicados pela Editora B18.