Por David Roberto R. Soares da Silva
Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu que um contribuinte retificasse sua declaração fiscal mesmo durante o processo de fiscalização, evitando a aplicação de multa agravada. A decisão é um precedente importante com significativas implicações para os contribuintes nas mais diversas esferas.
O cerne da questão envolve a possibilidade de apresentação de declaração retificadora de imposto de renda após o início de um procedimento de fiscalização.
O caso em questão envolveu a empresa Sinal Motos Ltda, que buscava o direito de apresentar uma declaração retificadora de imposto de renda durante um processo de fiscalização. A Fazenda Nacional contestava essa possibilidade, argumentando que a retificação só seria possível até o início da fiscalização, nos termos do que determina o Art. 147, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), que estabelece o seguinte:
Art. 147. O lançamento é efetuado com base na declaração do sujeito passivo ou de terceiro, quando um ou outro, na forma da legislação tributária, presta à autoridade administrativa informações sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação.
§ 1º A retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, só é admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento.
Na sua decisão, o STJ decidiu[1] em favor do contribuinte, estabelecendo que é possível a apresentação de declaração retificadora mesmo após o início do procedimento fiscal, desde que antes do lançamento definitivo do tributo (auto de infração). Esta decisão se baseou em uma nova interpretação dada pelo tribunal ao § 1º do Art. 147 do CTN.
Vale transcrever a ementa da decisão:
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. DECLARAÇÃO RETIFICADORA. POSSIBILIDADE DE ENTREGA APÓS O INÍCIO DE PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO. ART. 147, § 1º, CTN. PROVIMENTO NEGADO.
1. A declaração de imposto de renda é o mecanismo ou o instrumento por meio do qual a parte contribuinte promove o lançamento por homologação do crédito tributário.
2. Nos termos da Súmula 436 do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “A entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do fisco”.
3. Esse procedimento não oficioso de autoconstituição ou autolançamento (art. 150 do Código Tributário Nacional) é suficiente para a formatação definitiva do crédito tributário, cabendo ao fisco o exercício da sua prerrogativa de homologar, ou não, a modalidade de lançamento levada a efeito pela parte contribuinte.
4. Considerando que tanto a declaração original quanto a retificadora têm a mesma natureza jurídica, tendo a declaração original sido retificada, vale a informação mais recente constante da “declaração retificadora”, que tem a mesma natureza e o mesmo efeito jurídico daquela, mas é posterior, sendo, conforme o art. 18 da Medida Provisória 2.189-49, de 23 de agosto de 2001, desnecessária a autorização da autoridade administrativa.
5. No caso em tela, o Tribunal de origem violou o disposto no art. 147, § 1º, do Código Tributário Nacional (CTN) ao não permitir a apresentação da declaração retificadora durante o processo de fiscalização, pois ainda não tinha sido lançado o tributo devido.
A decisão expande significativamente o período durante o qual os contribuintes podem corrigir erros ou omissões em suas declarações fiscais, proporcionando mais flexibilidade e segurança jurídica aos declarantes.
Ao permitir a retificação durante o processo de fiscalização, o STJ oferece aos contribuintes uma oportunidade adicional de regularizar sua situação fiscal, potencialmente evitando ou reduzindo penalidades.
De forma implícita, tem-se que a Corte Especial reconheceu a boa-fé do contribuinte como fator determinante para a admissão da retificação da declaração durante o procedimento de fiscalização, situação essa raramente reconhecida pela administração tributária de todas as esferas. E, por causa dessa boa-fé, de erros não intencionais nas declarações originais podem ser corrigidos após o início da fiscalização e deverão ser considerados pelo fisco.
A única condição estabelecida no julgado foi a de que a retificação ocorra antes de o fisco concluir o procedimento fiscal por meio da lavratura de um auto de infração.
Com essa decisão, o STJ cria um novo paradigma na interpretação do Art. 147, § 1º, do CTN, estabelecendo novos limites temporais para a apresentação de declarações retificadoras. Embora o caso diga respeito à declaração de imposto de renda de pessoa jurídica, ela poderá ser aproveitada em outras situações que envolvem a entrega de declarações por parte dos contribuintes, sujeitas à homologação pela autoridade fiscal. É o caso, por exemplo, da declaração de imposto de renda de pessoa física e até mesmo declarações de ITCMD.
Sem dúvida, a decisão do STJ representa um avanço significativo na interpretação do direito tributário, favorecendo uma abordagem mais flexível e justa em relação às declarações fiscais. Ela reforça o princípio da verdade material no direito tributário, permitindo que os contribuintes corrijam informações e regularizem sua situação fiscal mesmo durante processos de fiscalização. Como consequência, essa abordagem traz claras possibilidades para a redução das multas de ofício, as quais, na esfera federal, podem representar de 75% a 225% do valor do imposto devido.
Por fim, vale comentar que, embora a decisão se refira ao imposto de renda, de competência federal, nada impede que a sua interpretação seja estendida para outros impostos, inclusive de competência estadual e municipal, que exigem a entrega de declaração fiscal.
[1] STJ, Agravo Interno no Recurso Especial nº 1798667, julgamento em 17.06.2024.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do BLS Advogados, e autor de Tributação das aplicações financeiras, empresas offshore e trusts no exterior (2024), Construindo o Planejamento Patrimonial e Sucessório: Análise de casos reais (2023), do Brazil Tax Guide for Foreigners (2010-2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2022), Renda Variável (2021) e Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), todos publicados pela Editora B18.