Por Natalli Caroline Rugery Assad
Em 1º de julho foi sancionada a Lei n°. 14.905, que altera artigos do Código Civil trazendo importantes modificações quanto às obrigações civis. Entre as alterações trazidas pela nova Lei, a mais relevante, sem dúvidas, é aquela que altera o art. 406 para padronizar a aplicação de juros e correção monetária nos casos em que não estiverem previstos na legislação ou contratualmente.
A publicação da nova lei complementa, em termos, o recente entendimento jurisprudencial firmado pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp n. 1.795.982/SP, concluído no dia 21 de agosto, em que a maioria dos ministros entendeu pela aplicação da taxa Selic para correção de dívidas civis, em detrimento do modelo convencional de correção monetária somada a juros de mora de 1% ao mês previstos no artigo 161, do Código Tributário Nacional.
Como a discussão no processo gira em torno da interpretação do artigo 406, do Código Civil, com a publicação da Lei n° 14.905/2024, a discussão, em princípio, estaria superada.
Pela exegese trazida pela nova lei, quando as partes não definirem em contrato ou quando não houver previsão em lei específica, a correção monetária nas obrigações civis será aplicada pelo índice IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IBGE), e os juros moratórios legais serão calculados conforme a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), deduzida a variação do IPCA/IBGE.
Pelo fato de a taxa Selic abranger correção monetária e juros de mora, a metodologia de cálculo da taxa legal precisará ser definida pelo Conselho Monetário Nacional, com posterior divulgação pelo Banco Central, já que precisará ser deduzido da taxa legal o índice de atualização monetária de que trata o parágrafo único do artigo 389 do Código Civil (IPCA/IBGE). O Banco Central deverá disponibilizar calculadora de juros interativa para permitir ao público em geral a simulação de juros conforme os parâmetros definidos em lei.
Com exceção da nova redação trazida pelo parágrafo 2º do artigo 406 do Código Civil, que atribui ao Conselho Monetário Nacional a definição do cálculo da taxa legal, as demais regras passarão a valer após 60 dias da publicação da nova lei.
Importante discussão a ser levantada, no entanto, diz respeito com a aplicação retroativa das normas trazidas pela lei n°. 14.905, de 2024. É que, quando uma lei modifica ou regula, de forma diferente, a matéria versada pela lei anterior, divergências podem surgir entre as novas disposições jurídicas já consolidadas sob a égide da norma revogada.
Neste caso, contratos celebrados antes da nova lei e que contenham a definição de critérios próprios de correção monetária e juros de mora, nada mudará. Porém, no caso de contratos celebrados anteriormente à nova lei e que não tenham sido previstos critérios de atualização monetária, ou para obrigações civis extracontratuais, ainda não está claro como se dará a sua aplicação.
A regra adotada pelo ordenamento jurídico no que diz respeito à matéria civil, é a de que a norma somente poderá retroagir, para atingir fatos consumados, quando não ofender o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, e quando o legislador, expressamente, mandar aplicá-la a casos pretéritos.
Pelo princípio da irretroatividade da lei, os contratos firmados até o início da vigência da Lei n°. 14.905/2024 não serão alcançados pela nova disciplina, por representarem atos jurídicos perfeitos que, consumados sob a égide de determinada lei, são protegidos constitucionalmente de qualquer ingerência de leis novas, diante do disposto no art. 5º, XXXVI da Constituição Federal.
Como a nova lei e o entendimento jurisprudencial mais recente estão em consonância sobre o entendimento da matéria, nos casos de contratos celebrados anteriormente à nova lei e que não tenham sido previstos parâmetros de correção monetária e juros de mora, ou para obrigações civis extracontratuais, deverá ser aplicada a regra do art. 406, do Código Civil, com a alteração trazida pela Lei n. 14.905/2024.
De outra parte, para os contratos celebrados posteriormente à lei nova, suas disposições é que passam a viger, produzindo efeitos assim que finalizado o período de vacância. A dúvida que fica, porém, é como os tribunais vão aplicar a lei nova sem que antes venha a regulamentação pelo Conselho Monetário Nacional.
Natalli Caroline Rugery Assad é advogada pós-graduada em Direito Público e Direito do Agronegócio, com autuação no núcleo contencioso do escritório Poletto & Possamai, em Curitiba/PR.