Atualmente, a legislação brasileira não permite que se deixe herança diretamente para um animal. Entretanto, existem mecanismos legais que garantem o cuidado do pet mesmo após o falecimento de seu tutor.
Os animais de estimação têm ganhado um espaço cada vez maior no coração e na vida das famílias brasileiras. No entanto, apesar de serem considerados parte da família por muitos tutores, juridicamente, os pets não possuem personalidade jurídica e são vistos pela lei como bens móveis, o que impede que eles sejam diretamente beneficiários de heranças no Brasil.
De acordo com os artigos 1.798 e 1.799 do Código Civil, apenas pessoas físicas ou jurídicas podem herdar bens. Isso significa que nossa legislação ainda não reconhece os pets como possíveis herdeiros, diferentemente do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.
Contudo, é possível proteger o bem-estar dos animais por meio de um excelente mecanismo: o testamento.
Nesta disposição de última vontade, o tutor pode beneficiar o pet indiretamente, destinando parte ou a totalidade do seu patrimônio a uma pessoa física, jurídica ou até mesmo a uma ONG, com o encargo de cuidar do animal. Em outras palavras, o testador nomeia um “curador” em testamento, com a responsabilidade de garantir o bem-estar do pet.
Ainda, o tutor pode especificar o tipo de tratamento que o responsável deve fornecer ao animal, como manter a frequência em creches e escolas habituais, o tipo de ração a ser oferecida e a rotina de passeios, entre outras questões particulares.
É importante lembrar que a pessoa escolhida pode ou não aceitar o legado. Caso a recusa ocorra, é recomendado que o testador indique substitutos testamentários, para que sua última vontade seja devidamente cumprida.
Além disso, é importante lembrar que a legislação sucessória no Brasil impõe limites à disposição do patrimônio em testamento, especialmente em relação aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuges), que têm direito a metade da herança (art. 1.789 do Código Civil). Apenas a outra metade pode ser destinada a quem o testador desejar, incluindo o responsável pelo cuidado do pet.
Nesse segmento, embora o Brasil ainda não reconheça os animais como sujeitos de direito, existem movimentos que visam modificar essa realidade. Um exemplo é anteprojeto de lei elaborada pela comissão de juristas para revisão e modernização do Código Civil, que, se aprovado, alteraria o artigo 82 do Código Civil, reconhecendo os animais como seres sencientes, capazes de sentir e ter direitos. Essa mudança poderia abrir caminho para uma nova abordagem legal em relação à herança e ao cuidado com os pets.
Até que mudanças ocorram, os tutores que desejam garantir o bem-estar de seus animais após a própria morte devem utilizar os instrumentos legais disponíveis, como o testamento público, assegurando que seus companheiros de quatro patas recebam o carinho e a atenção que merecem.
Ana Bárbara Zillo é advogada pós-graduanda em planejamento patrimonial e sucessório pela FGV SP e associada do departamento de wealth planning do BLS Advogados, em São Paulo/SP.