Por Priscila Lucenti Estevam
Usando a pandemia do Covid-19 como justificativa, Projeto de Lei em tramitação da Câmara dos Deputados pretende instituir empréstimo compulsório sobre lucro passado de grandes empresas, mesmo com evidência de experiências passadas que mostraram que tais empréstimos são verdadeiros confiscos.
No final de março, foi apresentado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 34/2020, de autoria do deputado Wellington Ribeiro (Partido Liberal), que propõe a instituição de empréstimo compulsório para atender despesas urgentes decorrentes da situação de calamidade pública em razão do COVID-19.
O empréstimo compulsório é uma espécie de tributo “restituível” que somente pode ser instituído pela União, por meio de lei complementar, nos casos de (i) guerra externa ou sua iminência; (ii) calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis; ou (iii) conjuntura que exija a absorção temporária do poder aquisitivo. A justificativa do PLP nº 34/2020 é exatamente a calamidade pública decorrente da crise da Covid-19, cujas despesas na área da saúda não poderiam ser custeadas ordinariamente com os recursos orçamentários.
Em outras oportunidades em que se instituiu o empréstimo compulsório – Empréstimo Compulsório sobre a Compra de Carros e Combustíveis e Empréstimo Compulsório sobre Energia Elétrica – os valores pagos pelos contribuintes não foram restituídos integralmente, gerando demandas judiciais infindáveis.
O PLP em questão propõe que empresas domiciliadas no Brasil com patrimônio líquido igual ou superior a R$ 1 bilhão na data da publicação da lei, conforme seu último balanço, estejam sujeitas ao empréstimo compulsório de até 10% do lucro líquido apurado nos doze meses anteriores à publicação da lei.
De acordo com o Projeto, a alíquota se dará por setor econômico, cuja fixação específica caberá ao Ministério da Economia em até 15 dias da data da publicação da lei. O pagamento do empréstimo compulsório deverá ocorrer no prazo de 30 dias da publicação da lei.
Nos casos para os quais o valor devido seja superior a R$ 1 milhão, o Projeto prevê o parcelamento em até três parcelas mensais e sucessivas. O não recolhimento no prazo estipulado, ensejará a incidência de juros SELIC, além de multa de mora de 10% a 30% do valor devido a depender o tempo de atraso. Será de 10% a multa se o pagamento se verificar no próprio mês do vencimento. 20%, quando o pagamento ocorrer no mês seguinte ao vencimento; e 30%, caso o pagamento correr a partir do segundo mês subsequente ao vencimento.
Se aprovado o PLP, os valores recebidos a título de empréstimo compulsório e efetivamente gastos para atender a situação de calamidade pública relacionada ao Covid-19 serão restituídos aos contribuintes no prazo de até quatro anos, contados do fim da situação de calamidade, em até 12 parcelas mensais e sucessivas corrigidas mensalmente pela SELIC. Caso algum valor arrecadado não seja utilizado, a restituição ocorrerá proporcionalmente aos valores arrecadados e não gastos no prazo de até 60 dias, contatos a partir do fim da situação de calamidade pública.
Foi apresentado requerimento para tramitação do Projeto em regime de urgência. Apesar de não contar com a simpatia de Rodrigo Maia, o pedido foi pautado, mas o próprio líder do Partido Liberal na Câmara pediu a retirada de pauta, em razão de “dúvidas”.
A constitucionalidade do PLC é questionável. Ao pretender tributar o lucro líquido apurado nos 12 meses anteriores à publicação da lei, o princípio da irretroatividade tributária não estaria sendo respeitado, já que a Lei estaria tributando fato gerador ocorrido antes de sua entrada em vigor. Adicionalmente, a tributação de desempenho econômico passado pode representar ofensa ao princípio da capacidade contributiva, sobretudo porque o patrimônio líquido de 2019, na maioria dos casos, já não reflete o cenário atual.
Priscila Lucenti Estevam, contadora e advogada especializada em planejamento patrimonial e sucessório, coautora dos livros Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos e Tributação da Economia Digital no Brasil, e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.