Por Roberto Prado de Vasconcellos
Em termos de tributação sobre remessas internacionais, nenhuma norma é mais cobiçada do que o artigo que trata dos lucros das empresas nos tratados contra dupla tributação da renda. A repercussão no meio empresarial de qualquer decisão de tribunais superiores sobre a interpretação do referido artigo é potencialmente muito maior do que quando o tema envolve qualquer outro artigo dos tratados assinados pelo Brasil. A razão para tanto é simples. Uma vez que a remessa de um pagamento seja enquadrada no artigo de lucro das empresas, o tratado impede a tributação brasileira sobre a transação.
Em 19 de maio de 2020, as atenções se voltaram à decisão unânime do Superior Tribunal de Justiça no Resp nº 1.618.897 envolvendo a empresa Alcatel-Lucent Submarine Networks. Na decisão, que considerou o tratado assinado entre Brasil e França, o STJ mais uma vez reconheceu que não há incidência de imposto de renda retido na fonte sobre remessas referentes à remuneração de serviços prestados por pessoa jurídica que não tenha estabelecimento permanente no Brasil.
A decisão reformada era do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que havia autorizado a retenção do imposto de renda sobre a remessa. No caso, a empresa estrangeira prestou serviços de construção e manutenção de cabos submarinos.
A acórdão da 1ª Turma do STJ é significativo, também, por representar uma decisão unânime em que foi relator o Min. Napoleão Nunes Maia Filho e na qual também votaram os Ministros Benedito Gonçalves, Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria (Presidente).
Na decisão, o STJ definiu o termo lucro da empresa estrangeira como sendo o lucro operacional, resultado das atividades principais ou acessórias que constituam o objeto da pessoa jurídica. Afastou, assim, a intepretação que equiparia o conceito de lucro da empresa ao de lucro real.
O acórdão do STJ lembrou que é necessário o intérprete do tratado respeitar a manutenção da boa-fé e da segurança do compromisso internacional, e criticou o descumprimento unilateral quando uma parte invoca disposições de direito interno para justificar o inadimplemento do tratado.
A decisão ainda defendeu a prevalência dos tratados sobre a lei interna discorrendo sobre diferentes correntes de pensamento, mas reservando mais espaço ao princípio da especialidade, segundo o qual uma lei interna posterior não revoga, sequer parcialmente, um tratado em razão de as normas de um acordo internacional serem específicas para transações que envolvam os dois países signatários. Sob o mesmo raciocínio, o STJ adotou o entendimento de que, sob o princípio da especialidade, o tratado não revoga ou derroga a norma interna, mas simplesmente suspende sua eficácia tão somente em relação aos sujeitos e elementos internacionais abrangidos pelos tratados.
A decisão fortalece a jurisprudência, a favor dos contribuintes, sobre remessas de remuneração de serviços a países com tratados para evitar dupla tributação sem a retenção de IR Fonte.
Roberto Prado de Vasconcellos é advogado sênior e coautor do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18.
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Temas como esse você pode encontrar no nosso Brazil Tax Guide for Foreigners, de autoria de David Roberto R. Soares da Silva, disponível em nosso site.