Essa 16 de junho de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do RE nº 1.016.605, pacificou a batalha judicial que se travava de longa data entre locadoras de veículos e Estados. O entendimento adotado pela Corte foi no sentido de que o IPVA – Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor, deve ser recolhido ao Estado no qual o automóvel é posto em circulação, independentemente do local do registro.
Antes de adentrar no caso, convém relembrar como acontecia a operação que desencadeou a celeuma no judiciário: visando uma diminuição com a carga tributária, mais especificamente, o IPVA, empresas do ramo de locação veicular se estabeleciam em um Estado, cuja alíquota era menor, e o colocavam em circulação em um outro Estado, com alíquota maiores. Assim, frequentemente era vista frota de locadoras com placas de um Estado circulando em um outro.
Essa operação era possível graças a não unificação de alíquotas e desoneração tributária criada por alguns entes federativos. A Secretaria da Fazenda de Minas Gerais, por exemplo, aplica alíquota de 1% sobre a frota de empresas de locação de carros. Com isso, o Estado é responsável por sediar grande parte dessas locadoras, além de emplacar, em dados de 2018, 67% da frota destas empresas, de acordo com a ABLA – Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis.
Atentos a esse subterfúgio, alguns Estados começaram a tentar inibir a evasão de IPVA com leis mais restritivas e até operações policiais. São Paulo, por exemplo, editou em 2008 a Lei nº 13.296, dispondo expressamente sobre o regime a ser aplicado às locadoras de veículos, considerando como ocorrido o fato gerador do IPVA “na data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território deste Estado, em se tratando de veículo usado registrado anteriormente em outro Estado” ou “na data de sua aquisição para integrar a frota destinada à locação neste Estado, em se tratando de veículo novo”.
E para espancar qualquer dúvida sobre o claro intento arrecadatório do Estado de São Paulo, os dispositivos acima citados se aplicam “às empresas locadoras de veículos qualquer que seja o seu domicílio”.
Porém, já em 2007, eram adotadas medidas restritivas dessa postura adotada pelas empresas, como a operação “De Olho na Placa”, que, segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, causava um prejuízo estimado em R$ 1 bilhão. Um efetivo considerável de agentes de segurança pública e fiscal monitorou as vias públicas, cruzando dados e colhendo informações com o fim de inibir o registro de carro em domicílio fiscal mais favorável ao contribuinte.
O Poder Judiciário Paulista, por conseguinte, passou a receber um grande número de processos relativo ao assunto. De um lado, as locadoras arguiam que: i) o tributo a ser recolhido no local da prestação era inconstitucional; ii) a ilegitimidade do Estado de São Paulo em tributar veículos licenciados em outra unidade federativa; e iii) bitributação, pois o IPVA já havia sido recolhido em outro Estado. E do lado oposto, a Fazenda Pública de São Paulo sustentava que essa operação realizada pelas empresas do setor era verdadeira fraude.
Perante o Tribunal de Justiça paulista, a questão foi pacificada por meio da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0127403-35.2012.8.26.000, que julgou constitucional a Lei nº 13.296/2008. Contudo, o Tribunal já vinha se inclinando de modo desfavorável ao contribuinte em muitos outros casos, como na Apelação nº 0132516-38.2010.8.26.0000, à qual foi proferido o seguinte voto: “Não é, portanto, o licenciamento veicular o ato que, por si só, define a competência arrecadadora do IPVA, ainda que se admita ser o primeiro licenciamento condição para a série sucessiva da geração desse imposto. (…) Daí a relevância de aferir, em caso de pluralidade de domicílios das pessoas jurídicas, a ubiquação [em todos os lugares] habitual das atividades com o veículo automotor cujo domínio atraia a incidência do IPVA, localização que, sendo acidente real, não pode resultar de um documento que, apenas e formalmente, noticie a localização jurídica de um dos domicílios da empresa proprietária do veículo. O que, efetivamente, define a competência tributária em foco é a prova do lugar habitual das atividades com o veículo a cujo domínio converge o IPVA”.
Das decisões do TJ/SP foram interpostos recursos aos tribunais superiores, especialmente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Depois de mais de uma década de litígios, o STF, finalmente, deu por encerrada a discussão, decidindo favoravelmente aos Estados. Agora, não há mais a flexibilidade das empresas em escolher livremente a opção de menor carga tributária: onde houver frota circulando, paga-se o IPVA.
Resta ainda saber como ficará a questão do recolhimento do IPVA já feito em outra unidade da Federação. Pela disposição da Lei nº 13.296/2008, não se exigirá pagamento do imposto quando recolhido em outro Estado, exceto: i) quando deveria ter sido pago integralmente ao Fisco de São Paulo; ou ii) seja devido proporcionalmente por empresa locadora.
No nosso entender, o IPVA será devido proporcionalmente pelas locadoras, conforme a regra acima trazida, “na data em que vier a ser locado ou colocado à disposição para locação no território deste Estado, em se tratando de veículo usado registrado anteriormente em outro Estado”. Assim, caso haja registro do veículo em Minas Gerais em dado ano qualquer, por exemplo, recolhido o IPVA regularmente, e colocado para a prestação de serviços no mês de junho em São Paulo, será devido o imposto somente atinente ao segundo semestre daquele mesmo ano.
Claro que se trata de uma elucubração, e é imperioso aguardar o acórdão do Recurso Extraordinário nº1.016.605, para arrematar qualquer dúvida. No entanto, as locadoras de veículos já devem começar a pensar em como organizar suas operações daqui para frente visando se adequar à norma estabelecida pelo STF.
Artur Francisco da Silva, advogado em São Paulo.
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