Por Roberto Prado de Vasconcellos
Pode-se dizer que a legislação tributária brasileira, ao estabelecer o limite de 30% para pessoas jurídicas compensarem seus prejuízos fiscais, não pecou pela generosidade. A chamada “trava dos 30%”, prevista nos arts. 42 e 58 da Lei º 8.981/95, e nos arts. 15 e 16 da Lei nº 9.065/95, limita a compensação dos prejuízos fiscais em 30% das bases de cálculo do IRPJ e CSLL.
A razoabilidade da limitação em apenas 30% sempre foi questionada por alguns. Outra questão sensível para os contribuintes é a norma do art.33 do Decreto-Lei nº 2.341/87 que impede a pessoa jurídica sucessora por incorporação, fusão ou cisão de compensar prejuízos fiscais da sucedida.
Nas hipóteses de extinção de empresas, para a pessoa jurídica sucessora, a limitação de 30% vira proibição absoluta, resultando frequentemente na perda definitiva ao direito à compensação dos prejuízos. Por essa razão, nestes casos em que a pessoa jurídica é extinta, a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) chegou a permitir a compensação de prejuízos sem o limite dos 30 %.
Ocorre que há cerca de dez anos, a jurisprudência nos referidos casos de extinção de empresas foi sendo alterada para reiterar a aplicação da limitação de 30% tanto nas compensações de prejuízos fiscais em relação ao IRPJ, bem como em relação às bases de cálculo negativas de CSLL.
Nos últimos 12 meses, a questão da compensação de prejuízos foi abordada duas vezes por nossos tribunais superiores, a saber, no Supremo Tribunal Federal e, posteriormente, no Superior Tribunal de Justiça. Em ambos os casos, as decisões não foram favoráveis aos contribuintes.
Na decisão em plenário do RE 591340/SP em 27 de junho de 2019, o STF julgou constitucional a limitação legal da compensação de prejuízos em 30%. O relator, Min. Marco Aurélio, votou inicialmente a favor da inconstitucionalidade da limitação e chegou a mencionar sua possível natureza de confisco. Seu voto foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski.
Todavia, a maioria dos ministros seguiu o voto do Min. Alexandre de Moraes que fundamentou, em parte, seu entendimento no sentido de a questão não envolver cláusula pétrea, garantia de sobrevivência de empresas ineficientes, ou mesmo empresas que não conseguiram sobreviver ao mercado. A aplicabilidade da limitação da compensação de prejuízos em 30% nas hipóteses de extinção de empresas não foi analisada no recurso e, portanto, não foi objeto de julgamento do STF, mas sim do STJ em decisão recente.
Em 22 de junho de 2020, a Primeira Turma do STJ decidiu, por maioria de três a dois, o Resp 1805925 no sentido de a legislação não autorizar o afastamento do limite de 30% sobre compensação de prejuízos fiscais nos casos de extinção de empresas.
Reformou, assim, a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP/MS) que havia permitido a compensação de prejuízos sem a referida “trava”. O voto do relator, Min. Napoleão Nunes Maia Filho, no sentido ser possível compensações sem o limite de 30%, foi acompanhado pela Min. Regina Helena Costa, enquanto os votos divergentes (e vencedores) foram dos Ministros Gurgel de Faria, Sérgio Kukina e Benedito Gonçalves. A tese vencedora reconheceu que o direito à compensação seria mera expectativa de direito e que o benefício fiscal não pode ser ampliado se a lei não contemplar essa ampliação.
Na realidade, as restrições às compensações de prejuízos são revés adicionais à segurança jurídica que há muito tempo já não é mais projetada pela jurisprudência tributária brasileira sobre operações de fusões e aquisições (M&A). O contexto atual da pandemia certamente demanda uma maior flexibilidade em relação à compensação de prejuízos das empresas, mas as decisões dos últimos 12 meses do STF e STJ certamente demonstram que qualquer flexibilização deverá vir por outras fontes.
Roberto Prado de Vasconcellos é advogado sênior e coautor do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18.