Em ato editado recentemente, o Corregedor Nacional de Justiça passou a recomendar atenção dos cartórios no Brasil para evitar o abuso e violência de cunho patrimonial contra idosos durante a pandemia da Covid-19. A medida visa coibir que idosos, em situação de vulnerabilidade, sejam coagidos a transferir recursos e patrimônio durante este momento delicado pelo qual passamos.
Já escrevemos aqui sobre o Projeto de Lei (“PL”) nº 3.049/2020, que visa possibilitar a revogação de doação, imotivadamente, feita por idoso durante a pandemia do Covid-19. Leia aqui o artigo. Em Recome
Conforme já comentamos, sob a premissa de que os idosos seriam “pedra de sustentação” de famílias economicamente abaladas pela pandemia do Covid-19 e que a tensão familiar de tal circunstância seria propícia para que idosos fizessem doações como fruto de pressão e chantagem, referido PL introduziu significativo fator de insegurança nas relações jurídicas.
Em linha com este PL, a Corregedoria Nacional de Justiça (CNJ) editou a Recomendação nº 46/2020, aconselhando que os serviços notariais adotem medidas preventivas para evitar a prática de “violência patrimonial ou financeira” contra idosos, especialmente no período de pandemia do Covid-19.
A Recomendação nº 46/2020 sugere que os serviços notariais averiguem e, se necessário, promovam diligências, sempre com vistas a coibir abusos contra idosos, em relação a atos de (i) antecipação de herança; (ii) movimentação indevida de contas bancárias; (iii) venda de imóveis; (iv) tomada ilegal; (v) mau uso ou ocultação de fundos, bens ou ativos; e (vi) qualquer outra hipótese relacionada à exploração inapropriada ou ilegal de recursos financeiros e patrimoniais sem o consentimento do idoso.
Havendo indícios de qualquer violência patrimonial ou financeira contra idosos nos atos a serem praticados perante notários e registradores, tal fato deverá ser comunicado imediatamente ao Conselho Municipal do Idoso, Defensoria Pública, Polícia Civil ou Ministério Público.
A exemplo do PL nº 3.049/2020, a Recomendação nº 46/2020 não especifica qualquer procedimento a ser adotado pela serventia após a comunicação dos fatos ao órgão competente e também não esclarece se os atos de transferência patrimonial poderão ser levados a termo enquanto investigados. De igual forma, não se elucida como serão tratados os terceiros de boa-fé caso os atos de transferência de patrimônio sejam ultimados e, posteriormente, invalidados.
Em termos práticos, a Recomendação não endereça as consequências de casos em que transferências patrimoniais foram realizadas por idosos e somente posteriormente foram investigadas e invalidadas. Nestas hipóteses, o patrimônio outrora transferido pode não mais estar em poder daquele que abusou do idoso e foi beneficiado por tal ato. Antes, o patrimônio objeto do ato investigado pode já ter sido alienado para terceiro de boa-fé, que pode se ver prejudicado por não saber que o bem adquirido tinha como origem uma transferência patrimonial efetuada por um idoso coagido.
A Recomendação nº 46 entrou em vigor em 22 de junho de 2020 e terá validade até 31 de dezembro de 2020, podendo ter sua validade prorrogada ou reduzida, enquanto subsistir a situação excepcional que levou à sua publicação.
Priscila Lucenti Estevam, advogada e contadora especializada em planejamento patrimonial e sucessório, coautora dos livros Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos e Tributação da Economia Digital no Brasil, e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18