Por Roberto Prado de Vasconcellos
Brasileiros que se mudam para os Estados Unidos devem tomar muito cuidado com os investimentos financeiros que deixam no Brasil, caso contrário podem surpresas fiscais muito desagradáveis em solo americano.
É muito comum brasileiros terem aplicações financeiras em quotas de fundos de investimento das mais variadas naturezas. Os fundos de investimento têm sido os veículos mais adotados por brasileiros para conduzir seus investimentos financeiros, seja conjuntamente com outras centenas de quotistas, seja apenas com membros de sua família (fundos restritos), ou mesmo quando todas as quotas pertencem a um único titular (fundos exclusivos).
Embora os fundos de investimento sejam meios práticos e inteligentes para diversificar investimentos financeiros, poucos investidores conhecem os efeitos fiscais adversos que podem resultar quando alguém que invista em fundos de investimentos no Brasil, se torna um residente fiscal americano ou titular de um green card.
Na realidade, a experiência mostra que o planejamento patrimonial é indispensável a qualquer pessoa que tenha intenção de se tornar residente americano, ou que simplesmente corra o risco de ser considerado residente em razão de tempo de permanência nos Estados Unidos.
Todo residente fiscal americano tem a obrigação de reportar ao fisco dos Estados Unidos toda a renda que obtiver, independente do país de origem do investimento. Neste sentido, a obrigação é semelhante a que um residente fiscal brasileiro está sujeito no Brasil.
Entretanto, a diferença essencial entre os dois países está na tributação americana de empresas e fundos fora dos Estados Unidos.
Ao contrário do Brasil, os EUA tributam a renda ativa e passiva de uma empresa ou fundo de investimento controlado por pessoas físicas que sejam residentes fiscais americanas, ou titulares de green card, através de um conjunto complexo de regras conhecidas como Subpart F e Global Intangible Low Taxed Income (GILTI).
Em geral, a renda ativa de um negócio fora dos Estados Unidos que seja tributada por alíquotas superiores às americanas costuma, em princípio, ter sua tributação nos EUA diferida.
Entretanto, a possibilidade de prevenir ou mesmo diferir a tributação americana é remota no caso dos fundos de investimentos usados como aplicações financeiras de pessoas físicas brasileiras.
No caso específico de fundos de investimentos em que a participação do investidor seja mínima ou que não alcance a definição de controle, é possível que o fundo seja classificado como um passive foreign income corporation (PFIC) cuja tributação inclui a alocação do imposto devido e juros desde o primeiro dia em que as cotas do fundo foram adquiridas, ou desde quando o investidor adquiriu a residência fiscal americana.
Além disso, a alíquota do imposto de renda aplicável deverá necessariamente ser a mais alta (atualmente, 37% para pessoas físicas), ainda que a faixa tributável corresponda à alíquota inferior se as regras do PFIC não fossem aplicáveis.
Mais precisamente, para ser um PFIC, a lei americana exige que 75% ou mais da renda recebida por uma pessoa jurídica ou fundo seja passiva, ou que 50% ou mais dos ativos sejam usados para produção de renda passiva.
A sujeição ao regime legal previsto para PFICs pode ocorrer como “elemento surpresa”, pois nenhum imposto é devido nos Estados Unidos enquanto não houver ganho no resgate das quotas, ou o repasse ao quotista não for superior a 125% da média das distribuições recebidas pelo quotista nos três anos anteriores (ou período inferior se as quotas tiverem sido adquiridas mais recentemente, ou se a residência americana tiver sido caracterizada em menos tempo).
Ou seja, sempre que a residência fiscal americana for uma possibilidade (intencional ou acidental por tempo de permanência nos Estados Unidos), é preciso rever estruturas societárias e investimentos.
Para quem é residente fiscal americano, ter um investimento financeiro em fundos fora dos Estados Unidos pode acarretar um aumento considerável da tributação americana, principalmente em razão das regras do PFIC.
Problema semelhante também pode acontecer no caso de fundos exclusivos, ainda que as regras aplicáveis neste último caso sejam outras.
O direito americano prevê alguns meios específicos para prevenir, ou remediar se for o caso, os efeitos fiscais adversos dos PFICs através de opções (“elections”) disponíveis ao contribuinte como, por exemplo, os chamados “Qualified Electing Fund” e “Mark-to-Market”. Entretanto, muitas vezes, essas opções não são suficientes sem que uma restruturação mais abrangente seja implementada.
Além das questões acima, residentes fiscais americanos também precisam reportar suas contas no exterior em formulários específicos (FBAR etc), cujas penalidades pela ausência de entrega podem ser bastante severas. Em todo caso, nunca se deve subestimar a complexidade e a diferença dos sistemas tributários brasileiro e americano, muito menos menosprezar necessidade de um planejamento para evitar tributação excessiva e desnecessária.
Roberto Prado de Vasconcellos é especialista em tributação americana, advogado sênior, e coautor do livro Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, publicado pela Editora B18.