Por David Roberto R. Soares da Silva
Para o Superior Tribunal de Justiça, planos de previdência podem ser considerados investimentos financeiros e, portanto, devem ser partilhados em caso de divórcio de casal sob o regime da comunhão parcial de bens.
Uma decisão inusitada do Superior Tribunal de Justiça (STJ) do começo de setembro de 2020 decidiu que um plano de previdência de um dos cônjuges não poderia ser considerado bem particular, mas sim bem comum, devendo ser partilhado quando do divórcio do casal. O entendimento flexibiliza o que dispõe o Código Civil que determina a incomunicabilidade de pensões recebidas pelos cônjuges.
Para contextualizar, o art. 1.658 do Código Civil determina que, no regime da comunhão parcial, os bens adquiridos na constância do casamento são comuns a ambos os cônjuges.
Já o art. 1.659 estabelece regra de exceção, listando quais itens não são comuns e que, portanto, não são partilhados em caso de divórcio.
Diz o referido artigo:
“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.”
Com base no inciso VII, havia entendimento de que os planos de previdência privada, dada a sua natureza de previdência complementar, estariam inseridos no rol dos bens particulares, não se sujeitando à partilha em caso de divórcio.
Ao apreciar o Recurso Especial nº 1.698.774/RS, no entanto, a 3ª Turma do STJ decidiu que, durante a fase de acumulação do benefício, os planos de previdência privada não possuem natureza equivalente às pensões, mas sim natureza de aplicação financeira.
Com isso, devem ser incluídos na comunhão nos termos da regra geral do art. 1.660, inciso I, do Código Civil que determina que entram na comunhão “os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges”.
Na mesma linha, os rendimentos auferidos nesses planos também devem ser partilhados por força do inciso V do mesmo dispositivo legal (“os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão”).
O caso analisado dizia respeito a plano de previdência complementar aberto, cujas regras flexíveis permitiam aportes e resgates livremente, de maneira similar a outras aplicações financeiras. A decisão faz referência expressa tanto a PGBL, como VGBL, deixando de fora da partilha apenas os planos de previdência fechado que não permitem o resgate durante a fase de acumulação.
Vale transcrever trechos do acórdão:
“4- Os planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela SUSEP, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física e jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida, razão pela qual a sua natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira.
5- Considerando que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal apontados em precedente da 3ª Turma desta Corte (REsp 1.477.937/MG).
6- Embora, de acordo com a SUSEP, o PGBL seja um plano de previdência complementar aberta com cobertura por sobrevivência e o VGBL seja um plano de seguro de pessoa com cobertura por e sobrevivência, a natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.
7- Todavia, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, razão pela qual o valor existente em plano de previdência complementar aberta, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002)”.
Pelo teor da decisão, a partilha de saldos de planos de previdência, na dissolução da sociedade conjugal, somente ocorre enquanto o plano estiver na fase de acumulação, dado que neste momento se assemelha a outros investimentos financeiros.
Ao atingir a fase de pagamento de benefício, a decisão do STJ aceita a natureza de pensão da previdência privada, devendo o saldo então existente ser considerado bem particular não sujeito à partilha no divórcio, nos termos do art. 1.659, VII do Código Civil.
A decisão é importante, pois não são raras as orientações de advogados e de consultores em finanças pessoais que sugerem a aplicação em planos de previdência aberta como forma de proteção patrimonial em caso de divórcio.
A previdência privada aberta é uma ferramenta interessante de planejamento patrimonial e sucessório, especialmente em razão de seus aspectos tributários, mas não deve ser adotada de forma indiscriminada como mecanismo de proteção patrimonial, sem a devida consideração dos riscos, incluindo a recente decisão do STJ.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado especializado em planejamento patrimonial e sucessório, sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, e autor do Brazil Tax Guide for Foreigners, e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos, e Tributação da Economia Digital no Brasil, todos publicados pela Editora B18.