Por Bruno Lima e Moura de Souza
No planejamento sucessório internacional de alta complexidade, o uso de estruturas fiduciárias, como trusts e fundações privadas, é quase obrigatório para as famílias que pretendem proteger seu patrimônio e perpetuá-lo por gerações. E, nessas estruturas, uma figura comum é o protetor, cujas funções têm por objetivo assegurar que as regras da estrutura sejam cumpridas nos termos estabelecidos por seu instituidor.
Essas estruturas permitem que se crie regras específicas de gestão e distribuição. Uma dúvida nas famílias que estão se familiarizando com este tipo de estrutura, é: “com o falecimento do instituidor do trust ou fundação privada, quem ficará responsável por supervisionar, monitorar e certificar que estas regras específicas de gestão e distribuição estão sendo colocadas em prática?”
É aí que surge a figura do protetor.
Todos conhecem a história de Alfred Pennyworth, que após o falecimento de Thomas e Martha Wayne, ficou responsável por administrar as Empresas Wayne e buscar promover a educação e desenvolvimento do filho do casal, Bruce Wayne, que mais tarde viria a se tornar o Batman. Talvez Alfred seja o personagem mais conhecido que podemos associar a figura de um protetor. Levando em conta que os pais de Bruce Wayne dispunham de uma fortuna considerável, eles certamente teriam um trust ou fundação para perpetuar seu patrimônio através das gerações.
Traçado esse paralelo, depreende-se que um protetor é uma pessoa ou instituição (a exemplo de um banco ou empresa de serviços financeiros) que é designada pelo instituidor do trust ou fundação para exercer um papel de supervisão e fiscalização naquela estrutura.
Assim, respondendo à pergunta feita anteriormente, o protetor é responsável por (i) verificar se os objetivos e as disposições do trust ou da fundação privada estão sendo cumpridos de forma adequada e, (ii) por tomar decisões sobre questões que envolvem a estrutura fiduciária. Em alguns casos, o protetor pode ser remunerado por seus serviços, mas isso depende das disposições do trust ou da fundação privada.
O papel do protetor é importante para garantir que o trust ou a fundação privada cumpra os seus objetivos e disposições de forma transparente e responsável. O protetor é um elemento fundamental do sistema de governança de um trust ou fundação privada, e deve ser escolhido com cuidado para garantir que exerça suas funções de forma independente, ética e eficaz.
Os poderes mais comuns de um protetor em um trust ou fundação privada podem se dividir em quatro categorias, a saber:
- Poder de fiscalização: O protetor tem o poder de fiscalizar a administração do trust ou da fundação privada, verificando se os objetivos e as disposições do trust ou da fundação estão sendo cumpridos de forma adequada;
- Poder de tomada de decisão: O protetor é responsável por tomar decisões sobre questões que envolvem o trust ou a fundação privada, como a nomeação ou destituição de administradores ou a alteração dos objetivos ou disposições do trust ou da fundação;
- Poder de intervenção: o protetor pode intervir no trust ou na fundação privada, tomando medidas para proteger os seus ativos e os interesses daquela estrutura fiduciária; e
- Poder de arbitragem: O protetor é designado como árbitro em caso de disputas ou conflitos entre os beneficiários do trust ou da fundação privada.
Os poderes do protetor são definidos pelo ato constitutivo do trust ou da fundação privada e variam conforme a necessidade e os interesses do seu instituidor. É importante ler atentamente o ato constitutivo para compreender os poderes do protetor e as suas responsabilidades. Vejamos, de forma detalhada, exemplos de poderes em cada uma das quatro categorias:
Poder de fiscalização
Entre os poderes de fiscalização de um protetor, podemos destacar:
- acompanhar a administração do trust ou da fundação privada, verificando se os seus objetivos e disposições estão sendo cumpridos de forma adequada pelo trustee ou conselho da fundação.
- solicitar informações sobre a administração do trust ou da fundação privada;
- Examinar documentos e registros, participar de reuniões de administradores ou de beneficiários.
Poder de tomada de decisão
Exemplos de poder de tomada de decisão do protetor em um trust ou fundação privada são:
- nomear ou destituir administradores, trustes, membros do conselho da fundação ou de outros órgãos dessas estruturas;
- alterar objetivos ou disposições do trust ou da fundação;
- aprovar atos administrativos, como a aprovação de orçamentos, de contratos ou de políticas de investimento;
- aprovar alterações aos atos constitutivos;
- aprovar transações que envolvam o trust ou a fundação privada, como a compra ou venda de ativos, a realização de investimentos ou a celebração de contratos.
Poder de intervenção
Em relação ao poder de intervenção do protetor no trust ou fundação podemos destacar:
- Poder de tomar medidas para proteger os ativos e os interesses do trust ou da fundação em caso de má administração ou ameaça à integridade da estrutura fiduciária, podendo nomear um novo administrador ou destituir um administrador que esteja agindo de forma prejudicial;
- Poder de veto sobre decisões tomadas pelos órgãos da estrutura fiduciária, como vetar a venda de um bem do trust, se julgar que essa venda não é consistente com os objetivos do trust;
- Poder de substituir os administradores ou os beneficiários do trust ou da fundação privada por outras pessoas ou instituições, se julgar que essa substituição é necessária para proteger os ativos e os interesses da estrutura fiduciária;
- Poder de dissolver a estrutura, encerrar suas atividades, e distribuir seus ativos entre os beneficiários ou para outras pessoas ou instituições.
Poder de arbitragem
No poder de arbitragem, ao protetor é atribuída a função de mediar, arbitrar e resolver disputas ou conflitos entre os beneficiários e os diversos órgãos que existam no trust ou fundação privada.
Conclusão
A instituição de um trust ou fundação busca salvaguardar a riqueza da família para as gerações vindouras; nela a figura do protetor se mostra imprescindível para adaptar a estrutura fiduciária às necessidades específicas da família, mitigando assim eventuais problemas futuros. A indicação de um protetor de confiança é de suma importância, devendo ser tomada sempre sob orientação de um conselheiro jurídico a fim de evitar que o protetor se torne uma figura com “superpoderes” dentro da estrutura fiduciária.
O instituidor deve garantir que o instrumento de constituição do trust ou fundação privada deixe claro como se espera que o protetor exerça os seus poderes, de modo que ele será obrigado a exercer seus poderes estritamente conforme estabelecido no ato constitutivo do trust ou fundação.
Devem ser previstos, também, regras e mecanismos para a nomeação de novos protetores no futuro, e também a sua substituição em caso de renúncia, morte, incapacidade ou mesmo descumprimento de suas funções.
A beleza das estruturas fiduciárias como trusts e fundações privadas está no equilíbrio de poderes entre as diversas partes envolvidas, não sendo recomendável, jamais, que o poder de uma delas se sobreponha às demais sob pena de colocar em risco a sua própria razão de ser.
Bruno Lima e Moura de Souza é advogado pós-graduado em direito tributário e integrante do departamento de tax e wealth planning do BLS Advogados em São Paulo.
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