Por Vanessa Scuro
Como se sabe, a titulação de bens em condomínio é sempre fonte de potenciais litígios entre os cotitulares. Tratando-se de coerdeiros ou de ex-cônjuges, o risco é ainda maior. Em razão disso, é sempre recomendável que nas partilhas de inventários ou de divórcios seja promovida a divisão cômoda dos bens entre as partes, principalmente com relação aos imóveis.
E tal orientação foi incorporada pelo Código de Processo Civil de 2015, ao estabelecer que as partilhas sejam regidas pelos princípios da igualdade e da comodidade, buscando a prevenção de litígios futuros (art. 648) e que “bens insuscetíveis de divisão cômoda (…) serão licitados entre os interessados ou vendidos judicialmente, partilhando-se o valor apurado, salvo se houver acordo para que sejam adjudicados a todos” (art. 649).
Porém, há uma circunstância que desestimula a opção por esse importante mecanismo de prevenção de litígios familiares: a exigência de Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (“ITBI”) por alguns fiscos municipais.
Especificamente, a legislação municipal paulistana (que é seguida pela maioria dos demais municípios paulistas) estabelece o pagamento do ITBI sobre “o valor dos imóveis que, na divisão de patrimônio comum ou na partilha, forem atribuídos a um dos cônjuges separados ou divorciados, ao cônjuge supérstite ou a qualquer herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão, considerando, em conjunto, apenas os bens imóveis constantes do patrimônio comum ou monte-mor.” (arts. 1º e 2º, inciso VI, Lei Municipal nº 11.154/1991).
Segundo esse entendimento, cada bem imóvel que componha o patrimônio comum deve ser atribuído em frações ideais iguais a cada uma das partes. Não obedecendo a partilha a esse critério, ficariam configuradas transações imobiliárias onerosas, sujeitas à incidência de ITBI.
Ou seja, se um casal tem dois imóveis de mesmo valor e na partilha de seu divórcio resolve atribuir um imóvel para cada um deles, as autoridades fiscais municipais exigirão o pagamento de ITBI sobre as metades dos imóveis que cada um transferiu ao outro.
Contudo, essa exigência é descabida. A mera divisão de patrimônio comum não é ato oneroso a justificar a incidência de ITBI. Os bens imóveis sujeitos a partilha não podem ser considerados individualmente. O patrimônio comum é uma universalidade da qual cada parte tem direito a um percentual do todo e não de cada bem considerado isoladamente.
São inúmeros os julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo nesse sentido, sendo certo que o tribunal já assentou que “divisão amigável do patrimônio do casal através de consenso que não caracteriza onerosidade, tampouco, transmissão, mas mera divisão.” (Apelação nº 1048238-49.2015.8.26.0053, 15ª Câmara de Direito Público, Des. Rel. Raul de Felice, julgado em 09.11.2017) (destaques nossos).
Porém, como o afastamento da cobrança do ITBI depende do prévio ingresso de uma medida judicial, não raro os envolvidos desistem de realizar uma divisão cômoda dos imóveis para evitar os custos envolvidos.
Ou, ainda, decidem pagar o imposto indevido, porque o valor deste muitas vezes não justifica a contratação de advogado para obtenção da decisão autorizando o não pagamento.
Vale lembrar que o imposto indevidamente recolhido pode ser recuperado por meio de ação de repetição de indébito, mas a qual também não se justifica em todos os casos, em razão dos custos para seu ajuizamento.
Vê-se, assim, que a exigência de ITBI na divisão cômoda de patrimônio comum, além de indevida, está na contramão desse importante mecanismo de prevenção de litígios familiares.
Vanessa Scuro é advogada especialista em Direito de Família e das Sucessões, pós-graduada em Direito Notarial e Registrário Imobiliário, e sócia do Dias Carneiro Advogados, em São Paulo, em São Paulo.