Por David Roberto R. Soares da Silva
Nas últimas semanas, as seções de economia e negócios da grande imprensa têm noticiado a criação do chamado ‘voto plural’ nas sociedades anônimas e as suas consequências para as companhias abertas com ações negociadas em bolsa. Mas, as mudanças à lei societária foram muito mais profundas, trazendo oportunidades no planejamento patrimonial e sucessório
A Lei nº 14.195/2021, publicada em 27 de agosto de 2021, é o resultado da conversão da Medida Provisória nº 1.040, editada em março de 2021 para facilitar a abertura de empresas no Brasil. Durante o seu trâmite legislativo, foram incorporados novos dispositivos, promovendo importantes alterações na regulação das S.A., que não se limitam ao voto plural.
Mas, comecemos pelo voto plural. A Lei nº 14.195/2021 passou a permitir a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com o chamado voto plural. O voto plural nada mais é do que uma ação com direito a mais de um voto, o que pode influenciar o poder de controle na S.A. Pela lei, a atribuição de voto plural não pode ser superior a dez votos por ação.
Para as novas S.As., o estatuto social já pode prever classes de ações ordinárias como voto plural. Para as sociedades anônimas já existentes, a criação de classe de ações ordinárias com atribuição do voto plural depende do voto favorável de acionistas que representem:
- metade, no mínimo, do total de votos conferidos pelas ações com direito a voto;
E, também,
- metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito, se emitidas, reunidas em assembleia especial convocada para essa finalidade, observadas as formalidades legais.
Ou seja, a criação de voto plural depende da aprovação de maioria dos acionistas, tanto daqueles com ações ordinárias, como dos detentores de ações preferenciais sem direito a voto. Para esses últimos, é necessária assembleia especial para essa deliberação. Aos acionistas dissidentes – aqueles que não concordarem com a mudança – é assegurado o direito de se retirarem da S.A mediante reembolso do valor de suas ações nos termos do que estabelecer o estatuto social.
O voto plural atribuído às ações ordinárias terá prazo de vigência inicial de até sete anos, prorrogável por qualquer prazo, sob certas condições, dentre elas uma nova assembleia que delibere a prorrogação.
As ações de classe com voto plural serão automaticamente convertidas em ações ordinárias sem voto plural, nos seguintes casos:
- transferência, a qualquer título, a terceiros, exceto se:
- o alienante permanecer indiretamente como único titular de tais ações e no controle dos direitos políticos por elas conferidos;
- o terceiro for titular da mesma classe de ações com voto plural a ele alienadas; ou
- a transferência ocorrer no regime de titularidade fiduciária para fins de constituição do depósito centralizado; ou
- o contrato ou acordo de acionistas, entre titulares de ações com voto plural e acionistas que não sejam titulares de ações com voto plural, dispor sobre exercício conjunto do direito de voto.
No âmbito do planejamento patrimonial e sucessório, não há dúvidas de que o voto plural se tornará uma ferramenta interessante, permitindo a manutenção do poder de controle com um número significativamente pequeno de ações ordinárias. Para os novos planejamentos, o patriarca ou matriarca da família pode constituir uma S.A que já contemple o voto plural e, com isso, controlar a companhia detendo um percentual pequeno de ações. Além disso, não há nada na lei que proíba que ações com votos plurais sejam doadas aos herdeiros com cláusula de usufruto. Mas, nesse caso, é necessário que haja acordo de acionistas dispondo sobre o exercício conjunto de direito de voto, sob pena de as ações perderem o voto plural e, com isso, prejudicarem o poder de controle do usufrutuário.
Outra modificação relevante diz respeito à possibilidade de membros da administração da S.A. serem não residentes no Brasil. Desde a promulgação da Lei das S.As. em 1964 até agora, somente pessoas naturais residentes no Brasil poderiam ocupar cargo na administração da S.A, fosse na diretoria, fosse no Conselho de Administração. A partir de setembro de 2021, os cargos de administração podem ser ocupados, também, por pessoas naturais residentes no exterior, mas a sua posse é condicionada à constituição de procurador residente no País com poderes para receber citação no prazo de 3 anos após o fim da sua gestão[1].
Note que não se trata de procurador para gerir a empresa em nome do diretor não residente. A gestão será feita pelo próprio não residente; o procurador deve ser nomeado apenas com poderes para receber citação em ações sobre questões societárias (e de CVM, para empresas sob a supervisão dessa autarquia).
A essa alteração soma-se outra, editada em junho, mas que entrou em vigor nos últimos dias. Até então, a Diretoria de uma S.A. deveria ser composta por ao menos dois diretores. Essa era uma das desvantagens com relação à sociedade limitada, que exigia apenas uma pessoa física para administrá-la. A Lei Complementar nº 182/2021 (Marco Legal das Startups) alterou o art. 143 da Lei das S.As. e passou a permitir que a Diretoria de uma S.A seja composta por um ou mais diretores, facilitando a gestão, especialmente nas S.A menos complexas.
Essas duas mudanças podem ser especialmente interessantes para famílias que faça a saída fiscal definitiva para residir em outro país. Até agora, o acionista que era diretor de sua empresa e que se mudasse do Brasil deveria nomear diretores para gerir a sua empresa. No caso de holdings patrimoniais, o acionista/diretor perdia a gestão e controle diário da empresa, dado que a representação da sociedade deveria ser feita por diretor residente no Brasil. Isso não é mais necessário. O acionista controlador da holding (e de qualquer S.A. operacional) pode dar saída definitiva fiscal e se manter como diretor da empresa, desde que nomeie representante para receber citação. Não se questiona que a gestão a partir do exterior pode ser mais complexa, mas o que interessa, aqui, é a nomeação de diretor residente no Brasil passa a ser facultativa e não mais obrigatória.
A nova S.A. “simplificada”
Além da estrutura e gestão mais complexa, uma das desvantagens da S.A. sempre foi a sua burocracia e exigências de publicação de seus atos no Diário Oficial e jornal de circulação no local da sede da empresa.
Como regra, a S.A. está obrigada a manter vários livros societários físicos, como o Livro de Registro de Ações Nominativas, o Livro de Transferência de Ações Nominativas, o Livro de Registro de Partes Beneficiárias Nominativas, o Livro de Atas das Assembleias Gerais; Livro de Presença dos Acionistas; os livros de Atas das Reuniões do Conselho de Administração, de Diretoria e do Conselho Fiscal[2].
Pois bem, a Lei Complementar nº 182/2021, já citada acima, criou uma espécie de S.A. “simplificada”, que nada mais é do que a S.A. com receita bruta anual de R$ 78 milhões[3]. A partir de 1º de setembro de 2021, a S.A. de capital fechado com essa receita bruta anual poderá realizar a publicação de suas demonstrações financeiras de forma eletrônica. Da mesma forma, essa S.A. de capital fechado poderá substituir os livros comerciais descritos no parágrafo anterior por registros mecanizados ou eletrônicos.
Trata-se de simplificações importantes que reduzem a burocracia e o custo de manutenção dessa S.A.. E note que a lei fala em receita bruta anual de R$ 78 milhões, não dizendo nada a respeito do tamanho do patrimônio. Ou seja, é irrelevante o tamanho do patrimônio para definir uma S.A. como simplificada, bastando que se respeite o limite da receita bruta anual.
Conclusão
Com as novas regras, temos que o planejamento patrimonial e sucessório utilizando uma S.A. como holding ficou mais simples e oferece oportunidades interessantes. Não que a S.A. passe a ser a resposta padrão para qualquer tipo de patrimônio ou planejamento, mas a distância entre a S.A. e limitada ficou mais curta e facilitada.
Além disso, a redução do número mínimo de diretores para um único individual que sequer precisa ser residente no Brasil poderá ser fator de incentivo ao uso desse tipo societário por famílias que se mudam fiscalmente do Brasil.
Trata-se, sem dúvida, de muitas boas novas para aqueles que militam com planejamento patrimonial e sucessório.
David Roberto R. Soares da Silva é advogado tributarista, também especializado em planejamento patrimonial e sucessório. É sócio do Battella, Lasmar & Silva Advogados, autor do Brazil Tax Guide for Foreigners (2021), e coautor do Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos (2018), Tributação da Economia Digital no Brasil (2020), Renda Variável: Investimentos, Tributação e Como Declarar (2021), e do e-book Regimes de Bens e seus Efeitos na Sucessão, todos publicados pela Editora B18.
[1] Lei nº 6.404/1976, Art. 146 § 2º, com a alteração promovida pela Lei nº 14.195/2021.
[2] Lei nº 6.404/76, Art. 100.
[3] Lei nº 6.404/76, Art. 294, inciso III, com a redação dada pela Lei Complementar nº 182/2021.