Por Emanuele Paranan Barbosa Güther
A obrigação alimentar é prevista na Constituição Federal como direito social (Artigo 6º) em seu Artigo 229, bem como no entendimento de Paulo Lôbo: “têm significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais de pessoas, em virtude de relações de parentesco, do dever de assistência ou de amparo.”[1]
Os alimentos são regulamentados pela Lei nº 5.478/1968, que prevê:
“Art. 2º. O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe.”
Cumpre salientar, ainda, que o dever dos pais em sustentar os seus filhos decorre do poder familiar e deve ser cumprido incondicionalmente. Dessa forma, a necessidade do filho em relação à pensão alimentícia emerge naturalmente, não sendo necessário que o filho comprove ao seu pai ou à sua mãe a necessidade de receber alimentos. Já em relação ao valor dessa obrigação alimentar é que caberá a demonstração das necessidades dos filhos frente às possibilidades do alimentante, de modo que o balizador para a fixação dos alimentos, além da necessidade do filho, são as possibilidades do pai ou da mãe.[2]
Para menores de idade a presunção de necessidade dos filhos é absoluta e está prevista na Lei nº 5.478/1968, cujo art. 4º estabelece que, mesmo se não requeridos, os alimentos provisórios devem ser fixados pelo juiz:
“Art. 4º As despachar o pedido, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita.”
Os alimentos são delimitados de acordo com as despesas do alimentado, onde ele (que é considerado credor) deve comprovar suas necessidades, bem como, a possibilidade financeira do réu.
Ao completar 18 anos a pessoa adquire plena capacidade civil e presume-se o fim do poder familiar. Mas esse fato não leva à extinção automática do encargo alimentar, que permanece enquanto os filhos estiverem estudando (Artigo 1.694 do Código Civil). Para se eximir dessa obrigação, o genitor, que é devedor dos alimentos, deve ingressar com Ação de Exoneração para encerrar o pagamento.
A Súmula 358 do STJ prevê a impossibilidade de cessar a pensão sem decisão judicial:
“(…)com a maioridade do filho, a pensão alimentícia não pode cessar automaticamente, devendo o pai fazer o procedimento judicial para exonerar-se ou não da obrigação de pensionar o filho.”[3]
Contudo, pouco se encontra na literatura jurídica sobre a obrigação alimentar de filhos com necessidades especiais, que na grande maioria possuem transtornos, como neurológicos, psiquiátricos, dentre outras doenças, que configuram como PCD – Pessoas com Deficiência. Nestes casos há necessidade de que os alimentos sejam fixados levando-se em consideração os gastos com medicamentos e tratamentos médicos, terapias, que podem ser essenciais durante toda a vida do filho.
Levando em consideração as necessidades especiais das pessoas com deficiência, ocorre em alguns casos o pedido para que os alimentos sejam prestados de forma vitalícia, tendo em vista que a deficiência exige cuidados como por exemplo de um cuidador em tempo integral.
O cuidador, na maioria dos casos, é a mãe, que acaba se dedicando em tempo integral para os cuidados com essa criança, que um dia se tornará adulto, mas continuará a depender de cuidados.
Na fase adulta, normalmente, os pais buscam a curatela dos filhos especiais, ou seja entram com uma ação judicial de curatela para um deles ser o responsável legal (curador especial) e responder pelos atos civis do curatelado, como por exemplo administrar os bens, os quais, após a maioridade, deveriam ser geridos pelo próprio filho.
Em caso de divórcio dos pais, este somente pode ser feito pela via judicial quando há filhos incapazes. Todavia, está em tramitação um projeto de lei (Projeto de Lei 731/21) altera a legislação civil para permitir que o divórcio, a separação e a dissolução de união estável possam ser feitos de forma extrajudicial ainda quando o casal tiver filho incapaz ou nascituro (ainda em gestação)[4].
Nos casos de filhos com necessidades especiais, a análise do magistrado deve ocorrer de forma cautelosa para conceder a pensão alimentícia da criança ou adolescente com necessidades especiais, pois a deficiência poderá exigir cuidados especiais durante toda a sua fase adulta. A exoneração nesse caso aparentemente não caberia futuramente ao credor e sim a concessão de alimentos de forma vitalícia. Nesse sentido, vale transcrever julgado sobre o assunto:
“É presumida a necessidade de percepção de alimentos do portador de doença mental incapacitante, devendo ser suprida nos mesmos moldes dos alimentos prestados em razão do Poder Familiar, independentemente da maioridade civil do alimentado. STJ. 3ª Turma. REsp 1.642.323-MG.”
Pensão vitalícia[5] significa que é devida por toda a vida do filho, independentemente da maioridade, ou de estar cursando instituição de ensino após completar a maioridade.
Todavia, caso o filho deficiente seja dependente de pensão junto ao INSS (Instituto Nacional da Previdência Nacional) e, após completar a maioridade, venha a trabalhar, ou seja, se tornar um contribuinte do sistema previdenciário, é permitido reduzir em até 30% o valor da pensão, desde que a deficiência seja Intelectual e ou mental. Essa previsão foi inserida pela Lei nº 12.470/2011.
As pessoas com deficiência de natureza intelectual (antes chamada no Brasil de deficiência mental) são aquelas de comprovado déficit cognitivo porque o seu funcionamento intelectual é significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e trabalho. Ao ampliar e incluir também as pessoas com deficiência de natureza mental, relacionada à saúde mental, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência resgata antiga reivindicação do movimento de pessoas com doenças mentais. A concepção de deficiência mental está ligada às funções mentais do corpo e que podem gerar transtornos mentais. São exemplos, a esquizofrenia, depressão, síndrome do pânico, transtorno obsessivo-compulsivo, paranoia, mania, entre outros, controlados por meio de medicamentos[6].
No planejamento sucessório, deve-se observar sobre os bens de pessoas curateladas, pois são administrados pelos curadores especiais que devem usar os recursos para manter as necessidades básicas do curatelado, que neste caso de deficiência devem ser incluídos os gastos com medicamentos e terapias que necessitem.
A obrigação alimentar não é somente dos pais em decorrência do poder familiar. A reciprocidade de obrigação alimentar entre pais e filhos[7] é ônus que se estende a todos os ascendentes, recaindo sempre nos mais próximos. Dessa forma, se quem deve alimentos em primeiro lugar não puder suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os parentes de grau imediato[8], neste caso, os avós.
Em sua Súmula 596[9], ó STJ prevê que a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária. Os alimentos devem ser fixados atendendo à capacidade financeira dos genitores e não dos avós[10].
Em casos de alimentos avoengos, os avós podem ser chamados ao processo para inserir o neto em plano de saúde ou até para o atendimento de alguma despesa extraordinária[11].
O genitor que detém a guarda fica não somente com a pensão alimentícia, pois terá o ônus de manter os filhos será dele em consonância com toda a rotina que uma pessoa com deficiência exige: ministrar remédios, acompanhamento nas terapias e consultas médicas.
Contudo, quando há divórcio com filhos menores há necessidade de um cuidado maior, tanto pelos advogados atuantes quanto pelas partes que deveriam prezar pelo melhor interesse dos menores e buscar um acompanhamento psicológico. A busca por ajuda com psicólogos nos casos com filhos autistas por exemplo é primordial, pois tem a característica de seguirem a rotina e se desregulam com facilidade com mudanças. Pessoas com deficiência podem ou não ter capacidade laborativa a depender do grau da incapacidade e cada caso tem que ser observado com cautela para não onerar o valor da pensão sem a devida necessidade do alimentado.
[1] Paulo Lôbo, Direito Civil: Famílias, 371.
[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias – 5. ed. – São Paulo: RT, 2009, pág. 492.
[3] https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2012_31_capSumula358.pdf
[4] https://www.camara.leg.br/noticias/737843-projeto-permite-divorcio-extrajudicial-para-casal-com-filho-incapaz-ou-nascituro/
[5] vi·ta·lí·ci·o | adj | 1 Destinado a durar a vida toda. |2 Com garantia constitucional da vitaliciedade: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/vitalicio
[6] https://www.cesdcampinas.org.br/pensao-do-dependente-com-deficiencia-intelectual-mental-ou-grave-direito-de-trabalhar-e-acumular-a-pensao-com-a-remuneracao
[7] Constituição Federal, Art. 299 e Código Civil, Art. 1696.
[8] Código Civil, Art. 1698.
[9] STJ – Súmula 596: a obrigação alimentar dos avós tem natureza complementar e subsidiária, somente se configurando no caso de impossibilidade total ou parcial de seu cumprimento pelos pais.
[10] JCNJ – Enunciado 342: Observadas suas condições pessoais e sociais, os avós somente serão obrigados a prestar alimentos aos netos em caráter exclusivo, sucessivo, complementar e não solidário quando os pais destes estiverem impossibilitados de fazê-lo, caso em que as necessidades básicas dos alimentados serão aferidas, prioritariamente, segundo o nível econômico-financeiro de seus genitores.
[11] DIAS, Maria Berenice, Manual de Direito das Famílias – Pág. 839 – 16ª Ed. – ED. Juspodivm
Emanuele Paranan Barbosa Güther é advogada especializada em Direito Tributário e sócia do Güther & Paranan Advogados, em São Paulo/SP
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