A reforma tributária de 2023, implementada pela EC 132/23, impacta diretamente os planejamentos patrimoniais e sucessórios, exigindo ajustes nas estratégias de sucessão e proteção patrimonial.
O planejamento patrimonial e sucessório é um conjunto de estratégias jurídicas voltadas à gestão e proteção do patrimônio familiar. Por meio dele, é possível antecipar a transmissão de bens e direitos do proprietário, ainda em vida, aos seus herdeiros, com o intuito de evitar conflitos familiares, melhorar a organização e prevenir perdas financeiras após o falecimento do titular.
De forma resumida, o planejamento patrimonial e sucessório pode ser estruturado em quatro fases:
1ª Fase: Entendimento do contexto patrimonial, familiar e empresarial, além do conhecimento dos desejos e pretensões da família e dos interessados. Isso permite realizar um diagnóstico prévio sobre a viabilidade e as alternativas aplicáveis à realidade da família ou do negócio, assim como definir o objetivo e o escopo da fase 2.
2ª Fase: Considerando as informações obtidas na fase 1, elabora-se um projeto personalizado que atenda às necessidades e anseios pessoais e familiares (ex.: proteção patrimonial, evitar o inventário, reduzir conflitos entre herdeiros, ajustes necessários em caso de divórcio, benefícios fiscais, regularização, organização e gestão do patrimônio, entre outros), sempre visando à preservação do patrimônio. Nessa etapa, os documentos são analisados detalhadamente, apresentando-se o real impacto de um processo de inventário, as alternativas existentes e comparativos de eventuais benefícios econômicos e fiscais, além do descritivo e cálculo de todos os valores de investimento necessários para a implementação do planejamento.
3ª Fase: Implementação do projeto discutido e aprovado na fase 2, utilizando ferramentas jurídicas modernas e legais para garantir a sucessão eficiente do patrimônio.
4ª Fase: Dependendo do interesse da família, pode-se contar com a administração profissional da estrutura implementada ou, periodicamente, buscar consultoria para eventuais ajustes no planejamento em função de alterações legislativas ou mudanças no cenário patrimonial, familiar ou negocial.
É importante ressaltar que todas as etapas são independentes, facultativas e sucessivas.
Diante da relevância do planejamento patrimonial e sucessório para a prosperidade dos negócios familiares, é imprescindível manter-se atualizado sobre todas as questões que o envolvem, especialmente aquelas de cunho tributário, considerando as recentes alterações do ITCMD – Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação, um dos principais impostos incidentes nesse tipo de operação.
Na 3ª fase do planejamento patrimonial e sucessório, para a manutenção dos bens da família em linha vertical (ascendentes e descendentes), comumente adota-se a estratégia de antecipar a sucessão do patrimônio, por meio da doação dos bens do titular aos seus herdeiros, com a possibilidade de instituir gravames como cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade, reversão e usufruto.
Nesse sentido, no âmbito tributário, a transmissão de bens e direitos decorrente de falecimento ou doação configura o fato gerador do ITCMD, surgindo a obrigação de recolher o imposto ao Estado competente.
Com a reforma tributária, implementada pela EC 132/23, foram introduzidas alterações importantes no ITCMD. A principal mudança, que terá grande impacto em estados como São Paulo, é a obrigatoriedade da progressividade da alíquota, observando-se o limite de 8%. A reforma exige que estados que aplicavam alíquotas fixas, como São Paulo (4%), ajustem-se ao novo preceito constitucional, adotando a alíquota escalonada do imposto.
Essa progressividade busca adequar a tributação à capacidade contributiva dos contribuintes, podendo resultar em aumento ou diminuição da carga tributária, conforme o valor do bem ou direito transmitido. Portanto, essas novas alíquotas precisam ser consideradas e estimadas no planejamento patrimonial e sucessório.
Outra mudança significativa é a alteração da competência para a cobrança do ITCMD sobre heranças. Anteriormente, a competência era do Estado onde tramitava o inventário, exceto para bens imóveis, cuja competência era do estado onde estavam localizados. Com a reforma, a competência passa a ser do Estado onde o falecido era domiciliado, mantendo-se a regra para imóveis.
Por fim, a reforma tributária também incluiu a incidência do ITCMD sobre heranças e doações feitas no exterior, sem a necessidade de lei complementar, como exigido anteriormente pelo STF. De acordo com as novas regras, se o doador for domiciliado ou residente no exterior, a competência para a cobrança do imposto será do estado onde o donatário reside. Caso o donatário também seja residente ou domiciliado no exterior, a competência será do estado onde o bem estiver localizado.
Cabe ressaltar que já tramita na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o PL 07/24, que propõe a instituição das alíquotas progressivas do ITCMD. O projeto prevê alíquotas de 2%, 4%, 6% e 8%, aplicáveis sobre faixas de valor estabelecidas para a base de cálculo.
A apuração será realizada por meio da decomposição do valor total dos bens e direitos em faixas específicas, com a aplicação de cada alíquota correspondente à sua respectiva faixa de valor:
Base de cálculo – Até R$ 353.600,00 (10.000 UFESPs) – Alíquota – 2%
De R$ 353.600,01 (10.000 UFESPs) a R$ 3.005.600,00 (85.000 UFESPs) – Alíquota – 4%
De R$ 3.005.600,01 (85.000 UFESPs) a R$ 9.900.800,00 (280.000 UFESPs) – Alíquota – 6%
Acima de R$ 9.900.800,01 (280.000 UFESPs) – Alíquota – 8%
Cumpre ressaltar que não foi prevista alteração referente às isenções disciplinadas no art. 6º da lei 10.705/00, levando a entender, a princípio, que estas serão mantidas. O limite atual de isenção na doação é de 2.500 UFESPs, correspondendo a R$ 88.400,00 para o ano de 2024.
O PL 07/24 segue em tramitação e sua aprovação pode ocorrer ainda este ano, caso seja tratado como urgência.
Diante das mudanças trazidas pela reforma tributária, o planejamento patrimonial e sucessório torna-se ainda mais relevante e necessário.
A progressividade do ITCMD, especialmente no Estado de São Paulo, terá um impacto significativo, exigindo atenção redobrada no planejamento, principalmente para aqueles que lidam com patrimônios mais vultuosos.
Neste novo panorama, manter-se atualizado sobre a evolução legislativa e adotar uma abordagem proativa no planejamento patrimonial e sucessório é fundamental para garantir a segurança e a preservação do patrimônio das famílias.
Carlos Gustavo Kimura é advogado com pós-graduação em Direito Tributário e Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV SP), sócio fundador do Kimura Salmeron Advogados, em São Paulo.